quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Pontos de Vista sobre o Corpo Deserotizado



O presente ensaio fotográfico foi desenvolvido para a conclusão de uma disciplina de fotografia na UFPR sobre o corpo e a fotografia. Para isso, escolhi como tema o trabalho de modelo vivo em uma escola de artes em Curitiba. Para o texto busquei fontes transversais de pesquisa, ou seja, uma bibliografia sobre a imagem, sobre o corpo e sobre a história da profissão de modelo vivo que se entrecruzassem e se complementassem. O texto e as fotos que apresento aqui são um pequeno resumo do trabalho realizado.

A realização desse trabalho era o de instigar a discussão sobre a problemática da representação do corpo humano a partir da interface entre a fotografia e outras formas de representação, que ao fazer isso, adquire um duplo sentido ao pesquisar o uso do corpo como modelo para a criação artística e o ensaio fotográfico propriamente dito.

A prática de posar como modelo vivo para pintores e escultores, iniciou-se ainda na antiga Grécia, sofreu longos períodos de repressão, e retornou à Europa, principalmente na França, país que era o grande difusor da cultura e da arte, a partir de 1648, e se fortaleceu como profissão somente em meados do século XIX.


Independente das explicações históricas, antropológicas e sociais que marcaram a importação de modelos estéticos europeus, percebe-se ainda hoje o predomínio do Academismo e com ele, uma estética fundamentada no idealismo clássico. O europeu nutria pela Grécia, sobretudo no século XVIII, uma admiração similar que o brasileiro sentia pela Europa no século XIX e início do XX, apesar das diferenças históricas e culturais. No Brasil, a importação do Academismo e do idealismo clássico insere-se num fenômeno mais amplo relacionado àquele complexo colonial que convergia para uma necessidade de auto-afirmação.

Ao longo de sua trajetória no século XIX, o curso de modelo vivo adquiriu valores elevados e diferenciados nas principais academias européias. Na academia francesa, o estudo do nu a partir do modelo inteiramente baseado nos princípios da Antiguidade Clássica, mantém uma consolidada doutrina desde a sua implantação até a primeira metade do século XIX. Estes princípios da academia francesa, entre os quais a imitação e estudo das anatomias perfeitas, o aperfeiçoamento do desenho e a recuperação das poses anteriormente provenientes das estátuas, serão repassados às academias européias e adaptados às academias americanas, que seguem por sua vez, o modelo francês de ensino.

                                                                            
Quanto a questão histórica, há passagens pitorescas na literatura, como por exemplo no romance de 1867 publicado pelos irmãos Goncourt (Jules e Edmond), chamado “Manette Salomon”, que relata a vida dos artistas na École des Beaux-arts, dando ênfase à questão do modelo vivo, onde revelam que a vida desses era repleta de maus tratos, humilhações, julgamentos físicos e raciais. Essa profissão, foi tema constante da literatura do século XIX, inclusive de Émile Zola em “L’Oeuvre”. Há passagens em que o modelo vivo sente ciúmes da própria imagem representada na tela, amada pelo artista, “que vê o modelo com indiferença ao lado do resultado final.”

                                                              
Busquei pesquisar os ângulos e olhares que coexistiam na cena fotografada: os olhares dos alunos, que segundo o seu posicionamento na sala determinava o ângulo da modelo a ser copiado: frontal, lateral e posterior, o não- olhar do professor, o olhar neutro da modelo, e o olhar da fotógrafa, privilegiado porque era um olhar atento a tudo que se passava e ainda tinha a vantagem da mobilidade pela sala de aula.


A profissão de modelo vivo permanece até hoje em escolas e academias de arte pelo mundo afora, onde se aprende desenho e pintura. Embora comum e até rotineira, a atividade da (ou do) modelo que se despe a fim de ser desenhado pela turma de alunos, permanece com uma aura de mistério e de pudor, ou seja, o corpo humano desnudo ainda é um dogma que necessita de regras, de convenções, de encenações para ser aceito como “natural”.

Texto e Fotos: Izabel Liviski





Izabel Liviski é Fotógrafa e Mestre em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual.  Escreve quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.

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