quinta-feira, 21 de outubro de 2010

PUBLICIDADE POLITICAMENTE INCORRETA


Publicidade enganadora, agressiva ou subliminar são conceitos que nos soam familiares, já que como  se sabe, não há muitas regras no mundo da publicidade para além dos limites éticos de quem a concebe e promove. Obcecados com as vendas e os lucros, promotores e publicitários não olham os meios para persuadir os consumidores a comprar os seus produtos. Todos temos memória de algumas campanhas chocantes, mas nem por isso menos eficazes. Até há cerca de 20 anos, mais ou menos, era possível ver em várias campanhas mensagens ofensivas para determinadas pessoas ou grupos sociais. Sempre que necessário recorria-se a conteúdos racistas e sexistas onde o ser humilhado era frequentemente a mulher.

O Chef faz tudo exceto cozinhar - é para isso que servem as mulheres!
Este robô de cozinha da Kenwood podia fazer tudo exceto retirar às mulheres o imenso privilégio de cozinhar. Repare no ar feliz do casal (na altura não eram necessários psiquiatras).

 Esta utilização continuada da mulher em tom depreciativo explicava-se, na lógica fria da publicidade, porque o público alvo eram os homens - eram eles que ganhavam o dinheiro e, consequentemente, o gastavam. Eram, pois, os potenciais compradores, mesmo que os produtos se destinassem às mulheres. As situações criadas e os chavões comerciais dos publicitários serviam-se frequentemente do humor (e ainda hoje se servem), mas um humor  primitivo e de mau gosto, em que a representação da mulher era a de dominada, subserviente, uma cidadã de segunda classe, enfim.

                                
                                          Você quer dizer que uma mulher consegue abrir isto?

Felizmente muita água rolou, e as coisas mudaram. Há mais respeito e cuidado com as mensagens publicitárias que se enquadram na linha do "politicamente correto". Pode-se pensar que os publicitários e anunciantes aprenderam. Mas é melhor duvidarmos de tanta bondade e indulgência. Na verdade o  que aconteceu simplesmente é que aqueles indivíduos e grupos que antes eram ridicularizados se tornaram também potenciais compradores. As mulheres deixaram de ser empregadas domésticas não remuneradas e abraçaram carreiras profissionais. Ganham os seus salários e consomem e gastam,   não necessariamente no mesmo que os homens. E os publicitários - e publicitárias - sabem disso muito bem.


Sopre a fumaça em seu rosto, e ela vai seguí-lo por toda parte.
Concordamos em absoluto: não há nada mais irresistível do que alguém nos soprar fumaça no rosto, é evidente. Já o slogan Mantenha-a no lugar a que pertence  nos deixa algumas dúvidas quando à sua eficácia na venda de sapatos para homem.
Mas ainda vai levar algum tempo para que a maioria de nós saibamos na nossa prática diária, o que Simone de Beauvoir quis dizer com essa frase que se tornou célebre:
"É no seio do mundo que lhe foi dado que cabe ao homem fazer triunfar o reino da liberdade; para conseguir essa suprema vitória, é preciso, entre outras coisas, que, para além de suas diferenças naturais, homens e mulheres afirmem sem equívoco sua fraternidade." 
E eu acrescentaria, que independente de gênero,  classe e raça, nós deveríamos ao menos tentar,  afirmar  nossa fraternidade.



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Izabel Liviski é professora e fotógrafa, doutora em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual. Escreve desde 2009 a Coluna INcontros, e é também co-editora da Revista ContemporArtes.




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