quarta-feira, 17 de novembro de 2010

FOTOGRAFIA E CIÊNCIA: AFINIDADES ELETIVAS



A fotografia e a sociologia surgiram quase ao mesmo tempo, a sociologia com o "Discours sur l'esprit positif" de Augusto Comte em 1844 e a fotografia em 1839 com a exposição pública de Daguerre sobre o modo de fixar uma imgem numa placa metálica. Afora isso, ambas seguiram percursos distintos: a fotografia procurou seu reconhecimento no campo da arte, já que a maioria dos primeiros fotógrafos eram pintores que não conseguiram triunfar nos salões e que viram na fotografia um meio alternativo de consagração artística. A sociologia trilhou caminhos que a levaram à sua institucionalização como ciência positiva, preocupada com a elaboração de grandes teorias, apoiando-se em técnicas e metodologias semelhantes às das ciências naturais, no período em que a obra de Durkheim foi paradigmática.

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Foto: Izabel Liviski

Embora tanto tempo tenha passado e novas tecnologias tenham sido incorporadas, o estatuto artístico da fotografia ainda continua sendo objeto de discussões. Desde o seu início, a fotografia foi negada enquato arte legítima, mesmo pelos pintores realistas. Por um lado ela foi, inicialmente compadarada ao empiriscismo, com a observação racional e com a "reprodução direta do natural". Por outro lado, a partir do momento em que se simplificaram os procedimentos que permitiram a qualquer pessoa fazer fotografias, a "aura" que envolvia a fotografia e que lhe conferia um caráter elitizado, desapareceu.
Inicialmente como meio de auto-representação e substituindo a pintura de retratos, a fotografia foi se tornando uma indústria onipotente e tentacular, em grande parte devido à capacidade de expansão de algumas empresas como a Kodak, que colocaram no mercado todos os produtos necessários à prática fotográfica, a preços acessíveis a uma larga camada da população.

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Foto: Izabel Liviski 


A fotografia converteu-se rapidamente em um instrumento para manipular necessidades, vender mercadorias e modelar pensamentos. Através de seu uso nas campanhas publicitárias, a fotografia constituiu uma ferramenta fundamental de apoio ao processo de expansão das economias modernas. A sua capacidade de reprodutividade permitiu também democratizar a obra de arte, tornando-a acessível a praticamente todas as faixas sociais. A imagem é de fácil compreensão, e tem a particularidade em apelar às emoções e assim na sua imediatez reside sua força mas também o seu perigo.
Contudo, a fotografia serviu de ferramenta de análise social para muitos dos primeiros fotógrafos que construiram sua história. Uma boa parte deles dedicou-se à exploração de temas caros à Sociologia através de fotos. Exemplos disso, são Lee Frielander e Gary Winogrand que fotografaram comportamentos no espaço público, abordando algumas das gandes questões da sociologia tratados nas obras de Georg Simmel e de Erving Goffman.


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Foto: Izabel Liviski 


A foto-reportagem ou foto-ensaio, surgida em 1920, gênero no qual foram precursores Eisenstaedt e Erich Salomon, confirmou a fotografia como instrumento de análise social. A fotografia mostrou imagens de sociedades longínquas, imagens que despertavam desejos e alargavam horizontes, mas trouxe também outras questões menos desejáveis. Robert Capa, conhecido fotógrafo da agência Magnum, foi um dos primeiros a fotografar a guerra, e portanto foi através de suas fotografias que algumas sociedades viram à distância imagens da guerra. Capa percebeu que a guerra é muito mais do que as batalhas; grande parte das suas melhores imagens retrata as periferias dos eventos históricos: as relações e as sociabilidades que se tecem em volta dos cenários de guerra.
Fotógrafos como Dorothea Lange, Margaret Bourke-White, Russel Lee, Walker Evans foram financiados pela FSA (Farm Security Administration), um organismo estatal norte-americano para capturarem imagens dos problemas sociais da sociedade norte-americana, principalmente nas questões rurais.


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Foto: Izabel Liviski 


O fotógrafo suico Robert Frank, com um projeto de conhecimento da sociedade norte-americana através de suas lentes ("The Americans") entre 1955 e 1956, retratou suas mais profundas contradições: as discriminações raciais, as desigualdades sócio-econômicas etc. o que foi muito mal recebido pelos americanos, pois dava a conhecer realidades sociais incômodas. Robert Frank refletiu em seu trabalho as influências das teorias de Tocqueville, Margaret Mead e Ruth Benedict.
Mais recentemente, Henri Cartier-Bresson destaca-se como um dos mais notáveis fotógrafos sociais. Ao "congelar" o instante decisivo em cada foto que fazia, retratou comunidades na Índia, as convulsões políticas comunistas na Rússia e na China, assim como ritos e cerimônias sociais, como as danças de Bali.


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Foto: Izabel Liviski 


No entanto, a Sociologia despertou tardiamente para a imagem, os sociólogos clássicos confiaram demasiado na palavra. A Antropologia usou mais precocemente os meios audiovisuais nas suas pesquisas de campo. Contudo, a fotografia e o cinema etnográfico e documental foram usados como técnicas complementares, para comparar, ordenar o registro cultural, completar as notas de campo e ilustrar o texto verbal. Alguns sociólogos dedicaram-se a investigações que envolviam a fotografia, analisando os seus usos sociais, assim como usando a câmera como ferramenta de análise social.
Pierre Bourdieu foi um dos sociólogos que interessou-se pela análise dos usos sociais da fotografia, notando que esta cumpre "funções sociais específicas", ao "solenizar" e "eternizar" determinados acontecimentos de relevo social: cerimônias e ritos sociais com os nascimentos, os casamentos, primeira comunhão etc., a fotografia como um instrumento para guardar memórias.
Mas este não é um assunto que se esgota tão facilmente, voltaremos a ele em outras ocasiões, mostrando as afinidades, controvérsias, colaboração e polêmicas entre fotografia e ciência, mais especificamente entre fotografia e sociologia.

Fonte: Ferro, Ligia- Ao encontro da sociologia visual



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Izabel Liviski é Fotógrafa e Mestre em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual.  Escreve quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.

1 comentários:

discutindo educação e história disse...

Realizando curso de mestrado em História Cultural com tema relacionado a fotografia, memória e espaços urbanos, tenho acompanhado seus artigos com muito interesse, tendo uma bela oportunidade de aprendizado. Um grande abraço.

23 de novembro de 2010 às 07:53

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