O testemunho como fotográfia - Militão em Paranapiacaba
A fotografia está em todos os lugares e já não é exclusividade da propaganda comercial, nem dos catálogos de produtos, menos dos amantes casuais. Hoje temos fotografias em nossos celulares, em sites de relacionamento, blogs, etc. Postamos viagens, festas, passeios ou qualquer coisa, com ou sem a figuração de pessoas para os enquadramentos.
Sem título #1 - Demócrito Nitão, 2010
Sempre quando estou em Paranapiacaba, pesquisando para o video-documentário Neblina Sobre Trilhos, procuro fazer muitas fotos, em permanente procura de novo enfoque, tanto da paisagem urbana excepcional, quanto da interação humana e animal neste cenário. Inevitável, contudo, não se projetar para os idos de quem viveu no seu momento de intensa atividade, ligada à ferrovia, há pelo menos 100 anos. Tempo em que paranapiacaba fora uma Vila Operária, criada para abrigar os trabalhadores da ferrovia inglesa SPR - San Paulo (Brazilian) Railway, responsáveis pela manutenção do sistema de tração denominado funicular.
Primeiro Acampamento - Militão Augusto de Azevedo, c. 1865
Divagações à parte, esta reflexão certamente remete à construção dos trilhos na Serra, cuja altura é de quase 800m. Para além da imposição do trabalho, é provável que havia um forte espírito de conquista aos que se embrenhavam na densa vegetação da Mata Atlântica, nos idos do século XIX, quando não havia guias turísticos ou antídotos à mão. O incentivo suscitado pela viabilidade econômica, aliada à coragem e determinação daqueles homens, proporcionou uma das maiores obras da arte e engenharia construída no Brasil de então.
Durante esta empreitada, destaca-se um homem cujo legado nos permite conhecer um pouco sobre esta "aventura". Seu nome é Militão Augusto de Azevedo (1837 - 1905), fotógrafo carioca que retratou São Paulo em sua formação urbana e as obras da companhia ferroviária inglesa. Mais do que mera curiosidade, ele foi um "artesão" que aperfeiçoou a sua técnica como profissional da fotografia. Militão foi ator, porém largou este ofício para se dedicar à outra arte, como que vislumbrando um palco melhor para suas grandes atuações.
Realizou muitas fotografias: retratos e vistas, além de ter produzido alguns álbuns, com destaque para o Álbum comparativo de vistas de São Paulo (1862 -1867), comparando as mudanças da cidade registradas em fotografias produzidas em épocas distintas.
Mais do que a justificada contemplação, promovida pelo encantamento provocado pelo colosso da engenharia ferroviária e as novas percepções causadas pela nova velocidade do transporte ferroviário, Militão foi contratado para produzir um relatório fotográfico - dossiê - a pedido dos engenheiros da Companhia inglesa, após um grave acidente ocorrido nos trilhos em 1865.
Viaduto da Grota Funda - Militão Augusto de Azevedo, 1867
Como não é de hoje, a arte sempre presta seus serviços à ciência e a tecnologia. O trabalho de Militão se transformou em referência obrigatória para o estudo iconográfico de São Paulo, a partir da segunda metade do século XIX. O poder transformador desta arte está materializada em rico testemunho da memória urbana de São Paulo. Preservar para reviver. Talvez todo amante da fotografia tenha um quê de agente preservacionista responsável pela perenidade das coisas, bichos e pessoas.
Sem título #2, Demócrito Nitão, 2010
Demócrito Nitão é Historiador, apaixonado por artes visuais, fotografia, música, cinema, futebol, e ainda pedala quando lhe folga agum tempinho. Participam desta coluna as sociólogas Soraia O. Costa e Marina Rosmaninho.
2 comentários:
Parabéns!
18 de novembro de 2010 às 09:51Ótimo artigo!
Muito sensível e esclarecedor sobre o papel da fotografia, principalmente através do Militão, como fonte histórica e artística de grande importância.
Parabéns Brother!
18 de novembro de 2010 às 18:01Ótimo tema. Nada melhor do que Paranapiacaba para um fotógrafo e historiador não é mesmo?
Continue a nos proporcionar grandes momentos de cultura com seus textos e sua fotos.
Grande Abraço!
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