Fotografia, memória e esquecimento
Fotografia, memória ou memórias, esquecimento:
“Fotografia é memória e com ela se confunde.” (Kossoy)1 ou
“a fotografia contribui para a memória, mas não é a memória”.2(?)
“Fotografia é memória e com ela se confunde.” (Kossoy)1 ou
“a fotografia contribui para a memória, mas não é a memória”.2(?)
Por André Luiz Reis Mattos.
Entendo que a relação fotografia/real, tratada em artigo anteriormente publicado na revista Contemporâneos, esta vinculada no imaginário popular às questões da memória, ao desejo de que a pessoa, o objeto e o momento sejam preservados, e permaneçam “vivos” na expressão material da imagem registrada, e que o tempo, inexorável inimigo da vida, pois nos conduz invariavelmente a morte, seja vencido.
Na apresentação do livro “Memória e (Res)sentimento: Indagações sobre uma questão sensível”, Bresciani e Naxara, sinalizam para uma série de apreensões da memória:
A memória em sua essência é abstrata, afetiva, subjetiva, o que não foi segregado ou confiscado. Mesmo que desta maneira “fatiada” em planos ou memórias, é o que permanece vinculado, presente, esquecido como medida de proteção ou mesmo oprimido, nas lembranças, nas diversas expressões da vontade individual ou coletiva, nas representações e símbolos, nos rituais e práticas de rememoração, nas imagens, nos espaços e nas paisagens transformadas; memória que vence o tempo e é reavivada, resignificada ou realimentada nas ações do sujeito histórico em suas diversas formas de manifestação.
Quando afirma que “Heródoto retoma e transforma a tarefa do poeta arcaico: contar os acontecimentos passados, conservar a memória, resgatar (termo substituído na atualidade por reavivar) o passado, lutar contra o esquecimento”, Jeanne Marie Gagnebin4 o faz após observar que este – Heródoto de Halicarnassus5, na tradição considerado o “pai da história”, apresenta como objetivo de suas investigações o desejo de “que a memória dos acontecimentos não se apague entre os homens com o passar do tempo.”6
Preservar a memória é criar uma imortalidade que a vida naturalmente impede, então para “vencer” o tempo é primordial “vencer” o esquecimento, e “Mnemosine”7 é a principal aliada do ser humano.
Os homens sempre utilizaram de artifícios para que o tempo e a morte não lhes condenassem ao esquecimento. Mitos de origem, tradições, feitos heróicos dos antepassados, permanecem nas diversas civilizações através das expressões da linguagem, inicialmente pela oralidade, capaz de transpor a passagem do tempo; é o “discurso mítico, que fala de um tempo longínquo, de um tempo das origens, tempo dos deuses e dos heróis, do qual só as musas podem nos fazer lembrar, pois, sem elas, não podemos saber (idem) daquilo que não vimos.”8. Acrescento ainda a estes artifícios os lugares de memória e a “obsessão comemorativa” que tomou conta de todas as sociedades contemporâneas nas últimas décadas do século XX9; e, por ser também linguagem, a fotografia.
Segundo Almeida10, existimos atualmente em uma sociedade oral cujo caminho comunicacional ocorre prioritariamente por imagens e sons. Para Jolly11, “a opinião mais comum sobre as características de nossa época, já repetida há mais de trinta anos, é que vivemos em uma 'civilização da imagem'”. As fotografias, mais do que meras ilustrações, são como afirma Barthes12, um “certificado de presença”; e na mesma dimensão como testemunho direto ou indireto de um tempo anterior, apresentando-se como “evidências no processo de reconstrução da cultura material do passado” (Burke)13, configuram-se como lugar manifesto de memória na sua função cognitiva, o conhecimento do passado, o que a aproxima também da ciência histórica.
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Notas:
1- KOSSOY, Borys. “Realidades e Ficções na Trama Fotográfica”. São Paulo. Ateliê Editorial. 4ª Edição. 2009, pp 8.
2- PARGA, Profº Drº Eduardo Lucas. Afirmativa proferida em avaliação do artigo “História e Fotografia: A memória visual das transformações das paisagens urbanas – Morro Dois Irmãos no Rio de Janeiro/RJ” de minha autoria, durante IV Seminário de História Social da Universidade Severino Sombra, Vassouras/RJ, em 6/10/2010.
3- BRESCIANI E NAXARA, Stella e Márcia. “Memória e (Res)sentimento: Indagações sobre uma questão sensível”. Editora Unicamp. SP. 2004. pp. 9/10.
4- GAGNEBIN, Jeanne Marie. “O início da História e as lágrimas de Tucídides”, in: Sete aulas sobre linguagem, memória e história. Imago Editora. RJ. 2005, pp 15.
5- “Heródoto de Halicarnasso foi um historiador grego, continuador de Hecateu de Mileto, nascido no século V a.C. (420 a.C. - 485 a.C.?). Heródoto de Halicarnasso foi o autor da história da invasão persa da Grécia nos princípios do século V a.C., conhecida simplesmente como As histórias de Heródoto. Esta obra foi reconhecida como uma nova forma de literatura pouco depois de ser publicada. Antes de Heródoto, tinham existido crônicas e épicos, e também estes haviam preservado o conhecimento do passado. Mas Heródoto foi o primeiro não só a gravar o passado mas também a considerá-lo um problema filosófico ou um projeto de pesquisa que podia revelar conhecimento do comportamento humano. A sua criação deu-lhe o título de "Pai da História" e a palavra que utilizou para o conseguir, história, que previamente tinha significado simplesmente "pesquisa", tomou a conotação atual de "história".”
6- Idem 8, pp 15.
7- “Mnemosine - A memória personificada, filha de Urano (o Céu) e de Gaia (a Terra), é uma das seis Titanides. Durante nove noites seguidas Zeus a possuiu na Pieria e dessa união nasceram as nove Musas. As nove filhas de Mnemosine (a Memória) e Zeus. Além de inspirar os poetas e os literatos em geral, os músicos e os dançarinos e mais tarde os astrônomos e os filósofos, elas também cantavam e dançavam nas festas dos Deuses olímpicos, conduzidas pelo próprio Apolo. Na época romana elas ganharam atribuições específicas: Calíope era a musa da poesia épica, Clio da História, Euterpe da música das flautas, Erato da poesia lírica, Terpsícore da dança, Melpomene da tragédia, Talia da comédia, Polímnia dos hinos sagrados e Urânia da astronomia.” KURY, Mário da Gama. (1990). Dicionário de Mitologia Grega e Romana. Jorge Zahar Editor Ltda. Rio de Janeiro, RJ. pp. 405.
8- Idem 8, pp 15.
9- SEIXAS, Jacy Alves de. Citando Pierre Nora no seu trabalho Les lieux de memórie. “Percursos de Memórias em terras de História: Problemáticas atuais”, in “Memória e (Res)sentimento: Indagações sobre uma questão sensível”. Editora Unicamp. SP. 2004. pp. 37.
10- ALMEIDA, Milton José. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 2001.
11- JOLY, Martine. Introdução à análise da Imagem. SP, ed. Papirus. 2009.
12- BARTHES, Roland. A Câmara Clara. RJ, ed. Nova Fronteira. 2008, pp 129.
13- BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem 2ª ed. S.P.: EDUSC. 2004, pp. 99.
Contribuição do leitor Profº André Luiz Reis Mattos, graduado em Administração pela UFRural/RJ e Licenciado em História pela UNIUBE/MG, Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior pela FIJ/RJ e Mestrando em História Cultural pela USS, Vassouras/RJ. Fundador e Presidente entre 2008/2010 da Fundação Educacional de Três Rios/RJ e servidor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Na apresentação do livro “Memória e (Res)sentimento: Indagações sobre uma questão sensível”, Bresciani e Naxara, sinalizam para uma série de apreensões da memória:
“(...) memória-faculdade intelectual, memória-conhecimento,... memória que se submete à história e a ela oferece suporte documental importante para suas narrativas... Memória-testemunho... Memória que pode se desprender de seu referente,... Memórias que transitam pelo apagamento de outras memórias... Memórias ressentidas... Memórias que podem atuar como advertência e rememoração de derrotas,... mas que também encontram lugar na afirmação positiva do direito à cidadania, ...”3
Salvador Dalí, The Persistence of Memory, 1931.
Museum of Modern Art, New York. © Salvador Dalí.
Fundación Gala-Salvador Dalí, DACS, 2007
"A Planície do Esquecimento" (Salvador Dali) |
Quando afirma que “Heródoto retoma e transforma a tarefa do poeta arcaico: contar os acontecimentos passados, conservar a memória, resgatar (termo substituído na atualidade por reavivar) o passado, lutar contra o esquecimento”, Jeanne Marie Gagnebin4 o faz após observar que este – Heródoto de Halicarnassus5, na tradição considerado o “pai da história”, apresenta como objetivo de suas investigações o desejo de “que a memória dos acontecimentos não se apague entre os homens com o passar do tempo.”6
Preservar a memória é criar uma imortalidade que a vida naturalmente impede, então para “vencer” o tempo é primordial “vencer” o esquecimento, e “Mnemosine”7 é a principal aliada do ser humano.
Mnemosyne, por Dante Gabriel Rossetti, 1828-1882, pintor e poeta inglês. |
Segundo Almeida10, existimos atualmente em uma sociedade oral cujo caminho comunicacional ocorre prioritariamente por imagens e sons. Para Jolly11, “a opinião mais comum sobre as características de nossa época, já repetida há mais de trinta anos, é que vivemos em uma 'civilização da imagem'”. As fotografias, mais do que meras ilustrações, são como afirma Barthes12, um “certificado de presença”; e na mesma dimensão como testemunho direto ou indireto de um tempo anterior, apresentando-se como “evidências no processo de reconstrução da cultura material do passado” (Burke)13, configuram-se como lugar manifesto de memória na sua função cognitiva, o conhecimento do passado, o que a aproxima também da ciência histórica.
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Notas:
1- KOSSOY, Borys. “Realidades e Ficções na Trama Fotográfica”. São Paulo. Ateliê Editorial. 4ª Edição. 2009, pp 8.
2- PARGA, Profº Drº Eduardo Lucas. Afirmativa proferida em avaliação do artigo “História e Fotografia: A memória visual das transformações das paisagens urbanas – Morro Dois Irmãos no Rio de Janeiro/RJ” de minha autoria, durante IV Seminário de História Social da Universidade Severino Sombra, Vassouras/RJ, em 6/10/2010.
3- BRESCIANI E NAXARA, Stella e Márcia. “Memória e (Res)sentimento: Indagações sobre uma questão sensível”. Editora Unicamp. SP. 2004. pp. 9/10.
4- GAGNEBIN, Jeanne Marie. “O início da História e as lágrimas de Tucídides”, in: Sete aulas sobre linguagem, memória e história. Imago Editora. RJ. 2005, pp 15.
5- “Heródoto de Halicarnasso foi um historiador grego, continuador de Hecateu de Mileto, nascido no século V a.C. (420 a.C. - 485 a.C.?). Heródoto de Halicarnasso foi o autor da história da invasão persa da Grécia nos princípios do século V a.C., conhecida simplesmente como As histórias de Heródoto. Esta obra foi reconhecida como uma nova forma de literatura pouco depois de ser publicada. Antes de Heródoto, tinham existido crônicas e épicos, e também estes haviam preservado o conhecimento do passado. Mas Heródoto foi o primeiro não só a gravar o passado mas também a considerá-lo um problema filosófico ou um projeto de pesquisa que podia revelar conhecimento do comportamento humano. A sua criação deu-lhe o título de "Pai da História" e a palavra que utilizou para o conseguir, história, que previamente tinha significado simplesmente "pesquisa", tomou a conotação atual de "história".”
6- Idem 8, pp 15.
7- “Mnemosine - A memória personificada, filha de Urano (o Céu) e de Gaia (a Terra), é uma das seis Titanides. Durante nove noites seguidas Zeus a possuiu na Pieria e dessa união nasceram as nove Musas. As nove filhas de Mnemosine (a Memória) e Zeus. Além de inspirar os poetas e os literatos em geral, os músicos e os dançarinos e mais tarde os astrônomos e os filósofos, elas também cantavam e dançavam nas festas dos Deuses olímpicos, conduzidas pelo próprio Apolo. Na época romana elas ganharam atribuições específicas: Calíope era a musa da poesia épica, Clio da História, Euterpe da música das flautas, Erato da poesia lírica, Terpsícore da dança, Melpomene da tragédia, Talia da comédia, Polímnia dos hinos sagrados e Urânia da astronomia.” KURY, Mário da Gama. (1990). Dicionário de Mitologia Grega e Romana. Jorge Zahar Editor Ltda. Rio de Janeiro, RJ. pp. 405.
8- Idem 8, pp 15.
9- SEIXAS, Jacy Alves de. Citando Pierre Nora no seu trabalho Les lieux de memórie. “Percursos de Memórias em terras de História: Problemáticas atuais”, in “Memória e (Res)sentimento: Indagações sobre uma questão sensível”. Editora Unicamp. SP. 2004. pp. 37.
10- ALMEIDA, Milton José. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 2001.
11- JOLY, Martine. Introdução à análise da Imagem. SP, ed. Papirus. 2009.
12- BARTHES, Roland. A Câmara Clara. RJ, ed. Nova Fronteira. 2008, pp 129.
13- BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem 2ª ed. S.P.: EDUSC. 2004, pp. 99.
Contribuição do leitor Profº André Luiz Reis Mattos, graduado em Administração pela UFRural/RJ e Licenciado em História pela UNIUBE/MG, Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior pela FIJ/RJ e Mestrando em História Cultural pela USS, Vassouras/RJ. Fundador e Presidente entre 2008/2010 da Fundação Educacional de Três Rios/RJ e servidor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
5 comentários:
André, muito bom o que escreveu, Que legal que seu pique continua forte e pesquisano sem parar. Falar de memória é fascinante!!!! Parabéns e continue no pique. beijos
12 de dezembro de 2010 às 16:37André Ceneart sou eu Katia que conheci vc em Vassouras, é que CENEART é um blog....... beijinhos
12 de dezembro de 2010 às 16:38Parabéns! sou um amante da fotografia e adorei a coluna..Parabéns!
13 de dezembro de 2010 às 11:12Oi André!!Nossa, como foi bom receber esta novidade, meu amigo!!! Adorei tudo, a mensagem, a sua foto!!!! Um grande abraço da sua amiga Valéria!!! O meu blog se chama : O Amor é o sol da vida!! Quando puder, faz uma visitinha lá... é muito simples mas é feito de coração!!! Fica com Deus!!!
13 de dezembro de 2010 às 20:04Meu querido, adorei seu artigo.Por favor continue escrevendo para nós, pois o povo carece de arte e de cultura. A leitura de conhecimento é sempre bem vinda. Divulguei seu artigo na página de dicas culturais da Universidade aonde estudo. Um abraço,
14 de dezembro de 2010 às 00:13Elaine Benítez
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