terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

PESADELOS FALANTES


Hoje é um daqueles dias que acordei com a alma carente. A escuridão da noite infinita quase me sufocou. Não fosse a melodia das maritacas lembrando-me adolescentes felizes, eu continuaria deitada. A fuga é dormir, procurar no mundo dos sonhos o pote de ouro no fim do arco-íris. Acordada, procuro no mundo dos homens o pote de esperança a cada dia.
Mas só encontro hipocrisia. Pessoas vivendo em mundos pessoais onde impera o egoísmo acima do bem-comum. Dentro de mim cai uma nevasca que congela sentidos e cobre a paisagem, ao me deparar com essas situações cada vez mais comuns.

A vida transforma-se em filme em preto e branco em que pessoas caminham em slow motion. Os pensamentos ecoam tão alto no vazio da desumanidade, que a dor dilacera meus versos. Apesar das lágrimas de neve, buscarei algo. Não sei o que, nem onde. Já passei da idade em que sufocamos as mágoas com compras inúteis. Será que se me aproximar da felicidade alheia serei contagiada, como por um sarampo inoportuno? Saio em busca de bom tempo. Meu refúgio são os livros, as pessoas de papel e letras.
Essas decepcionam na ficção, enquanto os de carne e osso o fazem nas pretensões, falsas modéstias e exageros de suas realizações. Entro em uma livraria e observo pessoas solitárias. Concentradas em livros, não estão tristes. Caminho pelas vielas cheias de desconhecidos. Sinto o frio londrino do ar condicionado. Percebo que o silêncio é diferente do silêncio em minha alma. Presto atenção e escuto crianças na área infantil. De repente, uma gargalhada depois de um eletrônico “múúú”. Fecho os olhos e sinto o calor de uma fogueira e cheiro de café quente. Crianças aquecem tudo, desde gélidos estabelecimentos até corações ebulindo de ódio. Sem perceber, procuro o porquê de crescermos e nos transformarmos em corruptos políticos, pessoas sem ética, educação ou condições de conviver em sociedade.
Bilhões de ilhas solitárias dentro de um globo terrestre que se torna cada dia mais árido, quente e insuportável.
Passeio entre os departamentos, como se estivesse viajando por terras antigas. Um índio, sentado em uma poltrona, gargalha com textos de Arnaldo Jabor. Em pé, a idosa marca um livro de Lygia Telles com líquida emoção. Decido escolher um livro de poesia. A dois não existe solidão nem desesperança. O livro, o companheiro, o amigo, aquece minhas mãos com imagens e acaricia meu coração com exemplos imortalizados de deuses de amor. A arte tem o poder de curar chagas e abrir janelas de onde pontes (e)levam-nos ao céu. Mesmo que por curtos períodos. Sobre o tapete mágico sobrevoo o vazio que amanheceu em mim. Vejo anjos chorando desesperadamente. São tantas lágrimas que inundam cidades, transbordam barreiras e afogam inocentes. O tapete desaparece e caio em minha cama, de onde nunca sai. Mesmo sonhar tornou-se objeto de desejo em um mundo onde os pesadelos são noticiados em todos os meios de comunicação e, infelizmente, vivem lado a lado conosco, discursando sobre sua falsa santidade, enquanto inocentes pagam por suas fantasias.



Simone Pedersen escreve para o Bar Contemporartes na última terça-feira de cada mês. Autora de diversos livros infantis, foi premiada em inúmeros concursos literários e publicou dois livros para o público adulto: Fragmentos & Estilhaços com prosa e verso e Colcha de retalhos com poemas.



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