segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Morre o poeta Antônio Sodré!

Parte "El Poeta de la Transmutación e de la Trancedencia!"
por Altair de Oliveira


Tristíssima, como é as vezes a vida, a nossa coluna retorna esta semana para noticiar a morte do poeta "Antônio Sodré", uma das grandes vozes da poesia contemporânea em Mato Grosso, que faleceu nas primeiras horas deste sábado (19/02/2011), deixando a lua cheia de sol em seu lugar. Segundo consta-nos, o poeta teria ido participar de um sarau de poesia na noite de sexta-feira (18/02) no bairro Cophema, em Cuiabá, e após declamar seus poemas ele sofrera um enfarto fortíssimo, tendo que ser resgatado pelo SAMU e encaminhado ao hospital, onde teria sofrido outros ataques que vieram a vitimá-lo nas primeiras horas do sábado.

Saía de cena, não dos corações daqueles que o conheceram, o "Poeta de la Transmutación e de la Trancedencia!", como ele mesmo gostava de se denominar, após ter militado na poesia independente por mais de 30 anos e ter deixado seus 2 livros de poemas "A Besta Poética" - 1984 e "Empório Diversos" de 2004 e ter participado de 2 CDs com o grupo litero-musical "Caxemir-Bouquê", do qual fazia parte. Foi a nós, da coluna "Poesia Comovida", que o poeta concedeu a sua última entrevista em junho do ano passado, onde falava-nos de si, de seu trabalho e de seus planos para o próximo livro "Lirismo à Flor da Pele", do qual na ocasião publicamos um poema inédito. Livro este que o poeta provavelmente não chegou a concluir. Confira: http://revistacontemporartes.blogspot.com/2010/06/o-poeta-matogrossense-antonio-sodre.html

Para nós, que conhecemos o poeta desde o início da década de 80, e que desde então nunca deixamos de visitá-lo na casa de sua mãe a cada vez que regressamos ao Mato Grosso, a querida dona Joaquina do bairro Pedregal, para trocar figurinhas de poesia ou para nos encaminharmos a saraus, bares ou mesmo à casa de nossa querida e genial amiga pintora Vitória Basáia e de seu filho e poeta Juliano Moreno, espaços onde a poesia sempre soube ser o prato principal, perder o poeta não é nada legal! Quando voltarmos à Cuiabá teremos mesmo que parodiar o Manoel Bandeira da ocasião da perda de Mário de Andrade e fingir que o poeta não está lá porque foi às cachoeiras da Chapada dos Guimarães ou algum outro recanto conhecido...

Era conhecido como Antônio, Antônio Sodré ou apenas Sodrezinho, em referência ao seu irmão mais novo, o grande pintor matogrossense Adir Sodré, que foi um dos incentivadores da poesia dele. Era poeta e livreiro, durante anos dirigiu um point de compra e venda de livros usados no campus da UFMT em Cuiabá, de onde tirava o seu sustento. Uma pessoa culta e simples, que encantava as pessoas com seus poemas curtos de forte musicalidade e que levava uma vida que contrariava os comuns: onde o carro da poesia aparecia sempre na frente dos bois.
Por enquanto ficamos com mais alguns versos do poeta Antônio Sodré, que escreveu pouco, nos deixou tão cedo e que, mesmo assim, soube deixar o mundo por onde passou com um pouco mais de poesia! Bravíssimo! Vá com as musas, meu bardo!



***

Poemas de Antônio Sodré II


***


Sei que nuvens escuras

Obscurecem o céu da minha
Poesia
Apesar do meu poema
Passar em brancas nuvens



***



ROSA FORTE

Quando a sombra da caneta
Resvala sobre a borda do papel.
Ativa o (ins) pirado ser que escreve
Impelido pela força do cordel
Abre o céu qual abismo d'água imenso
Verso denso de chuva poderosa
Cá na terra desabrocha esplendorosa
A rosa dos amores inquietos!


Essa rosa de que falo francamente
Desabrocha
Numa rocha
Que se fende!

Porém, todos que ao vê-la não entende
Essa força arretada que lhe atenede,
Partindo ao meio cristal tão poderoso,
Rosa rubra de beleza indescritível!



***

Eu não quero as réguas
Para traçar os meus caminhos
Eu prefiro as éguas
Num galopar torto y veloz!


***

abismumano

um abismo me separa
dos meus próprios semelhantes ...

mas se tento chegar mais perto deles
sinto estar mais longe
do que estava antes!

é que entro cada vez mais
para dentro de mim mesmo
numa viagem, que se afasta da chegada,
pois vou pra lugar nenhum
numa lenta caminhada ...

... que me diminui
não sou, pois nunca fui...

... apenas me desfaço
como uma estátua que rui! ...


Poemas de Antônio Sodré, In: "Empório Literário".


***

Uma pequena Homenagem

Desde que mudei-me de Cuiabá em 1987, sempre que regressava à cidade aportava no bairro pedregal, onde também morava o poeta Antônio Sodré, e constumeiramente ia vê-lo, assim que possível, para trocarmos figurinhas, para discutirmos o caminho das pedras da poesia, para ser mais preciso.

Nestas ocasiões, um ou outro sempre tinha um poema novo ou uma idéia de poema para mostrar e para constatar a opinião do outro. Este "bate-bola" era importante, porque além de amigos a gente se respeitava muito como poeta, ambos tínhamos dificuldades de escrever e também um certo senso-crítico que pode ir sendo melhorado com o passar do tempo e com as nossas novas leituras.

Dessas nossas discussões, vários poemas dele ou meu puderam ser amadurecidos ou simplesmente tiveram que ser sacrificados. Recordo-me especificamente de uma idéia de poema que ele tinha que me fascinara de imediato.A idéia d
e escrever um poema chamado "Fissíl", do qual ele tinha apenas 2 ou 3 versos que ele repetia-me durante anos com uma ou outra variação. A riqueza de assonância e aliteração destes versos tornava o poema difícil de ser composto e, ao mesmo tempo, me fissurava para que ele aprontasse logo o poema. Certa vez, brincando evidentemente, eu cheguei a ameaçá-lo:

- Se você não escrever logo este poema, eu irei escrevê-lo!

Parece que a brincadeira funcionou, porque pouco tempo depois ele me mostrou o poema, que ficou realmente muito bom. Fiquei sentindo uma alegriazinha boba de padrinho, como se ele de fato fosse me dar o poema para batizar. Por isto sempre tive um carinho especial por este poema.

No ano passado, quando fizemos a sua última entrevista, tivemos a oportunidade de ler este poema juntos uma vez mais, então eu tive a idéia de escrever a
lgo para homenágeá-los (o poema e o poeta), acabei compondo um outro poema, este. O texto que segue ( Passagens do Impossível) eu escrevi aos poucos, em sua homenagem e conclui só agora no final de janeiro. Tinha a intenção de mostrar ao poeta meados deste ano, quando pretendo ir à Cuiaba, mas o poeta não pode esperar... Por isto, amigos meus, gostaria de compartilhar estes poemas, aqui com vocês:



FÍSSIL


- I -

"tá" tudo tão "difácil"
"tá" tudo tão difícil
tudo seria mais fácil
se não fosse
assim tão físsil!

- II -

é tão cruel a espada,
é tão monstruoso o míssil
tudo seria mais fácil
se não fosse
assim tão físsil"

- III -

ó! doce manga dócil
ó duro osso fóssil!
tudo seria mais fácil
se não fosse
assim tão físsil!


Poema de
Antônio Sodré, In: "Empório Diverso".

***

Passagens do Impossível


(Para Antônio Sodré, in memoriam.)

Se o escombro do assombro fosse um verso
E o universo, em meu ombro, um benifício
Se o acesso da festa fosse físsil
e o difícil se fizesse fácil...


Se a moça do sonho fosse tátil
e, de fato, florisse aos meus tratos
Se a flor que me desse me sorrisse
e, na flor do seu viço, me afagasse.


Se o desejo alcançado me bastasse
e a dor, que me mora, desistisse
Se a morte, na hora, se matasse
E, na última cartada, eu conseguisse...


Eu não seria de esmar, de errar tanto
Nem teria este ar de degolado
Ficaria alegrado no meu canto
Com o meu canto de alento, de legado.



Poema de Altair de Oliveira, In: "As Provisões Provisórias".

***

Para ler mais sobre o poeta Antônio Sodré:

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/mato_grosso/antonio_sodre.html
http://www.midianews.com.br/?pg=noticias&cat=3&idnot=42694
http://www.dihitt.com.br/barra/agora-estamos-sem-antonio-sodre-um-poeta-na-estrada-suspensa-no-ar
http://paginadoenock.com.br/home/post/8128
http://www.dihitt.com.br/barra/domingo-literario-antonio-sodre--o-poeta-da-transmutacao


***


Ilustrações:
1- foto do poeta Antônio Sodré declamando 2- "Dom Quixote", do pintor matogrossense Adir Sodré; 3- "Sexo Todo Mundo Vê!" da pintora matogrossense Vitória Basáia.



Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.

5 comentários:

Joana disse...

Escrevo para você Sodrezinho:
E o linho tece fiando o fio das horas e você fugiu daqueles que preferem beijos com gosto de morangos, insistindo em permanecer na quadratura dos quadrados da hipotenusa, dos que fazem cálculos da idade compromissada com o dogmatismo dos valores, fazem o gênero sério perdido no labirinto de seu materialismo, das verdades cartesianas, Do meu período de vivência em Cuiabá você me lembra os momentos juntos com o Altair quando o debate de idéias borbulhava deixando estabelecido um nó nietzscheniano com a leveza da vivida vida na poesia de Mário Quintana. Ah, as mil trocas filosóficas, da norma de Weber à fenomenologia o esquema perfeito para disfarçar a sabedoria da carne a linguagem do corpo que tudo sente, pressente nunca mente...até que nao tendo jeito por aqui você capitulou. Sua vida continua purpurina DESEJO que você tenha atravessado o Rubicão como o grande César a cada dia a sorte é lançada “Ale jact est”... Até a eternidade... (Joana Prado Medeiros)

21 de fevereiro de 2011 às 18:27
liza sousa disse...

" num dia a gente ri,noutro dia a gente chora, é triste demais quando alguém vai embora".(zé geraldo)
belo post moço.
percebe se a emoção contida em sua palavras.
beijos meu,
liza

21 de fevereiro de 2011 às 20:03
Altair de Oliveira disse...

Há um vídeo "Ensaio da Vida Real", de Rafael Monteiro, sobre o poeta, onde ele fala um pouco sobre si mesmo, para quem quiser conferir: http://www.youtube.com/watch?v=-734F715Nw0&feature=youtube_gdata
Ouvi-lo, de certa forma, ameniza um pouco a saudade!

21 de fevereiro de 2011 às 21:50
Rosi Rodriques disse...

Lá se vai mais um poeta
No céu poetar
Agora ele é uma estrela
Na constelação dos astros
Que brilham eternamente

Rosi Rodrigues


P.S. Parabéns Altair, tanto pelo release quanto pela poesia inédita. Triste e lindo como deve ser o adeus a um poeta de verdade

23 de fevereiro de 2011 às 16:48
Sandra Barbosa disse...

Altair, linda sua homenagem ao poeta antonio Sodré... Fiquei feliz por ter o previlégio de conhcer o sofré, de ser sua amiga..mesmo por tão pouco tempo... Mas foi uma amizade legal... Onde trocamos muitas confidências... Falamos de nossas dores... E as suas palavras me faziam bem, levantavam meu astral.Que os anjos do céu o embalem, e recebam os versos desde poeta que foi morar no céu.

E você Altair... saiba o quanto sou feliz por ter o previlégio de contar com a sua amizade. você sabe o quanto gosto de você... O quanto adoro seus versos. Sempre será o meu poeta preferido... montãoooo de beijos com carinho pra ti.

28 de fevereiro de 2011 às 11:18

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