sexta-feira, 4 de março de 2011

Bom conselho (?)


Bom conselho (?)
(A partir de “A alma imoral”, de Nilton Bonder)

As posturas reacionárias são as que afirmam que, para cada situação e momento, há um “bom e correto” absoluto. As posturas revolucionárias, por sua vez, afirmam que “bom” e “correto” são inconciliáveis. Em posturas menos radicais, reconhece-se que a arte de viver é compreender quando o “bom e correto aos olhos da moral” é mais “bom” do que “correto”, ou mais “correto” do que “bom”. Duas coisas ficam comprometidas pela ausência de transgressão: a qualidade de vida e a possibilidade de continuidade.
A transgressão das próprias convicções é o maior desafio lançado ao ser humano que deseja evoluir, pois ele terá de sair de sua cômoda posição para a luta, que é um processo instável em busca de um novo equilíbrio. Trair a nós mesmos e nos surpreendermos conosco é algo de grande força.

Na trajetória da sobrevivência – e também da nossa profissão - , a “mesmice” muitas vezes é o caminho curto, o mais simples, e, também, o que tem os custos mais elevados, é o curto caminho longo. Ir pelo caminho mais simples e mais curto é uma lei evolucionista, o ser humano tende a se mover na direção mais imediata e curta. Porém as chances de sobrevivência dos que percorrem este caminho são bem menores, normalmente são sobreviventes aqueles que optam pelo longo caminho curto.

As encruzilhadas que a vida nos traz são de grande importância, elas são mais que meras opções de acesso pelo longo caminho curto ou pelo curto caminho longo, são opções de sobrevivência, onde o curto caminho longo pode não levar a lugar algum.
Viver exige sacrifícios, mas devemos ter cuidado para não nos sacrificarmos ao nada. Não podemos temer o que os outros irão pensar. Não devemos temer nossa própria auto-imagem, pois esta, tal como nossa moral, é um instrumento do corpo que não aceita se ver em “outro” corpo. A vida saberá nos julgar não apenas pelas “perversidades” que acreditamos poder evitar, mas também pelas “tolices” que nos permitimos.

Aquele que não faz uso de todo o potencial de sua vida, de alguma maneira diminui o potencial de todos os demais. Se fôssemos todos mais corajosos e temêssemos menos a possibilidade de sermos perversos, este seria um mundo de menos interdições desnecessárias e de melhor qualidade.
Construir algo é saber destruí-lo a seu tempo. Somente no dia em que a traição não ferir o traído ou a tradição, mas despertar ambos para novas possibilidades que se descortinam através dela surgirá um mundo muito além da tolerância – um mundo de apreciação.

Como eu estou fazendo aqui com vocês, dividido, tensionado entre essas duas forças antagônicas, entre meu corpo e minh’alma querendo surpreender-me. Porque só surpreendendo-me posso (co)mover o outro.


Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.

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