segunda-feira, 7 de março de 2011

Do Novo Livro de Alexandre Bonafim

Novos Poemas de ALEXANDRE BONAFIM
por Altair de Oliveira.

O poeta que disse que "o Brasil é um arquipélago de poetas", o mineiro Alexandre Bonafim, estará em breve lançando o seu novo livro de poemas "Celebração das Marés", do qual a coluna Poesia Comovida traz 3 poemas para o deleite dos nossos leitores que apreciam a chamada boa poesia.

Além de um rosto bonito e de um sorriso bom-mocista, Alexandre Bonafim é um poeta de primeira grandeza, intenso e sério em seu trato com a arte das palavras e é considerado um dos melhores expoentes da poesia que está sendo feita hoje no Brasil. Penso que esta merecida relevância do poeta é devido ao fato de seus escritos, ao contrário da maioria de textos que são produzidos nos laboratórios de letras e certificados nos conselhos universitários, conseguem extravasar os limites técnicos e cultos dos círculos universitários e ir atingir direto os corações das pessoas. A poesia de Bonafim é viva e comove, como bem deve ser toda a arte.

Em vez de começar a tecer comentários sobre um ou outro aspecto importante dos poemas do Alexandre, eu prefiro dizer que a impressão que me deram é que eles são auto-explicativos e tratam da vida do navegante solitário, pois solitário é uma condição do exercício literário, e dos assombros e dificuldades de continuar navegando a poesia hoje em dia. Todo homem é uma ilha, mas todo poeta é homem. Um poeta que se preza se atira às ondas e celebra todos os dias o seu não-naufragar. Então estes poemas de "Celebrações da Marés" alegremente me lembraram um barco bêbado que uma vez um poeta adolescente francês atirou arriscadamente às ondas em busca de "Flóridas floridas". Tenho certeza que também nossos leitores terão nestes poemas o que celebrar! Uma alegre semana para todos vocês e uma deliciosa leitura.





SOBRE O POETA ALEXANDRE BONAFIM:

Poeta, ficcionista, ensaísta e professor de literatura, Alexandre Bonafim nasceu em Belo Horizonte Em 1976, faz especialização em Literatura Portuguesa pela USP, atualmente mora em Franca-SP e é professor de literatura em Araraquara-SP. Entre outros, Bonafim escreveu os seguinte livros: "Biografia do Deserto" - 2006, "A outra Margem do Tempo" - 2008, Sob o Silêncio do Anjo - 2009, "Sagração das Despedidas" -2009, "Arqueologia dos Acasos - 2010 e "O Olhar de Perséfone" - 2010. Os poemas apresentados aqui pertencem ao seu novo livro "Consagração das Marés".



O QUE JÁ DISSERAM DELE:

"Nos poemas de Alexandre Bonafim encontro a evocação da alteridade teofânica do mundo, alteridade mediada por uma intensa interioridade, num movimento oceânico que parte do exterior até explodir suavemente como uma gota de orvalho depois do pensamento. O duplo olhar que contempla o vívido como uma mão que desenha o mapa para o mundo da alma, onde as palavras foram embebidas nesse ouro possível do silêncio e os poemas são seres e lugares sem fronteiras entre um e outro. Aqui um quadro de Franz Marc é tão vivo e mitológico quanto uma pedinte, um cão é tão sobrenatural quanto um unicórnio, O Võo das garças é ininteligível e sagrado como um eclipse e a presença da música de Chet Baker é similar à presença sonhada de um filme de Kieslowski. Longe de querer fazer uma apreciação técnica dos poemas e nem sei se teria capacidade para tanto...O que me interessa é afirmar o quanto a leitura dos poemas do Alexandre melhora os meus." Marcelo Ariel - poeta.


O QUE ELE DISSE DE SI MESMO:

"Tenho um rosto e um riso e por isso sou aquele que é feito de angústias, medos e alegrias súbitas. Sou aquele que quer da vida sempre a aventura máxima, o riso iluminado, a lágrima silenciosa. Sou aquele que respira no corpo dos amigos e carrego o coração em todos os poros, o que anda sempre perdido em todas as esquinas e todas as avenidas. Enfim, amo a vida, ou melhor, a poesia, pois ambas são a mesma verdade." - Alexandre Bonafim, em seu blog.


O QUE ELE DISSE SOBRE A POESIA:


"Eu precisei ler um importante livro do Rudolf Otto, intitulado O sagrado, para descobrir que a poesia nasce do “Tremendum”, ou seja, nasce de um sentimento visceral, feito corte de relâmpago a vergastar nossos sentidos, presença enfim do sagrado terrível. Eu sinto que a poesia insurge desse fascínio, dessa força motriz da vida, incompreensível, mas belíssima. O lirismo é um mergulho na noite do silêncio, essa noite de onde irrompemos e para onde seremos levados pela morte. Rilke, poeta imprescindível para mim, escreveu suas famosas Elegias de Duíno a partir de um chamado transcendente. Eu procuro essa voz escondia nos resquícios do cotidiano, nos pormenores da vida. Essa é a grande aventura da escrita: estar sempre a mercê de um arroubo, de um estertor pulsante." - Alexandre Bonafim, em entrevista concedida à escritora e jornalista Kátia Borges.




OS NOVOS POEMAS




CELEBRAÇÃO DAS MARÉS

- I -

Um risco de veleiros em fuga
sempre foi o teu nome.
Arquipélagos de incandescentes pássaros
os teus olhos. Os frutos do sal,
a íris do sol na filigrana das águas,
os cardumes do outono, clamam em teus pulsos
a presença de um fogo vivo,
cicatriz de um oceano em fúria.




Sempre foi o teu nome as marés.
Em cada palavra do teu ser,
navegam barcos de pólen,
peixes de constelações ardentes.
Em cada silêncio dos teus gestos,
nasce o azul dos cavalos marinhos,
movimento dos remos singrando o mistério.



O teu nome sempre foi os promontórios,
as ilhas desvairadas pelo verão.
Sobre tua nudez repousam
a brancura das velas infladas,
a plena luminosidade do meio-dia.



Em teu destino os corais tramaram
a encantação das estrelas marinhas,
a memória dos búzios.
Essa é a convocação das marés:
fazer do teu rosto o destino das ondas,
a areia desfeita nas orlas.



No teu nome o sono das crianças
apascentou a cólera dos naufrágios.


- II -


“Longe o marinheiro tem
Uma serena praia de mãos puras”

Sophia de Mello Breyner Andresen



Do cerne dos oceanos, do fecundo ventre da noite,
nasce seu peito tatuado pela força das âncoras,
pela fúria dos cavalos marinhos.
Sua pátria sempre foi os relâmpagos,
o sal, o trêmulo pergaminho dos vendavais.


Há milênios ele se perdeu de toda terra.
Há séculos seu andar tem a leveza das quilhas sobre as ondas,
das velas despidas pelo sal.
Por isso seu destino sempre se quebrou contra as marés,
contra a amplidão das águas sem nome.
Por isso seu barco sempre se partiu contra o infinito,
contra o nascimento do mundo.


O marinheiro mora em antigas tempestades.
De tanto queimar o rosto nas ondas,
seus olhos vestiram o êxtase dos cardumes cegos,
dos corais inundados de luz.


De longe, de muito longe ele vem...


Uma cicatriz corta-lhe o rosto:
relâmpago, ninho de enguias.
Uma cicatriz corta-lha a vida,
o coração, o seu destino inteiro:
faca de fina luz a singrar
os sonhos, a inocência.


Desertos sedentos, sequidão de ossos
ardem seu cerne, corroem seus desejos.
Por isso a errância é sua campa, seu jazigo.
Por isso lugar nenhum é seu túmulo.


A vida espoca em suas vísceras,
com a lucidez do ácidos agudos,
A vida é-lhe a urgência do salto,
do grito das águas, do urro das ondas.


De longe, de muito longe ele vem...


Ele tem o braço quebrado pelas chuvas,
a boca cinzelada pelas maresias.
Todo o oceano adormece em suas pálpebras.
Todas as procelas pousam em seus pulsos.
Ele tem o dom das luas cheias,
o estigma das constelações desnudas.


Do fecundo ventre dos oceanos, do cerne da noite,
nasce seu sêmen fustigado pela violência dos astros,
pela febre das estrelas marinhas.
Nos seus flancos veleiros ardem os pontos cardeais,
a embriaguez das gaivotas consumidas pelo azul.


De longe, de muito longe ele vem...


Dentro de seus olhos, no íntimo secreto do seu medo,
nadam medusas, tubarões cegos.
Dentro de seu assombro bóiam corsários afogados,
sereias decepadas, cordilheiras iluminadas.
Por isso sua pele sempre se desnuda nos nascimentos,
nas celebrações súbitas.
Por isso seu corpo sempre se nomeia no orgasmo das rebentações,
na ardências das águas vivas.


O marinheiro mora na ruína dos ventos.
De tanto rasgar as ilusões no sal,
todo o seu existir vestiu o esplendor do Atlântico,
a fúria mórbida do Pacífico.


De longe, de muito longe ele vem...


Seu barco sempre foi o silêncio dos búzios,
as algas, a solidão das ilhas esquecidas.
As fatalidades navegam em seus ombros.
Os desastres apunhalam seu nome.
Toda a sua luta sempre foi fitar a morte de frente,
como quem acalanta um criança jamais nascida.


De longe, de muito longe ele vem...


- III -


Do poema nada nos resta
a não ser essa viagem
rumo aos mares,
esse gosto de naufrágio
ao findar das paixões,
esse astrolábio partido.


A leitura do poema,
peixe cego, barco amputado,
nada nos ensina,
em nada modifica
a força das marés.


Rastro de espuma
na pele dos acasos,
o poema finca suas âncoras
no sal, na eternidade,
onde nossas ausências
ardem o grito dos corais.


O poema é nudez precária,
procela sem ventos, sem nuvens.
Quando nele adormecemos,
acordamos com os ossos fraturados,
vergastados pelas maresias.


O poema é tão inútil
quanto o mar ao fim da tarde.


Por isso seu esplendor é límpido
como a beleza da morte.




Alexandre Bonafim, de seu novo livro "Celebração das Marés."


***

PARA VER MAIS:

O Blog do poeta Alexandre Bonafim: http://arquipelagodosilencio.blogspot.com/

Poemas no site do poeta Antônio Miranda: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/minas_gerais/alexandre_bonafim.html


***


Ilustrações:
1- foto do poeta Alexandre Bonafim 2- Capa do livro "O Olhar de Perséfone", desenho de Kátia Spagnol; 3- Foto de onda do mar; 4- Capa do livro "Biografia do Deserto".



Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.

1 comentários:

Leonora disse...

Quer dizer, Altair, que “um poeta que se preza se atira às ondas e celebra todos os dias o seu não-naufragar” só pra ficar produzindo poemas, algo “tão inútil quanto o mar ao fim da tarde”, Bonafim? Então, por favor, continuem teimando em produzir essas inutilidades!!!

Um abraço para os dois poetas, você Altair, que há muito já admiro e para o Bonafim que acabei de conhecer e de admirar!

7 de março de 2011 às 23:45

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