sábado, 12 de março de 2011

Lembranças de Itabira


.



Carlos Drummond de Andrade é mineiro do interior, nascido na cidade de Itabira a 31 de outubro de 1902. Esta cidade permeou parte da obra deste grande poeta, uma vez que ela, as lembranças que suscita se fazem presentes em inúmeros poemas. Alguns poemas que retratam a saudade ou mesmo a exaltação da terra, lugar de origem, que o indivíduo deixa para estudar, conseguem fazer com que vislumbremos o que Drummond sentiu. Apresentaremos a seguir dois poemas que retratam o que foi exposto até então:


Infância
1960 - ANTOLOGIA POÉTICA


Infância
A Abgar Renault

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
Lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acabava mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robson Crusoé.

O poema “Infância” retrata momentos, imagens que marcaram Drummond, como o pai a cavalgar pelos campos, a mãe cosendo, o irmão a dormir, o café bom, gostoso, como a preta velha, as mangueiras e o livro comprido de Robson Crusoé. Um dos momentos marcantes deste poema é o final, no qual é revelado que a história do poeta era mais bonita que a do livro, com o qual se deliciava. Tal passagem traz à tona a imagem do escritor que revisita seu passado e consegue reconhecer nele toda a beleza do viver, da inocência e do amor que circundava aquele simples momento descrito. O poeta reconhece que ,no momento em que vivia a cena em questão, não sabia ou sequer conseguia reconhecer que sua história sobrepujava à de Robson Crusoé.

Interessante notar que o sujeito amadurecido volta os olhos ao passado e através do poema retorna aos momentos decorridos para ver e reconhecer neles passagens que marcaram sua vida, que influenciaram no seu desenvolvimento e que, mesmo que descritos, vivem dentro de si enquanto poesia intransponível, indescritível.

O outro poema que escolhi para ilustrar as lembranças de Carlos Drummond de Andrade é “Cidadezinha qualquer”:

CIDADEZINHA QUALQUER
1967 - JOSÉ & OUTROS

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar ... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

Iniciemos as observações acerca desta composição poética pelo título “Cidadezinha qualquer”. Cidadezinha é uma palavra que remete carinhosamente a uma pequena cidade que deixou fortes, marcantes e inesquecíveis lembranças, por outro lado o que a qualifica é o vocábulo “Qualquer”, que pode ser pejorativo, remetendo-a a ideia de falta de importância ou, por outro lado, evocando-a como mais uma das cidadezinhas que marcam a vida dos homens, com suas pessoas, com seu ritmo “devagar”. A cidadezinha descrita, assim como outras cidadezinhas, possui casas entre bananeiras, mulheres que amam e cantam entre as laranjeiras. Há também homens, cachorros, burros, todos com o ritmo preponderante que é o ser devagar, este ritmo que se espalha e chega até as janelas, nas quais devagar as pessoas podem se debruçar e olhar a rua. A conclusão do poema é espetacular, “Eta vida besta, meu Deus”, que me remete a um certo desabafo do poeta em relação à monotonia da cidade, bem como à tranqüilidade que por ela corre.

Em relação à estética utilizada na confecção dos poemas, devemos ressaltar que Drummond assimilou à sua poesia muitos dos elementos estabelecidos pelo Modernismo, com destaque para o verso livre, a liberdade lingüística, o metro livre e o retrato do cotidiano.



Há um site que pode ajudar àqueles que desejam aprender um pouco mais sobre Carlos Drummond de Andrade, apresentando informações biográficas do autor, informações acerca dos livros que ele lançou, além de fotos, vídeos, poemas entre outros. Os leitores que se interessaram devem acessar tal site aqui.






Rodrigo C. M. Machado é Mestrando em Letras pela Universidade Federal de Viçosa.

0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.