sexta-feira, 11 de março de 2011

Vagas estrelas da Ursa, o improvável.


Luchino Visconti, o conde marxista

Sinto-me plena quando assisto um filme de Luchino Visconti. É como ver uma ópera que nos enche os olhos, os ouvidos e a alma de esplendor. Este conde vermelho, como Luchino era chamado por conta de sua ligação ao marxismo,  jamais esqueceu do extremo requinte na construção  do universo metódico, literário e cinematográfico de seus filmes e seus personagens. Da sua gênese cinematográfica, nascida no neorealismo com filmes maravilhosos como Obsessão, 1943 e A terra Treme, 1948, seguiu dirigindo filmes, óperas e peças teatrais sempre como primorosas obras de arte. 
A Terra Treme, pescadores sicilianos
Amante da beleza, seus personagens eram como deuses gregos do Olimpo e seus cenários e figurinos meticulosamente carregados de lirismos. Sua mise en scène era calculada como num jogo de xadrez, cada lugar, cada personagem e cenários pensados e ensaiados para acertar e dar o xeque mate. A direção de Luchino penetrava no universo do ator, do personagem, para fazê-los corpo maleável das emoções, consagradas pelos gestos e olhares. Cada olhar, cada gesto estudado. É sempre bom assistir aos filmes de Luchino.
Claudia Cardinale em Vagas estrelas da ursa
Esta semana vivenciei esse prazer ao assistir Vagas estrelas da Ursa, um filme de 1965 que venceu O Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza. Ótima atuação de Claudia Cardinale, na personagem Sandra, sensual, misteriosa e enigmática. Entoada pela música de Cesar Frank, Luchino toca novamente em assuntos como a decadência, a degradação e a memória. A tragédia atrai Luchino. 
Burt Lancaster, o professor em Violência e paixão
Em Violência e Paixão, 1974, seu penúltimo filme, Luchino conta a história de um professor aposentado, interpretado por Burt Lancaster, que vive em Roma e passa seu tempo avaliando quadros antigos. Seus livros e quadros são de uma extrema morbidez, mas para ele são como membros da família. No entanto, esses objetos não falam, não ouvem e não questionam. Convivência um tanto unilateral. O ponto de virada acontece quando o professor aluga o apartamento de cima para uma estranha família e, por conta disso, sua vida é invadida por um mundo tumultuado que o faz refletir a respeito da amizade, do amor e da solidão.
A personagem Sandra e seu irmão Gianni em Vagas estrelas da Ursa

Já em Vagas estrelas da ursa, baseado nos versos iniciais de um poema de Giacomo Leopardi, Luchino enfrenta a temática familiar para nos promover uma viagem às paixões e às  dores de dois irmãos, Sandra e Gianni. A descoberta do amor na adolescência, sua pureza é rodeada por questões morais, decisivas e nefastas que corrompem a alma dos personagens.  
Quanto do passado pode nos assombrar e interferir no presente? Como conviver com sentimentos que surgem da inocência do ato de amar, do carinho e da amizade, mas que são condenados pelo convivio moral? Os ventos fortes de Volterra, cidade natal de Sandra e Gianni, podem carregar as carícias e as pequenas malícias de dois seres? 
Mas Sandra volta a Volterra acompanhada de seu marido Andrew para participar de uma homenagem ao seu falecido pai; porém, ao retornar, dá espaço para o passado que os espreitam no lugar da memória. O lugar guarda a carga do passado e Sandra, Gianni e Andrew estão a mercê desse outro tempo. Ao assistir ao filme Leandro Daniel publicou em seu blog uma poesia que achei oportuno publicar.  Aqui vai a contribuição desse assíduo leitor da Contemporartes: 


O improvável

Vagas estrelas da ursa
extensas memórias elefantes

ultrapassar os segredos incubados
grafados em sangue e odor
pode ser incompreensível
um fim de linha
dos antigos que viam no horizonte infinito dos mares
o abismo
uma garganta de trevas a engolir os loucos navegantes

temor
do amor diferente
da brincadeira infantil
solidificada em horror
em moral
reme nas águas frias das lembranças
doces, com tão alto teor de sacarose
que pode cariar a razão
despedaçar a idéia de si

incompreensão
incompleto ser
por natureza

“Ficar dentro da coisa é a loucura”
Frase de A Paixão segundo G.H., Clarice Lispector

Leandro Daniel Santos Carvalho

Assistam aos filmes de Luchino Visconti e vivam a plenitude do cinema!
Bons Filmes!!!

Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.

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