sexta-feira, 13 de maio de 2011

Chico Buarque: Teatro e Intertextualidade


Essa semana dei uma aula sobre o teatro e Chico Buarque e acabei com vontade de partilhar com vocês alguma impressões básicas, sobretudo para quem só conhece suas belas canções. Na verdade, ele introduz-se no mundo da cena em 1966, quando é convidado pela direção do TUCA (Teatro da Universidade Católica) para musicar a peça Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto, que começara a ser ensaiada. Ele não compôs uma música que servisse de “fundo musical” para o texto, utilizou a forte musicalidade que o poema já carregava e ressaltou-a. Essa foi sua primeira incursão pelo universo teatral.

Roda- Viva (1968) é a primeira experiência do cantor como dramaturgo. Antes da peça, Chico era tido como “o bom moço”, aclamado pela crítica, idealizado pelo público, adorado pelas mulheres; ele tornou-se um mito, foi considerado a “unanimidade nacional”- expressão cunhada pelo humorista Millôr Fernandes. Mas essa unanimidade em torno de sua figura começara a se desfazer. Em 1968, é levada ao palco Roda-Viva, sob a direção de José Celso Martinez Correa, cujo tema é, exatamente, a desmistificação do ídolo popular e a denúncia das engrenagens do “showbiz”. Enfoca a vida, a paixão e a morte de um ídolo da música, bem como a necessidade de a indústria fonográfica substituí-lo, para não cansar a massa de consumidores.


Porém, como afirma o crítico Macksen, ela trazia à tona um Chico antilírico, chocante, destruindo a imagem muito consumível do bom rapaz: “ [...] (a peça) mereceu de José Celso tratamento arrasador. O ídolo descartável era servido de bandeja à platéia do Teatro Princesa Isabel, onde Roda-Viva estreou, como um pedaço de fígado, espalhando sangue e repulsa nos espectadores do lírico, vencedor dos festivais de música.
Já vimos que a temática da peça devia-se as questões da emersão do músico popular e de sua inserção no contexto da indústria cultural, que crescia com o advento da tv, além de outros produtos culturais. Como nos diz Diógenes André Vieira Maciel, Chico, em Roda-Viva fala de sua própria imagem, enquanto artista popular “vendido” como “bom menino”:

A sua segunda produção teatral, Calabar - O Elogio da Traição, escrita em parceria com Ruy Guerra em 1973 também se tornou alvo da censura e da peleja de Chico com a ditadura militar. No entanto, sua postura crítica não houvera sido extinta, pelo contrário, ela se consolidou com as peças seguintes, as quais Calabar encabeça. Ela havia passado pela censura, mas a sua encenação não ocorreu à época, o espetáculo não foi liberado, o que fez os produtores falirem.


Essa peça é uma sátira musical, que funciona como uma alegoria histórica, passada na época das Invasões Holandesas no Brasil do séc. XVII. Ela aborda a questão da lealdade e da traição, numa clara referência a conjuntura política do momento em que fora escrita, a ditadura militar instituída em 1964, que trouxe vários obstáculos à montagem da peça.

Nessa obra, encontramos uma reconsideração do papel da personagem histórica, o mulato Domingos Fernandes Calabar, estigmatizado como o traidor, por excelência, da pátria, na história nacional. Dentro dessa perspectiva, há uma relativização dessa figura histórica. Será que Calabar foi mesmo o traidor do Brasil? Já havia a idéia de nação aquela época? Quem merece ser lembrado pala História? Quais os critérios para se classificar alguém como traidor? E quem são, de fato, os heróis ou vilões?

Chico nos aponta uma tentativa de rever os fatos com olhos não colonizados, de maneira independente, livre da ótica de Portugal, que, por ter saído vencedor da guerra, foi quem orientou a interpretação histórica dos fatos.

Em 1975, dois anos depois de Calabar, Chico Buarque e Paulo Pontes “trazem” a tragédia grega Medéia de Eurípedes, do séc. V a.C. para um contexto brasileiro, carioca, um conjunto habitacional proletário do Rio de Janeiro da década de 1970: é a paga Gota d’água. Os autores se basearam numa adaptação de Medéia para a teledramaturgia feita de Oduvaldo Viana Filho, O Caso Especial Medeia, de 1972. Como nos afirma Diógenes Maciel, o texto da Vianinha escrito para a rede globo “acabou sendo a base para a concepção de Gota d’água, que, na realidade, desenvolve os planos do próprio Vianinha”.

Joana, a Medéia brasileira, é abandonada por seu amante Jasão, um compositor popular, mais novo que ela, e com quem tem dois filhos. Este vai casar-se com a filha (Alma) do proprietário das casas do conjunto residencial, Creonte.

Conforme os próprios autores há, na peça, a preocupação cultural com a identidade nacional, na medida em que põe o povo brasileiro no centro das questões. Dentro dessa perspectiva, Chico desenvolve um teatro relacionado ao ideário do chamado “nacional-popular”. Diógenes André Vieira Maciel, em seu livro Ensaios do Nacional Popular no Teatro Brasileiro, discute essa questão no teatro, baseando-se nas idéias de “intelectual-orgânico” e “sociedade civil”, constantes da obra Literatura e Vida Social do filósofo italiano Antônio Gramsci.


Para Diógenes, Eles não usam black-tie “inicia uma produção sistemática de textos escritos por dramaturgos reunidos em torno de um projeto que visa à representação da realidade nacional a partir da perspectiva das classes subalternas. O nacional-popular está “em textos dispostos a representar as classes subalternas, com ênfase para a representação do proletariado citadino”.

A produção teatral de Chico Buarque é marcada por intertextualidades. O próprio crítico Macksen escreveu um artigo, publicado no Jornal do Brasil, sobre seu teatro “marcado por adaptações”. Suas peças teatrais são criadas com um cunho intertextual. Segundo Sant’anna, Roda-Viva possui uma estrutura semelhante às narrativas da literatura de cordel. Calabar, o elogio da traição trata de uma personagem da história do Brasil, Gota d’água é uma adaptação da tragédia grega Medéia e a Ópera do Malandro baseou-se na Ópera do Mendigo e na Ópera dos três vinténs.

O que nos faz concluir que suas peças, especialmente, Calabar, Gota d’água e a Ópera mantém em comum, além da intertextualidade, uma expressão crítica, que estimula no público uma reflexão sobre a sociedade em que vivemos. Outro fator importante, de consonância em toda a sua dramaturgia, é a popularização das canções que permeiam as obras, tais como Roda-Viva, Tatuagem, Tanto Mar, Gota d’água, Geni e o Zepelin, Folhetim, O Meu Amor, etc, que viraram sucessos nacionais e foram grandes expressões da poesia de Chico Buarque.

Não falei sobre Ópera do malandro hoje, mas ainda vou falar.




Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.


1 comentários:

Ana Dietrich disse...

adorei conhecer o chico transgressor, de bom moço a subversivo, pelas suas palavras. quero saber sobre ópera do malandro, vc. me deixou com gostinho de quero mais! abraços querido djalma buarquiano

26 de maio de 2011 às 17:22

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