VOCÊ COMERIA BARATAS?
Não estranhe o assunto dessa crônica. Ela já deu a volta ao mundo, sendo lida até em Iceland. Agora, leia apenas se tiver coragem...
O mineiro Luiz Otávio P. Gonçalves, criador da cerveja Kaiser e da água de coco Kero Coco tem um novo empreendimento, a Nutrinsecta, que se trata de uma produtora de insetos. Em março, a empresa deu um passo inédito no Brasil – pediu ao governo de MG, ao Ministério da Agricultura e ao IBAMA a certificação de que seus insetos podem ser consumidos por seres humanos. A decisão deve sair agora em junho. A produção de insetos para ração continuará como negócio principal da empresa. “Eu não seria capaz de comer uma barata, mas já experimentei larvas de besouro fritas e achei gostoso”, afirma Gonçalves. Quanto a levar baratas à mesa, ele concorda que haja uma “barreira cultural” no Brasil.
Eu prefiro uma fruta. Sem bichos já que sofro de entomofobia. Sei que um inseto não pode me atacar ou devorar como um leão, mas a presença de uma barata pode me causar um ataque de pânico. Nunca gostei de acampar por ter medo dos insetos. Também nunca viajei até o Amazonas. Pescar, então, nem em sonho. Só de pensar nos mosquitos me picando, fico com as mãos suadas. Sempre fui assim. Quando criança, fui a uma fazenda pela primeira vez aos seis anos. Sou cria de cidade; São Caetano não é exatamente uma cidade grande, mas chácaras e sítios eram lugares que eu só conhecia por livros. Nessa fazenda, nós nos hospedamos em uma casa que não tinha telas nas janelas nem nas portas. Eu sonhava com esse tipo de proteção dormindo e acordada. Havia ainda uma casa abandonada, porque a construção estava condenada, e ali os morcegos fizeram uma vila. Minha prima gostava de passar pela casa e observar os morcegos. Eu simplesmente não entrava. Para mim, morcego era um inseto gigante e pendurado de cabeça para baixo. Completando minha tortura, havia uma criação de bichos da seda. Para minha mãe e meu irmão, foram férias maravilhosas, com muito calor, ar fresco, cavalos e frutas. Mas eu só me lembro dos insetos.
Desde então sempre gostei de ficar em bons hotéis. Não preciso de luxo. Mas também não gosto de nada muito simples. Tem que ter ar-condicionado para não precisar abrir as janelas. Nunca se sabe se o preço baixo da diária foi economizado no dedetizador. Já aconteceu de eu chegar a uma casa na praia alugada e ouvir a barata. Barata faz um tiqui-tiqui com as antenas que eu escuto de longe. Acendi a luz para vê-la na parede. Havia um ninho dentro do sofá da sala. Eu não consegui dormir a noite toda. Fui embora pela manhã depois de providenciar um assassinato em massa rápido e indolor. Sim, nessas horas eu esqueço todos os meus princípios; é pena de morte sem julgamento. Pegar as coitadas e soltar no jardim de jeito nenhum! Nunca mais aluguei casas.
Como atraímos o que odiamos, um dia pedi comida chinesa, e ela veio premiada com uma baratinha. O dono do restaurante me ofereceu uma nova remessa de graça. Eu joguei o telefone na parede.
Sei que tem gente que come insetos e Cia. – escorpiões, gafanhotos e até baratas. Outro dia vi, aqui na frente de casa, em Vinhedo, atravessando a rua calmamente, uma barata gigantesca, diferente, cheia de anéis e pouco arredondada. Procurei na internet e encontrei a resposta: trata-se da barata de Madagascar (primeira foto, na mão de uma pessoa), que se alimenta de folhas e frutas e vive em florestas. Tem mesmo um bosque na frente de casa. Minha filha de nove anos tomou a iniciativa e pisou nela, rindo da minha cara, com a maior naturalidade, enquanto eu suava frio, me apoiava no poste e rezava. Essa espécie é a que criam em viveiros para servir de alimento. Ou criam como animais de estimação. Sim, animais de estimação. O tamanho delas chega a ser da palma da mão de um adulto em alguns países. São imensas! Pelo menos, não voam. Uma barata voadora é capaz de me deixar sem dormir por noites. Nunca se sabe onde está a companhia. As baratas andam sempre em casal. Repugnantes, mas fieis...
Junho é o Mês dos Namorados, até elas devem comemorar, sentadinhas em um bolo deixado sem cobrir sobre a pia, iluminadas pela luz diáfana da lua atravessando a janela e cobrindo-as de uma aura prateada... Baratas albinas? Urgh!
Tem uma "barata saltadora" que vive na Table Mountain, na África do Sul. A particularidade dessa espécie é que suas pernas traseiras são extremamente modificadas, até parecerem as de um gafanhoto. As pernas estruturadas desse modo permitem a essa barata escapar do perigo com saltos vigorosos e amplos, como fazem os gafanhotos. Antes dessa descoberta, as “baratas saltadoras” só eram conhecidas na forma de fósseis do período jurássico.
Ouvi dizer que barata tem cheiro. Elas possuem uma secreção repugnante liberada por glândulas, a qual tem um odor nauseabundo característico. Nunca senti esse odor já que eu paro de respirar instintivamente quando escuto ou vejo uma delas. Existe até nome para essa minha fobia: catsaridafobia. O medo faz as coisas parecem mais perigosas do que realmente são. Sinto falta de ar, palpitação, por causa de um pequeno inseto que pode ser destruído facilmente – isso é – se formos rápidos o suficiente, é claro, porque elas são mais velozes que carros de Fórmula 1. Imagine uma barata sem cabeça driblando você... E se ela erra a direção e pensa que seu pé é a rota de fuga? Elas vivem até um mês sem cabeça e não sentem dor.
Os homens dizem que é coisa de mulher. Não é não. Faça um teste, diga bem baixinho ao pé da orelha de um homem: “Querido, não se mexa, que tem uma barata subindo pelas suas pernas, e eu vou buscar o veneno lá na lavanderia”...
Simone Alves Pedersen nasceu em São Caetano do Sul e hoje mora em Vinhedo, SP. Formada em Direito, participa há três anos de concursos literários, tendo conquistado inúmeros prêmios no Brasil e no exterior. Tem textos publicados em dezenas de antologias de contos, crônicas e poesias. Escreve para jornal, revista e diversos blogs literários. Escreveu o primeiro livro infantil em 2008, o “Vila felina” seguido de Conde Van Pirado, Vila Encantada, Sara e os óculos mágicos, Coleção Pápum e Coleção Fuá. Para adultos lançou “Fragmentos & Estilhaços” e “Colcha de Retalhos” com poemas, crônicas e contos: http://www.simonealvespedersen.blogspot.com
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