segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Um Pouco da Poesia de Astrid Cabral


ALGUNS POEMAS DE ASTRID CABRAL
por Altair de Oliveira

Nesta semana apresentamos aqui um pouco do trabalho poético desta grande poeta e escritora brasileira, a amazonense Astrid Cabral, que foi também esposa do falecido poeta Afonso Felix de Souza.

Astrid Cabral Félix de Souza nasceu em Manaus - AM, em 25 de setembro de 1936, onde fez os primeiros estudos e integrou o movimento renovador Clube da Madrugada. Na adolescência mudou-se para o Rio de Janeiro, diplomando-se em Letras Neolatinas na atual UFRJ, e mais tarde como professora de inglês pelo IBEU. Lecionou língua e literatura no ensino médio e na Universidade de Brasília, onde integrou a primeira turma de docentes saindo em 1965 em conseqüência do golpe militar. Em 1968 ingressou por concurso no Itamaraty, tendo servido como Oficial de Chancelaria em Brasília, Beirute, Rio e Chicago. Com a anistia, em 1988 foi reintegrada à UNB. Ao longo de sua vida profissional desempenhou os mais variados trabalhos, fora e dentro da área cultural. Detentora de importantes prêmios, participa de numerosas antologias no Brasil e no exterior. Colabora com assiduidade em jornais e revistas especializadas.



O QUE JÁ DISSERAM DELA
:


"Astrid Cabral combina com rara propriedade verso e sentimento e mesmo em seus momentos mais íntimos, os poemas mais doloridos, não denotam exclusividade, são da ordem da dor de existir. Em Astrid as aparências enganam. A poeta guarda os segredos de uma simbologia muito particular, no entanto à disposição de quem interessar possa. Raros são os poetas capazes de agilizar o pensamento através da linguagem, deixar claro a vivacidade da memória que desfila frente ao leitor. A poesia, e Astrid e os grandes poetas sabem disso, está muito mais comprometida com a vida que qualquer outro gênero. Da escolha das imagens à criação, a construção, do poema, ao som. Astrid lapida palavras para serem lidas em voz alta, transcenderem os segredos do papel. Sua poesia fala. Por vezes, grita. Sem necessidade de lágrimas, pois em seus versos não há padecimento, lamúria, transita a vida com suas armas de combate. " - Luiz Horácio Rodrigues, jornalista, na jornal "Poiésis".


"Por fim, resta observar que, no panorama atual da literatura brasileira, Astrid Cabral ocupa um lugar privilegiado, por expressivo motivo: ela mantém viva a tradição da poesia meditativa (às vezes, filosófica mesmo), evita as invencionices (senis ou pueris) e, sobretudo, cultiva valores estéticos contemporâneos, sem se deixar escravizar pelos grilhões do neo-parnasianismo, que tem confundido fulgor estético com rigor mortis." - Antônio Paulo Graça, para a revista Agulha.


"O livro Rasos d´água, de Astrid Cabral é um exemplo deste comportamento autoral. Trata-se de poesia de alta qualidade, carregada de emoção, de sofrida experiência e de quotidiana vivência de pequenas e grandes dores, tudo vindo expresso com aberta franqueza É livro marcado pela dor de viver, entre as alegrias que todos temos, marcado pela sobrevivência enfrentada à morte de outros. A fugacidade, a perda, a velhice são mostradas às claras. Com pudores e delicadezas, mas ditas sem artifício." - Izacyl Guimarães Ferreira, para o Jornal de Poesia.


Livros de Poemas de Astrid Cabral:

- Ponto de cruz - 1979;
- Torna-viagem - 1981;
- Visgo da terra - 1986;
- Lição de Alice - 1986;
- Rês desgarrada - 1994;
- De déu em déu - 1998;
- Intramuros - 1998;
- Rasos d´água - 2003;
- Jaula - 2006;
- Ante-sala - 2007;
- 50 poemas escolhidos pelo autor - 2008;
- Antologia pessoal - 2008.





ALGUNS POEMAS DE ASTRID CABRAL


JOGO DE CASA



Sob telhas
centelhas fagulhas borralho
olhos d'água água na talha
Sob telhas
galhos alhos coalhos
molhos repolhos toalhas
Sob telhas
agulhas retalhos
malhas fitilhos ilhoses
Sob telhas
rodilhas presilhas
palmilhas sapatilhas
Sob telhas
mulheres abelhas
colheres talheres
Sob telhas
parelhas filhos filhas
espelhos ilhas
Sob telhas
armadilhas navalhas
batalhas partilhas mortalhas


***


POR TODA PARTE O RIO


Por toda a parte o rio
solta serpente a rojar-se
na paisagem da planície
cobra domada à força por
barrancas e algemas de pontes
ou cativo fragmento no pote
na palma côncava do púcaro
no copo translúcido e mínimo
leite a pojar o seio das cuias.
Em águas batismais comungo
e mergulho o arcaico corpo de
remotíssimo passado anfíbio
nós todos tão sáurios tão
irmãos de peixes e quelônios
e espelho o rosto em fuga por
águas igualmente fugitivas
e comigo vai o rio rente rindo
roendo ruindo riando submim
num subsolo de sonhos.


***


A PALAVRA NA BERLINDA



As palavras se contaminam
de cada um de nós.
Bebem nosso único sangue.
Engravidam das vivências
de específicos destinos.
Quando alçadas em abstrações
prévias estagiaram no cerne
de nossa própria carne.
Por isso descaminhos se traçam
e se cavam abismos e abismos
entre bocas e ouvidos.
O que se expressa e vigora
em aparente senha comum
não cintila a sua aura
e de nós o essencial ignora.


***


AMOR NO PÍER



Confesso: o amor por ti
não atravessou o mar.
Só molhou as pernas na espuma
e temendo vagas, dunas
não quis cavalgar o vento.

Confesso: o amor por ti
deixou-se ficar no píer
sem percorrer ponte alguma.
Acenavas terra ao longe
a ventura de outra margem.

Meu amor ficou no meio
refém do medo de risco.
Queria apenas passeio
a bordo escuna sem lastro.
Nunca a viagem de fato.


***


CANÇÃO TRÔPEGA



A vida não tem volta.

Sobra o séquito de sombras

e uma canção trôpega

atravessada no peito:

espada, rubra espada

cravada de mau jeito.

Aqueles rapazes esbeltos

ai, estrangularam-se

nas gravatas da rotina.

Ai, crucificaram-se

no lenho das doenças.

Aqueles rapazes tão belos

não fazem mais acrobacias

nem discursos inflamados

Arrastam chinelos e redes

ruminam silêncio amargo.

Um dia fui bela, filha,

digo a surpreendê-la.

Devo provar com retratos

o que tem ar de mentira.



***


BOCA


Boca
livre trânsito
de vocábulos e aves
fruições e frutos.

Boca
sede de gozo e poder
pombos lhe pousam
entre os dentes ávidos
pêssegos se imolam
cindindo-lhe os lábios.

Boca
sítio de martírio
se a contragosto
de fome se fecha
ou em pânico se cala
atrás de uma mordaça.


***


Para Ler mais:

- Entrevista com a poeta Astrid Cabral: http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com/2009/09/momento-litero-cultural-entrevista-com.html
- Poemas de Astrid: http://www.revista.agulha.nom.br/astridcabral.html



***


Ilustrações: 1- foto da poeta Astrid Cabral; 2- foto da capa do livro "Antologia Pessoal", de Astrid Cabral; 3- foto do rio Amazonas no amanhecer.


***
Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.

1 comentários:

Rodrigo Barão disse...

Muito legal esses oemas de Astrid Cabral mexe muito com o amazonense e um dia eu gostaria se ele for vivo conhecer-lo pessoalmente cara a cara com esse grande autor amazonense !!!!!!!!!!!!!!!!!
Uma dica leiam muito poemas dele que esses poemas podem muda a sua história de vida sejam otimista com tudo . De oportunidade para quem que te dar valor moral .

4 de novembro de 2014 às 20:20

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