quinta-feira, 15 de setembro de 2011

São Paulo em cena parte I: lugares e olhares


Em trânsito pelas ruas de São Paulo – ir, voltar, esperar – por motivação de trabalho ou, em raras vezes, de diversão, reflito como minha identidade, minha vida se funde de alguma forma a esse amontoado de gente e concreto que é São Paulo.
Sensação que faz eu voltar a minhas memórias, a minha Gênesis. Nasci na Brigadeiro Luis Antonio, num hospital que hoje posso visualizar duas vezes por semana do alto do prédio, um dos lugares onde trabalho. Minhas fortes lembranças vem da adolescência em que passei muito tempo sentada nas escadarias do Colégio Objetivo observando a Paulista. Encantava-me ver os Hare Krishnas cantando e vendendo incensos enfiados naqueles mantos opacos, levemente coloridos com os cabelos raspados, deixando um peculiar rabinho em alguma parte da cabeça. Executivos engravatados, mulheres bem vestidas caminhando rápido em meio à confusão de pessoas. Os Krishnas, os executivos e nós, os jovens do colégio, dividíamos aquele pedaço da Paulista, aquele cenário, sem nenhuma tensão e intenção. Era como assistir a um filme “ao vivo”. Eu e meus colegas sentados nas escadarias vivenciando múltiplas cenas que desencadeavam outras cenas, executadas em um cenário fixo; carros, ônibus, motos que apitavam e buzinavam. No contra plano, os prédios, o asfalto, faróis e os ainda sobreviventes casarões antigos.

Fotos: Katia Peixoto
Saguão da Sala São Paulo 
Idem
Quarto de hotel
Piscina de hotel
Pela janela do quarto de hotel  (21º andar)
Na sacada

Estação da Luz

Minha diversão era esticar o dia ficando por ali para irmos aos cinemas, ao Top Center, ao MASP, ao Parque Trianon, que chamávamos de parque dos tuberculosos, talvez por ser o único lugar que se podia ver algo de verde mesmo que coberto pela acinzentada poluição. Também íamos jogar pinball na travessa próxima ao colégio e passávamos, principalmente a sexta-feira, juntos nos divertindo no asfalto, nas vitrines e nos cinemas.
Quando ingressei na faculdade o cenário mudou um bocado, corria pelas cercanias da Estação Julio Prestes em direção a Estação luz do metrô em frente a Estação Luz da CPTM. Passava todos os dias pela antiga rodoviária de São Paulo. Ao invés de executivos e Krishnas, via putas, moradores de rua, vendedores ambulantes, sujeira, crianças chorando e muitos pedintes. Aos sons dos carros misturavam-se as buzinas constantes aos olhares das putas que as 6 30 da manhã ainda estavam pelas ruas. As lojas pequenas e alguns bares tiravam um pouco a minha atenção destes personagens e, muitas vezes, ficava olhando para cima, fugindo deles e ao mesmo tempo admirando a arquitetura da Estação Luz e Julio Prestes. São Paulo sempre me fascinou. E mesmo vivendo ali grande parte das horas dos meus dias, sempre me senti uma estrangeira.
Saguão da Estação Luz
Interior da Sala São Paulo
Essas questões me inquietaram e me inquietam de tal forma que proponho uma série, “São Paulo em Cena”, que buscará abordar desde um olhar mais intimista e pessoal sobre a cidade – demonstrada nas fotos que seguem – até colocar em foco, em outras duas edições, filmes e músicas que tematizaram a Paulicéia Desvairada.
Esse olhar é pessoal e, por isso, incompleto, recortado. E é particular na medida que expressou um sentimento presente no momento da captura dessas imagens: busca de um refúgio da cidade, na cidade. A distância das ruas, a carapaça do quarto de hotel para recompor a mente confusa e a loucura constante. Confesso que já fiquei em hotéis aos arredores da Paulista para descansar e ao mesmo tempo para repensar a cidade por um outro prisma. Um carnaval na Paulista tranqüila, um finados, uma necessidade de reviver momentos da adolescência. São Paulo que me encanta e que me faz sentir estrangeira na minha própria terra mas que me faz pensar, refletir.     
Saguão da Estação Luz


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO, na FPA nos Cursos de Visuais e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.


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