"Isto Não É um Filme", exibido na 35º Mostra de SP, traz o impasse do cinema iraniano contemporâneo
O cinema iraniano estava em ascensão quando o conheci, meados da década de 1980. Foi e ainda é um cinema tipo exportação, com reconhecimento dentro e fora do seu país de origem. Com temas humanitários que envolvem questões aparentemente simples, os filmes encantam, entre outras coisas, pela presença marcante de crianças que vivenciam em seus cotidianos histórias comoventes de amor, respeito e tolerância. O contraplano evidencia o lugar com seus hábitos e costumes, forma que faz lembrar os filmes neorrealistas italianos. As lindas imagens e a poesia dos filmes foram fortes o suficiente para quebrarem as fronteiras do país e ganharem o mundo, aportando nos Festivais Internacionais de Cinema. Com o filme “O Corredor”, 1985, de Amir Nadent o cinema iraniano estreou na história da cinematografia mundial. Este filme ganhou muitos prêmios e foi exibido em várias partes do mundo abrindo espaço para outros que seguiriam o mesmo caminho. Enfim o planeta terra conheceria a graça e o charme do cinema iraniano, que logo de partida foi rotulado de "cult". Esta grande divulgação trouxe mais e mais produções e consequentemente mais e mais prêmios. O sucesso do cinema iraniano tornou-se inevitável. Assim, a medida em que o número de produções aumentavam, finaciadas com dinheiro de dentro e de fora do país, a pressão política interna também aumentava. O conteúdo de alguns destes filmes pareciam ameaçar o governo iraniano e este desconforto gerou um processo de censura interna por parte das autoridades governamentais. Entre o fim da década de 1980 e 1990 foram realizadas uma média de sessenta filmes ao ano.
Alguns cineastas consagrados, como Abbas Kiarostami, que recebeu em 1997 a Palma de Ouro em Cannes por “O gosto de Cereja”, tornaram-se bandeira do movimento. Foi a época de ouro do cinema iraniano, que continuou rendendo premiações e passando a ser conhecido e admirado por muitos.
Abbas Kiarostami |
Bahman Ghobadi |
Em 2000, “Tempo de Embebedar Cavalos”, de Bahman Ghobadi, foi premiado com “Câmera de Ouro”. Dois anos antes a jovem Samira Makhmalbaf, filha do consagrado cineasta Moshen Makhmalbaf de “A Caminho de Kandahar”, 2001, com apenas 18 anos, estréia seu primeira longa “A maça”, 1998, mostrando ao mundo a que veio o cinema iraniano. O Governo, temeroso em relação a propagação do cinema além fronteira, apoiava de forma contraditória as distribuições. Alguns filmes que foram proibidos no Irã tiveram autorização para serem exibidos no exterior.
Este boom cinematográfico tem uma explicação: após a Revolução Islâmica de 1979, os filmes passaram a ser patrocinados pelo governo. Apoiados pelo Ministério da Cultura e das Artes, a “Iranian Young Cinema Society”, 1983, e o “Documentary and Experimental Film Center”, 1986, descobriam e formavam jovens cineastas de ficção e documentaristas com capacidade de realizar bons filmes, enquanto que, projetos como o de Ebrahim Foruzaesh de “O Jarro”, 1992, fundador do “Cinema Livre Iraniano”, em 1968, alcançou a marca de oitenta filmes em dezoito anos, época em que esteve no “Centro de Cinema do Instituto para o Desenvolvimento Intelectual de Crianças e Jovens”.
Apesar dessas iniciativas governamentais de incentivo a produção cinematográfica, o atual governo de Ahmadinejad é fortemente marcado pela censura, autorizando apenas os filmes dos cineastas que não fazem algum tipo de crítica à realidade social e política. Antes do início das filmagens, o diretor deve submeter o roteiro a um departamento de censura, para saber se pode seguir em frente ou terá seu projeto vetado.
A visibilidade dos filmes premiados, neste caso, pode servir para o bem ou para o mal do cinema iraniano. De uma perspectiva do Governo, a visibilidade, tanto interna quanto externa, de alguns filmes autorizados constroem a imagem de um país moderno, que apóia a arte e a cultura. Entretanto, os cineastas que quebram a lei da mordaça, sofrem as conseqüências de um regime que desfaz-se facilmente de sua carcaça democrática.
Link do filme, não se assutem tem um trailler antes;
http://videos.sapo.pt/tkfEYIVoqp0K5dWAuBPt
Em “Isto Não É um filme”, Jafar Panahi aparece em prisão domiciliar esperando o resultado da apelação de sua sentença, que o condenou a seis anos de prisão e 20 de proibição de filmar. Uma prisão de cunho político, impedindo o cineasta de produzir. O fato é que Panahi já esteve preso por participar de manifestos contra o governo do Irã, portanto seu cinema também representa uma ameaça.
Link do filme, não se assutem tem um trailler antes;
http://videos.sapo.pt/tkfEYIVoqp0K5dWAuBPt
Em “Isto Não É um filme”, Jafar Panahi aparece em prisão domiciliar esperando o resultado da apelação de sua sentença, que o condenou a seis anos de prisão e 20 de proibição de filmar. Uma prisão de cunho político, impedindo o cineasta de produzir. O fato é que Panahi já esteve preso por participar de manifestos contra o governo do Irã, portanto seu cinema também representa uma ameaça.
Panahi recebeu Prêmios em Cannes e em Berlim, agora está preso pois seu cinema é tido como subversivo pelo governo iraniano. (Bons tempos do cineasta) |
Juliette Binoche a favor de Panahi |
Panahi com a iguana Igi (cena do filme) . Ele já havia sido preso, depois da apelação negada volta a prisão. Está magro e abatido |
O filme de Panahi, “Isto Não É um Filme”, que está na Mostra de SP, nasce do duo impasse: o de não poder filmar e de não ter o que filmar, visto que seu roteiro censurado precisa de atores e locação. Para resolver o primeiro impasse, Panahi chama o documentarista Mojtaba Mirtamasb para filmá-lo em sua casa; o segundo problema, o cineasta tenta resolver contando e encenando o roteiro do filme censurado durante as filmagens. O filme propriamente dito é a frustração e a impossibilidade de se fazer um filme e se configura como um “não filme”. Com fatos inusitados e personagens que surgem no decorrer das filmagens, a dor é incrementada com certa dose de humor, que se mescla com a tristeza da espera.
Talvez a iguana Igi, única companhia do cineasta em sua casa, tenha uma relevância nesta questão, afinal é dedicado a ela vários frames contemplativos.
Mohsen Makhmabah entrevistado pela Folha de SP |
Mohsen Makhmabah, de A “Caminho de Kandahar”, em entrevista à Folha de São Paulo (matéria publicada dia 21 de outubro na Ilustrada), diz que não vive mais no Irã pois também é considerado inimigo do governo de Ahmadinejad e que agora filmar ficou mais difícil: “Antes, censuravam os filmes, mas não prendiam nem torturavam os cineastas, e as atrizes não eram açoitadas na prisão. Quando os cineastas se propunham a filmar fora do Irã, não eram ameaçados nem sofriam com atos de violência, como o cometido contra minha filha Samira no Afeganistão: uma bomba explodiu no set de filmagem, matando um membro da equipe e ferindo 20 pessoas”.
Mojtaba, diretor junto com Panahi de "Isto não é um filme" |
Quando perguntaram ao cineasta se ele mantinha contato com Jafar Pahahi ou Mojtaba (diretores de “Isto Não É um Filme”) ele declara: “Mirtahmasb já foi meu assistente, hoje está em uma solitária. Nem mesmo sua mulher consegue falar com ele. Jafar Panahi estava em prisão domiciliar, agora foi enviado à prisão novamente”.
A crise do cinema iraniano é política e envolve questões complicadas pois Jafar Panahi, Mirtahmash e Moshen Makhmalbaf fazem oposição ao atual governo e defendem Hussein Mussavi, derrotado nas últimas eleições. Sua derrota gerou controvérsias a respeito da legitimidade da apuração dos votos. Mesmo com as proibições, o fato é que o filme de Panahi já foi exibido mundo afora e agora está em São Paulo e, provavelmente continuará a ser exibido em outras Mostras. Nos dias de hoje com toda a tecnologia comunicacional é quase impossível segurar a propagação de uma notícia ou de obras. Reza a lenda que “Isto não É um Filme” saiu do Irã dentro de um bolo, gravado em um pen drive. É, já está mais que provado que ninguém mais é uma ilha neste mundo globalizado e com tecnologia digital.
Quem quiser, ainda pode ver o filme iraniano de Panahi, "Isto Não É um Filme" na Mostra Internacional de Cinema de SP que será exibido dia 29, às 14h, no Espaço Unibanco Augusta e dia 31, às 16h20, no Unibanco Arteplex.
Posteriormente, para quem não conseguir vê-lo na Mostra, o filme entrará em cartaz no circuito normal de cinema e vale muito a pena assisti-lo. Após assistir a ascensão do cinema iraniano, vejo como uma triste situação a imposição de impetuosas e maldosas proibições. O que fica: os filmes iranianos continuam encantando o mundo e sendo vistos por muitos, querendo ou não o governo iraniano.
Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO, na FPA no curso de Artes Visuais e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.
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