segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A Poesia de Manuel Bandeira em foco


O poeta Manuel Bandeira é um dos grandes nomes do dito modernismo no Brasil, devido ao seu poema “Os Sapos”, lido na Semana de Arte Moderna de 1922. Semana essa que, voltada para as artes em geral (literatura, música, escultura, pintura), contou com nomes como: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfati, Tarsila do Amaral, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti entre outros.



Os sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os delumbra.
Em ronco que a terra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”
O sapo-tanoeiro
Parnasiano aguado,
Diz: — ” Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”
Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei” — “Foi!”
– “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– “A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatutário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo.”
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
–”Sei!” — “Não sabe!” — “Sabe!”
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…
Manuel Bandeira nasceu em Recife e é neto de Antônio Herculano de Sousa Bandeira, professor de Direito da Faculdade de Direito do Recife, uma das primeiras do país. Sua família sempre teve posses e cargos, fator esse que possibilitou sua ida à Suíça para tratamento de uma doença.
A primeira publicação do poeta pernambucano foi o livro de poesias “A Cinza das horas”, datado em 1917. Assim, segundo Davi Arrigucci Jr.: "A poesia de Bandeira (..) tem início no momento em que sua vida, mal saída da adolescência, se quebra pela manifestação da tuberculose, doença então fatal. O rapaz que só fazia versos por divertimento ou brincadeira, de repente, diante do ócio obrigatório, do sentimento de vazio e tédio, começa a fazê-los por necessidade, por fatalidade, em resposta à circunstância terrível e inevitável".
Arrigucci percebe que nos poemas escritos por Bandeira, posterior a descoberta da doença, há uma necessidade de se satisfazer através da escrita, devido ao fardo que carregava.
Um pouco mais da poesia de Manuel Bandeira (os poemas não estão em ordem de publicação):
O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

Obras Poéticas de Manuel Bandeira

§ A Cinza das Horas, 1917
§ Carnaval, 1919
§ Os Sapos, 1922
§ O Ritmo Dissoluto, 1924
§ Libertinagem, 1930
§ Estrela da Manhã, 1936
§ Lira dos Cinquent'anos, 1940
§ Belo, Belo, 1948
§ Mafuá do Malungo, 1948
§ Opus 10, 1952
§ Estrela da tarde, 1960
§ Estrela da Vida Inteira, 1966
§O Bicho, 1947



Renato Dering é escritor, mestrando em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), sendo graduado também em Letras (Português) pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Realizou estágio como roteirista na TV UFG e em seu Trabalho de Conclusão de Curso, desenvolveu pesquisa acerca da contística brasileira e roteirização fílmica. Atualmente também pesquisa a Literatura e Cultura de massa. É idealizador e administrador do site EFFI, que divulga o cinema e conteúdos audiovisuais. Contato: renatodering@gmail.com | twitter.com/rdering

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