O roteiro e o roteirista: percepções e indagações
Quem nunca ao assistir a um filme se perguntou: Qual o objetivo daquela personagem? Por que ela entra apenas naquela cena? Todo mundo tem em si um traço de escritor, de roteirista. Isso acontece porque o sujeito vive, fantasia e cria histórias a todo momento. Mas essa vivência não implica dizer que todos são escritores. Sem dúvida, há aqueles que nascem com dons. Porém, até essas pessoas precisam treiná-lo e aperfeiçoá-lo. Os que não nascem com ele podem, simplesmente, aprender a escrever. Assim como o pintor aprende a pintar, o escultor a esculpir, o escritor pode aprender a arte que lhe cabe. Não se trabalha inspiração, mas o como criar e os caminhos a serem seguidos: técnicas de escrita e teorias de recepção. Já dizem por ai que, a genialidade se pauta nos noventa e nove por cento de transpiração. Não adianta idealizar e não colocar em prática.
Carrière, por exemplo, afirma que é a partir do roteiro que poderá se decidir um filme, inclui ainda que o roteirista é aquele que conhece as técnicas do cinema, pois só assim pode escrever coisas filmáveis. Então não basta entender parte de um todo, mas a noção do conjunto é de extrema importância.
O escritor, de posse da ideia, vai se diferenciar do sujeito comum justamente pela experimentação de possibilidades. Ao traçar uma história, todos os elementos necessários para uma narrativa são lembrados e testados em inúmeras maneiras. O anel no dedo médio da personagem, o olhar que tal personagem transmite, o espaço onde estas se encontraram. Nenhum elemento é jogado na história de maneira aleatória, o bom roteirista permeia traços que vão discernir sua história das demais. Por isso que, quando assistimos a um filme e saímos com as perguntas acima, se voltarmos na história, acharemos os laços que vão responder esses questionamentos. Se o filme não te der essa resposta, há algo de errado. Grandes problemas em filmes que não atendem a seu público estão na má elaboração de seu roteiro. Quando um guião é mal elaborado, ele não é aceito por inteiro. O que quero dizer com isso? Se te entrego uma cadeira para que sente, porém a cadeira é fraca, com certeza você cairá. Caso não caia, você sentará e se apoiará. O roteiro se enquadra exatamente nesse quesito, se temos um roteiro fraco, ele não irá se sustentar em si. Para que seja efetuado irá precisar de apoios, nessa hora entra os efeitos visuais, especiais... Um exemplo recente está na grandiosa obra de James Cameron, Avatar. Ela conta uma história já dita por muitos, contudo de maneira fraca. O que segura a narrativa de mais de duas horas são os efeitos.
Doc Comparato diz algo parecido, coloco assim, um bom roteiro pode até não dar um bom filme, mas um péssimo roteiro dará um filme ainda pior. Um roteiro bem feito é obra para ser gravada, um mal feito é elaborado para ser composto de todos os artifícios para depois poder ser gravado. Qualquer filme, seja ele do gênero que for, precisa ter um bom roteiro. Os fracos roteiros se apóiam justamente nesse tipo de espetáculo visual para prender seu expectador e esconder sua fraqueza. O que diferencia um autor de outro não é o que ele conta, mas o modo como ele conta. Logo, temos vários filmes que falam de viagens, mas o filme Eurotrip tem um tom diferente, por exemplo. Muitos filmes falam de adolescentes, mas As Melhores Coisas do Mundo retrata com mais realismo no que diz respeito ao Brasil, esse é seu diferencial.
O roteiro é a base da obra. Posso pegar uma câmera e inventar um filme na hora? Filmar lugares e espaços, pessoas no cotidiano e fazer uma película? Claro que pode! Essa filmagem sairá boa? Não posso afirmar nem que sim e muito menos que não. Aqui temos um exemplo que o roteiro já está na cabeça, um roteiro mental talvez. Porém, é claro, não sejamos hipócritas em dizer que ele está elaborado. Trata-se de uma parte apenas dele, o que chamo de ideia, qual irá gerar depois o primeiro esboço do que se quer trabalhar, story line ou sinopse. Deixemos claro que há distinções entre “linha da história” e sinopse, que não pretendo diferenciá-la, pois trata-se, em meu ponto de vista, do mesmo conceito. Assim que você estabelece sua ideia, é hora de amadurecê-la. Nasce assim o argumento.
Argumento é a sinopse com detalhes essenciais, tramas que devem conter no roteiro, possíveis passagens da história. Há limites para escrever uma sinopse ou argumento? Muitos consideram que a sinopse permeia as 10 linhas e o argumento, caso longa metragem, irá variar entre as 10 páginas. Prefiro não estabelecer limites, afinal podar nunca é bom. Contudo é preciso que o roteirista tenha discernimento que, algo longo demais ou curto demais pode dificultar a leitura e compreensão. Argumento de 50 páginas é pedir ao lixo que o carregue. Quem irá ler quer saber o porquê sua história é interessante, como você vai contá-la, se você não conseguir dizer de maneira concisa e atraente? Saiba que você precisa reler o que fez e encontrar os equívocos. Ressalto que, um dos pecados que o escritor de roteiros comete é na subjetividade. Ele esquece que seu público, até então, é quem irá produzir os escritos. Quem produz quer imaginar o que você quer passar e o que isso tem de bom e rentável, seja no valor ou na propagação da ideia. O produtor não pretende pensar sobre as hipóteses da história ou entrar em subjetividades, ele busca a objetividade da história e entender a proposta. Se a narrativa é pautada na lua, ele quer saber o que essa lua tem de peculiar, e não imaginar o que ela pode ter. Ser objetivo, então, deve ser uma das características do bom roteirista. Logo, ao escritor de livros literários fica com a subjetividade, pois a ele é permitido tal elemento.
Assim, temos que o roteiro é a história de um filme contada para que seja realizada em imagens, com indicações e colocações de como essa história deve ser contada para que atinja a finalidade proposta. E o roteirista é a pessoa que faz o roteiro.
Renato Dering graduou-se em Letras pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e atualmente é mestrando em Literatura, pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Desenvolve pesquisa na área de Literatura e Cultura de Massa, além de estudos sobre o contística e cinema. Contato: renatodering@gmail.com
A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
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