segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Charles Baudelaire: uma visão poética


Charles-Pierre Baudelaire, ou apenas Baudelaire, é um renomado poeta francês e também conhecido por seus textos teóricos acerca da arte. Sua vida, até a maturidade, é regada de devaneios e rebeldia, sendo expulso da escola e mais tarde vivendo as custas da herança que o pai o deixara.
Lança sua coletânea de 100 poemas, As flores do mal, por volta do fim da década de sessenta, no século XIX, causando grande reboliço, sendo, inclusive, multado pelo governo da época. O fato ocorre, pois alguns de seus poemas, segundo o poder público, ia de encontro às morais da sociedade. Esse é seu livro mais famoso, até então.

Baudelaire tem sua escrita, segundo diversos teóricos, voltada para o real, o que o aproximaria das vertentes da poesia moderna. Ele transforma o mundo em que vive e que percebe de uma maneira única, provocando a aproximação e distanciamento de seus leitores, trazendo para sua literatura o caráter perturbador da arte.
O poeta morre novo, não chegando aos 50 anos de idade, mas deixa como presente para o mundo a sua arte.
UMA CARNIÇA
Lembra-te, amor, do que nessa manhã tão bela,
Vimos á volta de uma estrada?
- Uma horrenda carniça, oh que visão aquela!
Aos pedregulhos atirada;
Com as pernas para o ar, qual mulher impudente
Tressuando vícios e paixões
Abria de maneira afrontosa e indolente
O ventre todo exalações;
Radiante, cozinhava o sol essa impureza,
A fim de tendo o ponto dado,
Cem vezes restituir á grande natureza
Quando ela havia ali juntado.
E contemplava o céu a carcaça ostentosa,
Como uma flor a se entreabrir!
E o fétido era tal que estiveste, nauseosa,
Quase em desmaios a cair.
Zumbiam moscas mil sobre esse ventre podre
De onde os exames vinham, grossos,
De larvas, a escorrer como azeite de um odre.
Ao longo de tantos destroços.
E tudo isso descia e subia em veemência
ou se lançava a fervilhar…
Dir-se-ia que esse corpo a uma vaga influência
Vivia a se multiplicar!
– Era um mondo a vibrar sons de música estranha,
Bem como o vento e a água em carreira
Ou o som que faz o grão que o joeirador apanha
E agita e roda na joeira,
E tudo a se apagar mais que um sonho não era,
- Esboço lento a aparecer
Sobre a tela esquecida, e que um artista espera
Só, de memória, refazer,
De uns rochedos, por trás, uma cadela quieta,
com desgostoso olhar nos via
espiando a ocasião de retomar, á infecta
ossada, o que deixado havia,
– E no entanto ás de ser igual a essa imundícia,
A essa horripilante infecção,
Astro dos olhos meus, céu da minha delícia.
Tu, meu anjo e minha paixão!
Assim tu hás de ser, oh rainha das Graças!
Quando depois da extrema-unção
Fores apodrecer sob a erva e as flores baças,
Entre as ossadas, pelo chão!
……………………………………………………………..
Diz então, lindo amor, á larva libertina.
Que há de beijar-te em lentos gostos,
Que eu a forma guarde, mais a essência divina,
Dos meus amores decompostos!
A UM PASSANTE

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daquí! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!
Hino à beleza

Vens do fundo do céu ou do abismo, ó sublime
Beleza? Teu olhar, que é divino e infernal,
Verte confusamente o benefício e o crime,
E por isso se diz que do vinho és rival.

Em teus olhos reténs uma aurora e um ocaso;
Tens mais perfumes que uma noite tempestuosa;
Teus beijos são um filtro e tua boca um vaso
Que tornam fraco o herói e a criança corajosa.

Sobes do abismo negro ou despencas de um astro?
O Destino servil te segue como um cão;
Semeias a desgraça e o prazer no teu rastro;
Governas tudo e vais sem dar satisfação.

Calcando mortos vais, Beleza, entre remoques;
No teu tesoiro o Horror é uma jóia atraente,
E o Assassínio, entre os teus mais preciosos berloques,
Sobre o teu volume real dança amorosamente.

A mariposa voando ao teu encontro ó vela,
"Bendito este clarão!" diz antes que sucumba.
O namorado arfante enleando a sua bela
Parece um moribundo acariciando a tumba.

Que tu venhas do céu ou do inferno, que importa,
Beleza! monstro horrendo e ingênuo! se de ti
Vêm o olhar, o sorriso, os pés, que abrem a porta
De um Infinito que amo e jamais conheci?

De Satã ou de Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Se és capaz de tornar, - fada aos olhos leves,
Ritmo, perfume, luz! - a vida menos feia,
Menos triste o universo e os instantes mais breves?


Renato Dering é escritor, mestrando em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), sendo graduado também em Letras (Português) pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Realizou estágio como roteirista na TV UFG e em seu Trabalho de Conclusão de Curso, desenvolveu pesquisa acerca da contística brasileira e roteirização fílmica. Atualmente também pesquisa a Literatura e Cultura de massa. É idealizador e administrador do site EFFI, que divulga o cinema e conteúdos audiovisuais. Contato: renatodering@gmail.com | @rdering

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