sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Um olhar valente: produção e conhecimento em artes

Um olhar Valente
Meus alunos de “Produção e difusão do conhecimento em Artes” estão a debruçar-se sobre a obra de Assis Valente, por isso faço aqui algumas considerações sobre ele e, mais especificamente, sobre uma peça de teatro escrita pela carioca Anamaria Nunes.

Quando li Valente pela primeira vez, trabalhava com Anamaria Nunes na década de 90 num espetáculo juvenil, o nosso Dom Quixote. A leitura foi rápida, mas o suficiente para despertar meu interesse pela figura do compositor e sambista Assis Valente, baiano de Santo Amaro, que faria 110 anos em 2011.

Hoje, mais de dez anos depois, outros fatores trazem-me novamente ao poeta, momento especial esse que é, a discussão acerca de temas caros ao nosso tempo, entre eles – pela fragmentação que vivemos – a sexualidade e a etnia.

Anamaria soube captar com muita sensibilidade as angústias e amarguras de Assis Valente, sobretudo aquelas ligadas à sua sexualidade, abafada pelo heterossexismo da época, o preconceito racial e a relação ambígua de amor e ódio com sua amiga Carmem Miranda.  Tormentos suficientes que fizeram com que ele tentasse tirar a própria vida três vezes antes de finalmente conseguir, em 10 de março de 1958, ingerindo guaraná com formicida numa praia carioca.

Duas razões nos levam à novamente ao texto Valente e, sem graus de importância começamos dizer que o primeiro deles é revelar e/ou relembrar ao público da Bahia e do Nordeste, uma figura emblemática da música popular brasileira. Como se esse objetivo fosse o suficiente, queremos ainda mais, o que nos interessa, sobremaneira, nesse resgate não é apenas apresentar os momentos finais de Valente, mas denunciar como as forças sociais defenestram aqueles que não cabem em suas categorizações binárias.

Assis Valente, negro-nordestino-homossexual, teria uma vida brilhante, mas por não se enquadrar (desenvolver) foi perseguido e atormentado. Os muitos sucessos de sua autoria não foram suficientes para impedir que ele tentasse suicídio.

Anamaria consegue flagrar esse momento da vida de Assis e cria uma situação ficcional, um devaneio, um diálogo entre três personagens. Além de Valente, Carmem Miranda e Madame Satã.

Mesmo com tão trágico histórico, não se pode dizer que sua vida tenha sido uma sucessão de fracassos. Pelo menos não do ponto de vista profissional. Nascido em Santo Amaro, no interior da Bahia, ele revelou desde cedo pendor para a vida artística e notável inteligência. Há até mesmo uma estranha história segundo a qual teria sido raptado aos seis anos de idade por um homem que não se conformava em ver criança tão brilhante em um local tão pobre. 

Lendas à parte, o fato é que aos nove anos José de Assis Valente já vivia em Salvador, longe dos pais e dos irmãos. Era farmacêutico e estudava desenho e escultura no Liceu de Artes e Ofícios. Algumas vezes, entretanto, deixou a cidade para acompanhar um circo pelo interior baiano, onde atuava como artista e comediante. Mais tarde fez o curso de prótese dentária. Ou seja, um homem de múltiplos interesses e talentos, que nunca conseguiu se decidir definitivamente por uma ocupação.
Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.

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