segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Ferreira Gullar: vida e poesia.



“A vida é inventada, a quantidade de acasos é uma coisa muito grande, sou agnóstico, não procuro respostas para tudo, só sei que gosto de estar aqui”. Assim começamos a falar de José Ribamar Ferreira, ou apenas, Ferreira Gullar. O pseudônimo tem uma história interessante, que o poeta explicou em uma de suas conferências: "Gullar é um dos sobrenomes de minha mãe, o nome dela é Alzira Ribeiro Goulart, e Ferreira é o sobrenome da família, eu então me chamo José Airton Dalass Coteg Sousa Ribeiro Dasciqunta Ribamar Ferreira; mas como todo mundo no Maranhão é Ribamar, eu decidi mudar meu nome e fiz isso, usei o Ferreira que é do meu pai e o Gullar que é de minha mãe, só que eu mudei a grafia porque o Gullar de minha mãe é o Goulart francês; é um nome inventado, como a vida é inventada eu inventei o meu nome".


Nascido em setembro de 1930 na cidade de São Luís, é considerado um dos fundadores do neoconcretismo no Brasil. Além de poeta também tem uma estreita relação com outros tipos de artes, sendo inclusive crítico.

Em sua estadia no Rio de Janeiro, participou do movimento de poesia concreta, se destacando entre tantos outros. No ano de 1956 participou da exposição concretista, considerada como o marco oficial de início da poesia concreta no Brasil. Afastando-se depois, fundou o movimento neoconcretismo, juntamente com Lígia Clark e Hélio Oiticica. Contudo, abandona o movimento anos depois.

Ganhou inúmeros prêmios ao longo de sua carreira, sendo inclusive a ser indicado por diversos professores do Brasil, EUA e Portugal para concorrer ao Prêmio Nobel de Literatura no ano de 2002. Ganhou o Prêmio Jabuti em 2007 e 2011 e o Prêmio Camões, em 2010, ano que também foi honrado com o título de Doutor Honoris Causa, pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Entre suas obras e seleções realizadas por críticos literários, destacam-se:

* Um pouco acima do chão, 1949
* A luta corporal, 1954
*A luta corporal e novos poemas, 1966
* Poema sujo, (onde localiza-se a letra de Trenzinho do Caipira) 1976
* O formigueiro, 1991
* Muitas vozes, 1999
* Em alguma parte alguma, 2010
* Antologia poética, 1977
* Ferreira Gullar - seleção de Beth Brait, 1981
* Os melhores poemas de Ferreira Gullar - seleção de Alfredo Bosi, 1983


TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?


MAU DESPERTAR

Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.

METADE

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para faze-la florescer;
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.

Renato Dering é escritor, mestrando em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), sendo graduado também em Letras (Português) pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Realizou estágio como roteirista na TV UFG e em seu Trabalho de Conclusão de Curso, desenvolveu pesquisa acerca da contística brasileira e roteirização fílmica. Atualmente também pesquisa a Literatura e Cultura de massa. É idealizador e administrador do site EFFI, que divulga o cinema e conteúdos audiovisuais. Contato: renatodering@gmail.com @rdering

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