quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Transformar... difícil tarefa da democracia. Homenagem ao pessoal do Neblina



Sempre tenho pensamentos recorrentes a respeito da transformação. A zona de conforto existe para estagnar, persistindo em deixar as coisas como estão, mas a crise precipita a mudança. Somos realmente sujeitos da nossa própria vida? Vivemos em uma democracia? Precisamos uns dos outros? Como o liberalismo convive com a sociedade? Até que ponto somos livres?


  "A primeira sensação que experimento ao encontrar-me na presença de uma criatura humana, por humilde que seja a sua condição, é da igualdade originária da espécie. Uma vez dominado por esta ideia, preocupa-me muito mais do que ser-lhe útil ou agradável, o não ofender nem de leve a sua dignidade."
Alexis de Tocqueville

 Alexis de Tocqueville

Mas se ser livre é poder conquistar por esforços individuais coisas e títulos, logo de cara temos um impasse: se a pessoa vive em condições não favoráveis socialmente precisa esforçar-se infinitivamente mais do que um outro, que vive de forma mais tranqüila e estruturada, para conquistar a mesma coisa. Portanto o esforço individual nem sempre é suficiente pois depende de inúmeros fatores econômicos, sociais e culturais.
Quando imagino que por trás da bandeira da "transformação social", exercida por muitos governos que desconsideram a cultura, as pessoas e a estrutura  geográfica do local para implantaram tal transformação, fico preocupada. Cada lugar, pessoa, comunidade, para ser modificada é preciso ser cuidadosamente estudados.
 Para vivermos a democracia ou parte dela é necessário termos alguns direitos; o de comer, vestir, discutir, estudar ...  filosofia, arte, sociologia, psicologia, história, geografia, matemática, polîtica e outras ciências. Antes do fazer está, o pensar.
Ônibus escolar 
Escola pública - poucos recursos
Habitação, insuficiente e precária
"Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia.."

Deparo-me todos os dias na minha profissão de professora com alunos de ensino fundamental e médio que desconhecem o próprio bairro que moram, desconhecem as estruturas físicas e políticas da cidade e do país em que habitam. Decoram textos e fórmulas de matemática e física para se saírem bem nas provas, mas não são críticos em relação a  quase nada pois não sabem exercer a cidadania,  faltam-lhes o conhecimento das coisas. Para a formação do interesse nas coisas deve-se ter consciência delas, ato que vem do saber. Como é importante mostrar aos adolescentes e crianças a capacidade que possuem em argumentar, pesquisar e discutir; transformar é conseqüência.

Falta de leitos em hospitais públicos
Filas enormes para atendimentos

Ainda vejo, todos os dias, alunos falando sobre modernismo, álgebra, síntaxe, sem ter ao menos conhecimentos sobre a própria escola, sobre o lugar  onde moram. Voltam da padaria com o troco errado, mesmo depois de 8 anos de matemática, porque? Não conseguem ao menos fazer uma conta de soma e subtração. Triste realidade que assombra nosso país, principalmente nas escolas públicas, que possuem um sistema embalsamado, mumificado e falido de ensino.
A mídia não ajuda em nada, pois temos uma televisão péssima, ocupada por grandes Redes que não se importam com qualidade, educação, saúde e coisas e tal. Programas televisivos sem nenhuma perspectiva, todos os dias invadem as casas de milhões de brasileiros, fortalecendo nossa triste realidade, a do não saber sobre si e muito menos sobre o mundo.
Como ser politizado, organizado e debater temas cruciais para se tornar um indivíduo livre e responsável e poder exercer a democracia?
Ainda faltam lugares para as crianças ficarem depois que retornam da escola formal, enquanto mamãe e papai trabalham. Agora piorou, pois as crianças terão de ir à escola para cumprir o primeiro ano do ensino fundamental a partir dos 6 anos de idade. Essas escolas  funcionam apenas em um período e o restante? Ficarão assitindo televisão, na rua?

Presídios, recuperacão de pessoas...

Somos os intelectuais do Brasil, professores, doutores que exercem suas funções acadêmicas em suas Universidades, estas quase sempre apartadas dos problemas da sociedade em que estão inseridas, afinal, somos livres. Pagamos a maior taxa de impostos do mundo e mesmo assim temos problemas graves no ensino, saúde, transporte e habitação pública. É publico, é com o dinheiro público, então é de nossa conta.
Cabe a nós sentirmos este peso e nos responsabilizarmos por ele. É por este viés que venho nesta última coluna do ano homenagear atitudes que podem  transformar nosso cotidiano, pois promovem debates, conscientização e reconhecimento.
Assim simpatiza-me com projetos que as Universidades fazem com a comunidade tentando diminuir este abismo entre o lado de lá, àquele que não nos importa, e o lado de cá; dos bacharéis, médicos formados em universidades públicas que, ao se formarem, vão direto para um hospital particular ganharem rios de dinheiro. Ou professores que, após concluirem a licenciatura nas melhores universidades do país, vão lecionar em escolas particulares de classe A e sentem-se orgulhosos de tal façanha.

Na Vila de Paranabiacaba -  integrantes do projeto juntos com ferroviários, alunos e professores 
Imagens do Projeto Neblina sobre trilhos - repensar, discutir para depois transformar

Ser liberal é mandar na sua própria vida, ok. Mas como transformar algo dessa forma? Sem discussão e educação, nada feito, não tem como dar certo.
Portanto, quero parabenizar o pessoal do Neblina sobre trilhos que encarou o desafio de ir, ver, discutir e transformar. A multidisciplinaridade é difícil de executar, extenuante, desgastante, mas num país como o nosso precisamos de consciência de todos; engenheiros, médicos, advogados, cientistas socias, historiadores...
Quero agradecer a você leitor, motivo pelo qual existimos. Agradecer a Ana Dietrich, ao Rodrigo Machado e a todo pessoal da Contemportartes, foi muito bom trabalhar com vocês. 
Desejo a todos um ótimo final de ano e a partir de fevereiro de 2012 tem mais.


 Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.

1 comentários:

discutindo educação e história disse...

Valeu Kátia, bela reflexão, felicidade sempre, bjs!

23 de dezembro de 2011 às 08:36

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