sábado, 18 de fevereiro de 2012

E a poesia se faz real (?)



 Olá leitores! Depois de um tempo de recesso da coluna Escritos Contemporâneos, hoje, retoma-se as atividades a ela relacionadas. Durante as férias, li algumas coisas interessantes que quero compartilhar com vocês.
Como minha pesquisa de Mestrado relaciona-se à poesia portuguesa contemporânea e às ressonâncias que a ditadura portuguesa, a Revolução dos Cravos e o pós- revolução, refletiram na poesia elaborada durante esse período, no mínimo, conturbado na vida da sociedade portuguesa, não posso deixar de trazer à tona aquilo que me inquieta. Por isso, hoje, apresentarei dois poemas, de poetas distintos, que dialogam com esse período histórico português e, de alguma forma, entre si.
O primeiro deles é o Poema “25 de Abril” de Sophia de Mello Breyner Andresen, que compõe o livro da mesma autora intitulado O Nome das Coisas (1977) e refere-se ao dia da Revolução dos Cravos – revolta que depôs o regime totalitário lusitano.  

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.

Observamos que o poema em si possui uma referência direta com a esperança de dias mais justos, mais limpos, com menos proibições e mais igualitários. Um poema, de certa forma, utópico, que reflete a possibilidade de mudança trazida pela Revolução. Era o desejo do eu lírico de que a partir desse momento cravado na história de que todos pudessem “E livres habitamos a substância do tempo”.
Outros poemas de Sophia, publicados no mesmo livro no qual encontra-se “25 de Abril” e que provavelmente foram escritos algum tempo após a revolução, parecem refletir um certo desencanto da poeta quanto às mudanças anunciadas, ansiadas, esperadas, no entanto, não cumpridas, como em “Será possível”:

Será possível que nada se cumprisse?
Que o roseiral a brisa as folhas de hera
Fossem como palavras sem sentido
– Que nada sejam senão seu rosto ido
Sem regresso nem resposta - só perdido?
Mas esse sentimento de desencanto com a política e, inclusive (ou, em especial), com os homens é compartilhado por outros sujeitos que viveram esse período “censurado” na vida pública e intelectual portuguesa. Ainda em 1961, Ruy Belo publicava “Desencanto dos Dias”. E a partir do poema que será exposto a seguir, podemos nos questionar se mais de uma década depois da publicação de Ruy Belo, Sophia não desnudava a verdade de que tudo não passou de uma ilusão, de que, na verdade, a Revolução não trouxe mudanças significativas? Vamos ao poema:
Não era afinal isto que esperávamos
Não era este o dia
Que movimentos nos consente?
Ah ninguém sabe
como ainda és possível poesia
neste país onde nunca ninguém viu
aquele grande dia diferente

Sophia, nos poemas escritos momentos após a insurreição pública contra o regime ditatorial, parece responder à pergunta elaborada há tempos por Ruy Belo, apresentando “O dia inicial inteiro e limpo”. Entretanto, após o momento eufórico e utópico de libertação das amarras, ela reflete novamente e vislumbra que, na verdade, as coisas são “sem regresso nem resposta”, como “Palavras sem sentido”, possibilitando a todos sentir como se tudo fosse “perdido”.
Reflexões como essa são correntes e importantes na literatura em geral, uma vez que a Arte em si tem um papel relacionado diretamente com a sociedade. Como muitos estudiosos postulam, a sociedade necessita da arte e vice-versa. Isso implica no caráter crítico que a arte possui, tanto em relação ao estético, quanto ao social. Às vezes, devemos (ou deveríamos) parar e escutar reflexões, como as elaboradas nos poemas apresentados, para que sejamos mais críticos em relação ao mundo e a nós mesmos.

 
Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.

1 comentários:

Henrique Matos disse...

Fotografia "25 de Abril SEMPRE!" é da autoria de Henrique Matos

1 de abril de 2014 às 11:16

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