domingo, 19 de fevereiro de 2012

Poemas de Ianê Mello

       



O Beijo de um Anjo
Na rua um corpo de mulher
nu... atirado ao chão
a chuva a encobri-lo
como um manto
em pesadas gotas
faz muito frio...
parece adormecido
entregue a dor tão profunda
que não se move
deixando a água a fluir sobre si
como um rio que banha
momentaneamente se move
aparentemente desperto
de um sono profundo
mas não encontra
forças para se erguer
e assim se mantem ao chão
mas seu espírito se eleva
nas asas de uma libélula
um anjo de luz
que voeja em raios de sol
num vôo de libertação
O sol perpassa
as gotículas de chuva
e nuvens se formam
e se avolumam
cálidas, alvas e envolventes
e brilham como estrelas
que pouco a pouco vestem
esse corpo de mulher
envolvendo sua nudez
em flocos brilhantes
enquanto seu corpo
antes inerte se ergue mais e mais
e ao ir se erguendo
quando completamente
coberta por uma veste
de nuvens algodoadas
de uma brancura alva
e purificadora
começa lentamente a caminhar
em direção a branca luz
e dela se aproxima
compreendendo o real sentido
compreendendo que sua vida findara
entrega seu corpo ao negro pássaro
e sem mais resistência
liberta seu corpo que jaz
Assim...
Inicia-se o bailado da vida e da morte
e a alma, enfim, se liberta.


Abrigo de Pedras
Em minha finitude e inconsistência
Me perco em caminhos mal traçados
Nas ausências, desventuras e no fracasso
Tento desatar meus próprios nós
e, aos poucos, me refaço
Busco um ponto de chegada na partida
Um remanso que me aplaque a alma
Merecido descanso de uma mente aflita
Das cinzas que me tornei, então renasço
Tal como a fênix um dia renascida
Das pedras construo um abrigo
e nele me protejo do cansaço
Das flores guardo o intenso perfume
Dos espinhos me desfaço
Montada em bravo cavalo 
Pego a minha vida num laço
As tristezas vão-se pelo ralo 
numa nova esperança que renasce
da semente que brota em meu ser
Consciente de mim mesma estou
Tornando possível o sonho de ver crescer
a mulher que em mim se formou


Projeções Humanas
Mulheres que se agrupam
na sombra
esquecidas
extenuadas
sem sobressaltos
Mulheres que se agrupam
na sombra
contornos
imaginários
de vultos
Mulheres que se agrupam
na sombra
fazem nela morada
de cansaço
de canção
de quedas aflitas
Mulheres que se agrupam
na sombra
rebrilham em luz
interior
cultivam paz
em lugar da guerra insana
Mulheres que se agrupam
na sombra
seus filhos protegem
no ventre
nos braços
na barra
da saia
Mulheres que se agrupam
na sombra
e invadem sonhos
de pobres homens
que dormem
solenemente
ao entardecer
Mulheres que se agrupam
na sombra
e do pranto
recriam o riso
e do espanto
redescobrem a coragem


A Outra
Não, não quero mais palavras retas
retilíneas e certas, precisas
Quero palavras tortas, cambaleantes,
encharcadas como um ébrio de sua bebida
a andar por aí à esmo, sem saber aonde chegar
Palavras embaralhadas, desprovidas de sentido,
palavras torpes, inaudíveis aos apurados ouvidos
Palavras que gritam, palavras que ferem
como ponta de faca
Palavras que acariciam como mãos de fada
Palavras...palavras...palavras...
Que me escapam entre os dedos
espalhando-se no branco papel
Palavras brancas, palavras brandas
Palavras vermelhas de sangue
Meu próprio sangue que escorre e flui
Como esntancá-lo, ferida aberta e exposta?
Como silenciar a voz que sai das entranhas
Esse grito gutural e animalesco
Esse urro, esse sussurro, esse bradar...
Como lobo a uivar pra lua
Animal aprisionado que se liberta
A noite não tem fim
Fechem janelas e portas
Tentem não ouvir esse apelo
Continuem surdos em seus mundos de hipocrisia
Sou fera, sou bicho, sou fêmea
Quando a lua vislumbro no alto céu
não sou mais eu , me transformo
Sou a natureza selvagem que em mim habita


Tão Longe e Tão Perto
Oco por dentro
Tosco e fosco
Entreatos vago
Inconstante
Distante
Inalcançável,
mesmo próximo
Roço com os dedos
tua tez suada,
sinto teus pelos
arrepiados ao toque
sinto tuas marcas
calcadas pelo tempo
Mas aonde estás?
Não em teu corpo,
estou certa
Já fugiste para
outra esfera
mais confortável
e silenciosa
Tento alcançá-lo...
em vão
Não me pertences,
bem o sei,
nem isso quero,
mas apenas
tua presença
além de um
corpo inerte
Mas te deixo
partir
O que me resta?
Esperar pela tua
volta,
espiando tua ida
pela fresta
da janela
de teus olhos




Ianê Rubens de Mello nasceu no Rio de Janeiro (RJ). É educadora e pós-graduada em Pedagogia. Identificada com as diversas propostas em textos literários, escreve também com resultados diversificados. Seus textos incluem contos, crônicas, aforismos, haicais e poesias. Alguns deles são publicados na internet, em sites, blogs e revistas eletrônicas. Escreveu um livro de contos do rock "Rocktales" com o escritor Beto Palaio, em análise pela Editora Record.







Links Externos


0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.