UMA QUESTÃO DE OLHAR
Na coluna Incontros que inaugura o ano de 2012, trazemos uma crônica do sociólogo paranaense e professor Francisco Pucci, que, inspirado em fotos recentes da National Geographic tece comentários filosóficos de grande sensibilidade. Onde muitos enxergam somente belas imagens, ele vê símbolos, e faz interpretações que aproximam arte e ciência.
No livro A sensibilidade do intelecto, Fayga Ostrower nos alerta para a interdependência entre razão e sensibilidade, e a relação tensa entre forma e matéria. Já que a percepção como nos ensinam os teóricos da Gestalt é uma síntese, e jamais é neutra, a autora nos induz a refletir sobre o fato de estarmos sempre construindo e reconstruindo imagens globais em nossas mentes. Uma espécie de “jogo” cujas regras estão constantemente mudando.
Fayga ainda nos adverte que os momentos em que conseguimos comunicar algo significativo sobre o nosso encontro com a ‘beleza essencial’ são momentos gloriosos, onde nos sentimos vivos, inteiramente vivos, participantes de uma Humanidade Maior. E tudo começa e termina com uma questão de olhar...
"As mais lindas histórias geralmente descrevem os maiores dramas humanos. O mesmo com as imagens: as fotos, como as pinturas, recortam pedaços de uma paisagem, pedaços que aos olhos do artista são significativos.
As imagens podem ser vistas de forma literal e simbólica, como qualquer mensagem. Eu vejo, literalmente, pessoas em diversas paisagens, nas fotos que ilustram estas páginas. Mas também vejo, simbolicamente, como o esforço humano supera as maiores barreiras quando se tem um objetivo altamente ambicionado.
Mas por que podemos ter tantas interpretações tendo uma mesma imagem como base? Exatamente porque ela é um recorte. Recortes não são a totalidade e só a totalidade é real, pois só a totalidade é a verdade. Na totalidade nada falta e nada há a se acrescentar. A totalidade simplesmente é. Por isso, para Moisés, Deus disse de si mesmo apenas isso: eu sou o que sou. Não poderia haver outra definição para ele.
Mas por que podemos ter tantas interpretações tendo uma mesma imagem como base? Exatamente porque ela é um recorte. Recortes não são a totalidade e só a totalidade é real, pois só a totalidade é a verdade. Na totalidade nada falta e nada há a se acrescentar. A totalidade simplesmente é. Por isso, para Moisés, Deus disse de si mesmo apenas isso: eu sou o que sou. Não poderia haver outra definição para ele.
Na ciência, as verdades vão se mostrando sempre provisórias e quanto mais a ciência aprende mais ela se aproxima da verdade. Mas é só isso: aproximação. É um saber quase tudo a respeito de quase nada. Uma pintura pode transmitir mais emoção que um romance de mil páginas. Uma fotografia pode transmitir mais verdade do que uma tese.
Vejo isso nas fotos aqui dispersas. Paisagens literalmente lindíssimas. Pessoas literalmente ocupando essas paisagens. Porém pessoas infinitamente pequenas em relação às paisagens que ocupam. Dois olhos que olham verdes de uma face de pedra, enquanto dois seres minúsculos lhes servem de íris.
Um homem pendurado em uma corda, subindo para onde não se vê, assim como a Terra se pendura nos laços da gravidade para correr o infinito em equilíbrio precário. Homens que como formigas cavam no solo buracos imensos em busca da fortuna ilusória das moedas, sem saber que a maior fortuna é ser homem e habitar esta Terra.
Troncos de idade vetusta que recebem dois pequenos seres, capazes tanto de admirarem a beleza e a grandeza da árvore quanto de derrubá-la sem nenhum respeito e transformá-la em dinheiro. E aquela árvore poderá, alquimicamente, transformar-se em carros e jóias, apartamentos e bebidas, saúde ou morte, amor ou prostituição. E não mais será uma árvore, embora continue “sendo” em todas essas coisas.
Recentemente ouvi uma palestra em que o orador dizia que a melhor imagem do pai era o Sol, pois dele nos vem a luz, o calor, a maior energia, a vida. E a melhor imagem da mãe era a Terra, pois ela constrói nosso corpo do seu, dela nos alimentamos e nela repousaremos para sempre.
Imagens arquetípicas do pai e da mãe, de deuses e deusas em quem a humanidade se representou milenarmente.
Tudo isso está lá, nas imagens, mas é preciso passar do 'que maravilha' para o 're-conhecimento', olhando e olhando, assim como somos chamados a fazer conosco no longo e difícil processo de saber quem somos".
Texto: Francisco Pucci
Fotos: National Geographic
Texto de abertura: Izabel Liviski
Agradecimentos: Cadu Silvério
Referência:
Ostrower, Fayga - A sensibilidade do intelecto, Editora Campus.
Izabel Liviski é Fotógrafa e Professora de Sociologia, disciplina na qual é Doutoranda pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual, escreve a coluna INCONTROS quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.
Texto: Francisco Pucci
Fotos: National Geographic
Texto de abertura: Izabel Liviski
Agradecimentos: Cadu Silvério
Referência:
Ostrower, Fayga - A sensibilidade do intelecto, Editora Campus.
Izabel Liviski é Fotógrafa e Professora de Sociologia, disciplina na qual é Doutoranda pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual, escreve a coluna INCONTROS quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.
2 comentários:
Texto maravilhoso!Quanta sensibilidade!Que profundo olhar sobre a vida,
16 de fevereiro de 2012 às 19:50sobre a beleza, sobre os significados! Amei!
Sônia
Legal, muito legal Isabel: o que nos remete a esse eterno sentido, que aí também se confirma, de que as palavras muito bem clicadas e reveladas pela sensibilidade, arranjadas pelo bom gosto, são símbolos ígualmente poderosos, são imagens intensas, são arte e ciência.
17 de fevereiro de 2012 às 15:17Baita abraço.
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