Pulsatilla
Olá, leitores da minha coluna quinzenal!
Ao decidir sobre o que escrever nessa matéria tantas e tantas ideias vieram à
minha mente, a ponto de eu me sentir um pouco perdido. Mas, enfim, encontrei
aquele ou aquela poesia que gostaria, não de analisar (como o fiz várias vezes)
e sim de apresentar e comentar. Afinal, poesia não possui um sentido uno. Por
ser ambígua, a forma poética permite que cada leitor relacione-se de maneira um
tanto particular, ouça, diga, grite, vivencie cada verso de acordo com os
sentimentos que lhe ascendem no contato com o poema.
Falarei, pois, de um poeta brasileiro
contemporâneo, com quem tive o prazer de conversar pessoalmente e de conhecer
um pouco dos poemas por ele escritos. Trata-se de Luis Maffei que, além de
viver da arte – uma vez que é professor de Literatura -, produz arte (música e
poesia). Seu mais recente livro de poemas, Pulsatilla,
desde a capa já instiga o leitor a imaginar o conteúdo que é revelado em seu
interior.
Como podem notar, a imagem da capa diz
respeito a uma cidade, mais especificamente a uma ponte, da qual temos uma
melhor visão da parte inferior. Percebe-se que há pichações nos muros e nas
vigas de sustentação da ponte e um outro aspecto, que aponta para a vivência de
pessoas nesse lugar, roupas secando. A capa revela o concreto das cidades
grandes e instiga a pensarmos na vida de muitas pessoas que vivem e/ou utilizam a parte alta e baixa
dessa ponte, todos os dias. Desde a capa, há a evidência de uma intertextualidade com as Artes Plásticas, o que também ocorre em relação a grandes figuras literárias, como Camões, Herberto Helder, Sartre, entre outros.
A cidade grande, elementos que
caracterizam a modernidade como destruição e construção de obras, lugares,
bancos, ônibus, carros, correria, entre outros elementos, povoam esse livro,
como observamos no poema “Tijuca Antes da Retirada de Sebastião”:
Da Henry Ford ao Banco
do
Brasil São
contei
setecentos e quarenta e
dois passos
se entendermos como um
cada
dois movimentos de
pernas
a duras penas
perfazem a ilusão de
uma só coisa
Dali o Carioca é só um
sonho
Carioca não existe mas
existe
o prédio que algum Deus
terá a ideia de
explodir
[...]
(MAFFEI, 2011, p. 20)
Outro
poema também exemplifica o cotidiano dos que vivem em grandes centros, por
isso, exporei alguns versos de “Cotejo 1”:
O
tipo no ônibus que a meu lado
estanca
tem
casaco
muita água
no
corpo
[...]
e
cotovelo maior que o
é
gordo a cidade é
gorda
e nunca fria Seu
casaco
o engorda um tanto mais que o
necessário
não
cabemos
fica
um osso a osso sem rigor só
coisa
entre algum braço e o ante
braço
de um não gordo
sem
casaco
Se
fixação medida a
boca
tinha eu que expor ao tipo minha
trena
sem
casaco
e boca a
boca
pois não
caibo
não cabemos
[...]
(MAFFEI, 2011, p. 21 - 22)
não cabemos
[...]
(MAFFEI, 2011, p. 21 - 22)
Há
também futebol “39 – Coritiba 3x2 Vasco [...]”, sátira do homem
moderno/contemporâneo “Grecin 2000”, amor “Fevereiro” – o qual apresento abaixo
alguns versos:
Como
estar morto nos
braços
de alguém mais
frágil
que eu mesmo quando o corpo deixa de achar
subsídios
para ser mais que
estar
morto em uns braços?
Seria
uma
imagem
seria um
começo
seria a aventura de
saber
de quem trato e de que
faz
o meu peso o meu
sopro
[...]
(MAFFEI, 2011, p. 15)
[...]
(MAFFEI, 2011, p. 15)
O livro é composto tanto de poemas
dotados de verso livre, como vimos acima, como também de soneto “Pau de Sebo”,
mesclando assim o elemento moderno e o clássico. Ou melhor dizendo, expressando
também através das formas fixas o eu que investiga o mundo a seu redor. Cada percepção
que pode ser vislumbrada pelo sujeito poético de Luis Maffei permite que ele
exprima seus sentimentos, a fim de conhecer o mundo, mas, principalmente,
permitindo-lhe conhecer a si mesmo cada vez melhor diante desse mundo no qual
Walter Benjamin já reconhecia que as coisas, muitas vezes, prevalecem sobre o
ser. Percebi, em minha leitura, que o lirismo se revela em cada situação, em
cada sentimento, jogo de palavras, rimas e que, como Baudelaire, L. Maffei
transforma em poema um mundo considerado sem poesia, um lugar concreto em que
predominam a falta de tempo, a comunicação veloz e rápida da internet, o amor,
novas formas de relacionar e ver aquilo que nos cerca.
Referência Bibliográfica:
MAFFEI, Luis. Pulsatilla. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2011.
Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.
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