sábado, 17 de março de 2012

Pulsatilla




Olá, leitores da minha coluna quinzenal! Ao decidir sobre o que escrever nessa matéria tantas e tantas ideias vieram à minha mente, a ponto de eu me sentir um pouco perdido. Mas, enfim, encontrei aquele ou aquela poesia que gostaria, não de analisar (como o fiz várias vezes) e sim de apresentar e comentar. Afinal, poesia não possui um sentido uno. Por ser ambígua, a forma poética permite que cada leitor relacione-se de maneira um tanto particular, ouça, diga, grite, vivencie cada verso de acordo com os sentimentos que lhe ascendem no contato com o poema.
Falarei, pois, de um poeta brasileiro contemporâneo, com quem tive o prazer de conversar pessoalmente e de conhecer um pouco dos poemas por ele escritos. Trata-se de Luis Maffei que, além de viver da arte – uma vez que é professor de Literatura -, produz arte (música e poesia). Seu mais recente livro de poemas, Pulsatilla, desde a capa já instiga o leitor a imaginar o conteúdo que é revelado em seu interior.


Como podem notar, a imagem da capa diz respeito a uma cidade, mais especificamente a uma ponte, da qual temos uma melhor visão da parte inferior. Percebe-se que há pichações nos muros e nas vigas de sustentação da ponte e um outro aspecto, que aponta para a vivência de pessoas nesse lugar, roupas secando. A capa revela o concreto das cidades grandes e instiga a pensarmos na vida de muitas pessoas que vivem e/ou utilizam a parte alta e baixa dessa ponte, todos os dias. Desde a capa, há a evidência de uma intertextualidade com as Artes Plásticas, o que também ocorre em relação a grandes figuras literárias, como Camões, Herberto Helder, Sartre, entre outros.
A cidade grande, elementos que caracterizam a modernidade como destruição e construção de obras, lugares, bancos, ônibus, carros, correria, entre outros elementos, povoam esse livro, como observamos no poema “Tijuca Antes da Retirada de Sebastião”:

Da Henry Ford ao Banco do
Brasil São
contei
setecentos e quarenta e dois passos
se entendermos como um cada
dois movimentos de pernas
a duras penas
perfazem a ilusão de uma só coisa

Dali o Carioca é só um
sonho
Carioca não existe mas existe
o prédio que algum Deus
terá a ideia de
explodir
[...]
 (MAFFEI, 2011, p. 20)

Outro poema também exemplifica o cotidiano dos que vivem em grandes centros, por isso, exporei alguns versos de “Cotejo 1”:

O tipo no ônibus que a meu lado
estanca tem
casaco muita água
no corpo
[...]
e cotovelo maior que o
cotovelo pois
é gordo a cidade é
gorda e nunca fria Seu
casaco o engorda um tanto mais que o
necessário
não cabemos
fica um osso a osso sem rigor só
coisa entre algum braço e o ante
braço de um não gordo
sem casaco
Se fixação medida a
boca tinha eu que expor ao tipo minha
trena sem
casaco e boca a
boca pois não
caibo
não cabemos
[...]
(MAFFEI, 2011, p. 21 - 22) 

Há também futebol “39 – Coritiba 3x2 Vasco [...]”, sátira do homem moderno/contemporâneo “Grecin 2000”, amor “Fevereiro” – o qual apresento abaixo alguns versos:

Como estar morto nos
braços de alguém mais
frágil que eu mesmo quando o corpo deixa de achar
subsídios para ser mais que
estar morto em uns braços?
Seria uma
imagem seria um
começo seria a aventura de
saber de quem trato e de que
faz o meu peso o meu
sopro
[...]
(MAFFEI, 2011, p. 15) 

O livro é composto tanto de poemas dotados de verso livre, como vimos acima, como também de soneto “Pau de Sebo”, mesclando assim o elemento moderno e o clássico. Ou melhor dizendo, expressando também através das formas fixas o eu que investiga o mundo a seu redor. Cada percepção que pode ser vislumbrada pelo sujeito poético de Luis Maffei permite que ele exprima seus sentimentos, a fim de conhecer o mundo, mas, principalmente, permitindo-lhe conhecer a si mesmo cada vez melhor diante desse mundo no qual Walter Benjamin já reconhecia que as coisas, muitas vezes, prevalecem sobre o ser. Percebi, em minha leitura, que o lirismo se revela em cada situação, em cada sentimento, jogo de palavras, rimas e que, como Baudelaire, L. Maffei transforma em poema um mundo considerado sem poesia, um lugar concreto em que predominam a falta de tempo, a comunicação veloz e rápida da internet, o amor, novas formas de relacionar e ver aquilo que nos cerca.




Referência Bibliográfica:


MAFFEI, Luis. Pulsatilla. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2011.



Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.

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