Vivendo em um lugar tranqüilo, exilado por vontade
própria e sem grandes pretensões, o escritor aposentado sai pela manhã em busca do ganha pão diário engraxando sapatos. Pela noite passa no restaurante da esquina para beber com os amigos e termina o dia em casa jantando a comidinha da mulher que o
espera com a calma de um Buda. Um vilarejo simples de Havre é o cenário perfeito escolhido pelo diretor Aki Kaurismäki para o
protagonista Marcel Marx (André Wilms) e sua esposa Arletty (Kati Outinem) existirem e viverem suas pacatas vidas; pacatas, não tolas. Com diálogos secos, frios, curtos e movimentos
minimalistas dos personagens, que chegam a provocar estranhamento aos menos avisados, o
diretor finlandês evidencia a sua costumeira ironia, sarcasmo e bom humor, já vistos em seus outros filmes. No entanto, em "O Porto", Aki consegue mostrar-se mais otimista e especialmente
humanista. “O Porto” está em cartaz nas salas de cinemas de todo Brasil trazendo personagens solidários e incrivelmente amáveis numa trama deliciosa que nos deixa com lágrimas nos olhos.
O diretor finlandês
Marcel Marx e o inspetor
O diretor tem sua parabólica virada para o lado dos sacrificados, dos fracos, dos oprimidos e dos perdedores. Pode-se dizer que estes são os temas mais tratados em seus filmes, diferente do seu extrovertido irmão Mika
Kaurismäk. Na “Trilogia de Helsinki”, Aki prefere
mostrar a vida de pessoas carentes em lugares poucos turísticos. Para quem não
conhece imagens da Finlândia, após assistir os filmes de Aki, continua sem conhecê-las.
Não há pistas do país, cenas que nos ofereça a beleza do
lugar. Se há alguma esperança em visualizar pontos turísticos da cidade de Helsinki ou
de qualquer outra parte da Finlândia é melhor se conformarem pois decididamente este não é o foco de seus filmes. Por exemplo, sua “Trilogia de Helsinki” mostra as vidas, as ilusões e os dissabores de cidadãos que vivem à
margem da sociedade. Como numa “Trilogia dos desamparados” os filmes se articulam dando ênfase ao lado mais bad da vida, evidenciando a situação
social da Finlândia. O primeiro “Nuvens
passageiras",
1996, o desemprego é o foco da trama;
em “O homem sem passado”, 2004, a situação dos moradores de rua é evidenciada e em “Luzes na
escuridão”, 2006, é a vez de falar da solidão.
Olhares profundos que emudecem a alma
Olhares desconfortáveis em situações inusitadas, enquadramentos demorados, pausas para nenhuma ação surpreendente. Sensação de "desbunde"....
Em “O Porto”, a imigração ilegal é mostrada a partir da entrada do menino imigrante africano Idrissa (Blondin Miguel) na trama.
Este filme se passa em Havre,
uma cidade portuária da Normandia, no entanto o estilo de Aki nos leva a outros lugares mais subjetivos, fazendo-nos esquecer do lugar físco e prestarmos mais atenção nos olhares, nas sensações e na encenação dos personagens.
A emoção de assistir o filme é única, é como estar dentro de um conto de fadas, com a leveza incrível numa trama bonita e sincera.
Alguns pontos são evidenciados como o trabalho da polícia, do investigador (a justiça), que se
contrapõem à solidariedade das pessoas do vilarejo. A realidade do diretor é sempre permeada por um tule fino cheio de pontos de possibilidades, um tanto improváveis, é verdade, mas que dentro da poética filmica tornam-se encantadoras.
Mundo paralelo - Arletty enfrenta a doença com passividade exacerbada
Para refletir a
imigração na França
“Partindo das periferias miseráveis de Paris, a revolta juvenil iniciada
na França a 27 de outubro se alastra para o interior das principais cidades
francesas. A região da Alsácia (nordeste) foi uma das áreas mais afetadas pela
onda de violência, com 40 carros queimados, a metade na capital, Estrasburgo.
No oeste do país, houve novos distúrbios e destruição em cidades como Ruan, Le
Havre, Nantes, Rennes, Caen, Tours e Quimper, com dezenas de carros incendiados.
Rapidamente, os confrontos se espalharam por 300 localidades na França,
incluindo Nice, Lyon, Marselha, Rennes, Nantes, Rouen e Quimper. O estopim da
revolta, iniciada por jovens filhos de imigrantes, em sua maioria do norte da
África, foi a morte não acidental de dois adolescentes, que morreram
eletrocutados ao entrar numa subestação de energia. Eles estavam tentando se
esconder da polícia.
No dia 30/10, uma bomba de gás lacrimogêneo lançada pela polícia
entrou em uma mesquita da periferia durante um ritual religioso. A revolta teve
início de maneira desordenada, mas foi se organizando à medida em que
transcorreram as noites. A maior parte dos manifestantes tem entre 14 e 20 anos
e são imigrantes africanos sem acesso aos estudos e ao mercado de trabalho. Até
8/11, mais de 6.000 veículos foram destruídos nos protestos, e um manifestante
foi morto.
Seguindo o exemplo, e adotando os mesmos métodos, jovens da Alemanha e
da Bélgica também começaram a se manifestar. A 9 de novembro, dez carros e uma
motocicleta foram incendiados em Berlim e em Colônia (oeste da Alemanha), em um
contágio dos “distúrbios” da França. Depois do rotundo não á
Constituição (capitalista) da União Européia, nos recentes plebiscitos, que
instalou a crise no projeto da UE, este foi o desdobramento político e social
necessário. A crise “de cima” começa a se transformar em revolta “de baixo”. Os
sintomas da revolução começam a se acumular no horizonte histórico do
berço do capital (a Europa).[1]”
[1] Segundo Le Monde, “A onda de
violência que atingiu a periferia parisiense suscita mais perguntas que
respostas. Há versões que aludem a uma revolução social em marcha.
Outras atribuem os confrontos a vandalismo organizado e ao abandono do governo,
mas, acima de tudo, predomina a sensação de que a questão da guerrilha
urbana se apóia nas incertezas de um modelo de integração falido” (grifo
nosso).
Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sobre a direção de Antônio Benega.
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