quinta-feira, 15 de março de 2012

“O Porto”, filme do finlandês Aki Kaurismäki: mesmo estilo, mais otimismo.

Vivendo em um lugar tranqüilo, exilado por vontade própria e sem grandes pretensões, o escritor aposentado sai  pela manhã em busca do ganha pão diário engraxando sapatos. Pela noite passa no restaurante da esquina para beber com os amigos e termina o dia em casa jantando a comidinha da mulher que o espera com a calma de um Buda. Um vilarejo simples de Havre é o cenário perfeito escolhido pelo diretor Aki Kaurismäki para o protagonista Marcel Marx (André Wilms) e sua esposa Arletty (Kati Outinem) existirem e viverem suas pacatas vidas; pacatas, não tolas. Com diálogos secos, frios, curtos e movimentos minimalistas dos personagens, que chegam a provocar estranhamento aos menos avisados, o diretor finlandês evidencia a sua costumeira ironia,  sarcasmo  e  bom humor, já vistos em seus outros filmes. No entanto, em "O Porto", Aki consegue mostrar-se mais otimista e especialmente humanista. “O Porto” está em cartaz nas salas de cinemas de todo Brasil trazendo personagens solidários e incrivelmente amáveis numa trama deliciosa que nos deixa com lágrimas nos olhos.

O diretor finlandês 
Marcel Marx e o inspetor 
O diretor tem sua parabólica virada para o lado dos sacrificados, dos fracos, dos oprimidos  e dos perdedores. Pode-se dizer que estes são os temas mais tratados em seus filmes, diferente do seu extrovertido irmão Mika Kaurismäk.  Na “Trilogia de Helsinki”, Aki prefere mostrar a vida de pessoas carentes em lugares poucos turísticos. Para quem não conhece imagens da Finlândia, após assistir os filmes de Aki, continua sem conhecê-las. Não há pistas do país, cenas que nos ofereça a beleza do lugar. Se há alguma esperança em visualizar pontos turísticos da cidade de Helsinki ou de qualquer outra parte da Finlândia é melhor se conformarem pois decididamente este não é o foco de seus filmes. Por exemplo, sua “Trilogia de Helsinki” mostra as vidas, as ilusões e os dissabores de cidadãos que vivem à margem da sociedade. Como numa “Trilogia dos desamparados” os filmes se articulam dando ênfase ao lado mais bad da vida, evidenciando a situação social da Finlândia. O primeiro Nuvens passageiras", 1996, o desemprego é o foco da trama; em “O homem sem passado”, 2004,  a situação dos moradores de rua é evidenciada e em “Luzes na escuridão”, 2006, é a vez de falar da solidão.
Olhares profundos que emudecem a alma


Olhares desconfortáveis em situações inusitadas,  enquadramentos demorados, pausas para nenhuma ação surpreendente. Sensação de "desbunde"....


 Em “O Porto”, a imigração ilegal é mostrada a partir da entrada do menino imigrante africano Idrissa (Blondin Miguel) na trama. 

Este filme  se passa em Havre, uma cidade portuária da Normandia, no entanto o estilo de Aki nos leva a outros lugares mais subjetivos, fazendo-nos esquecer do lugar físco e prestarmos mais atenção nos olhares, nas sensações e na encenação dos personagens.

A emoção de assistir o filme é única, é como estar dentro de um conto de fadas, com a leveza incrível numa trama bonita e sincera. Alguns pontos são evidenciados como o trabalho da polícia, do investigador (a justiça), que se contrapõem à solidariedade das pessoas do vilarejo. A realidade do diretor é sempre permeada por um tule fino cheio de pontos de possibilidades, um tanto improváveis, é verdade, mas que dentro da poética filmica tornam-se encantadoras. 
Mundo paralelo - Arletty enfrenta a doença com passividade exacerbada




Para refletir a imigração na França



“Partindo das periferias miseráveis de Paris, a revolta juvenil iniciada na França a 27 de outubro se alastra para o interior das principais cidades francesas. A região da Alsácia (nordeste) foi uma das áreas mais afetadas pela onda de violência, com 40 carros queimados, a metade na capital, Estrasburgo. No oeste do país, houve novos distúrbios e destruição em cidades como Ruan, Le Havre, Nantes, Rennes, Caen, Tours e Quimper, com dezenas de carros incendiados. Rapidamente, os confrontos se espalharam por 300 localidades na França, incluindo Nice, Lyon, Marselha, Rennes, Nantes, Rouen e Quimper. O estopim da revolta, iniciada por jovens filhos de imigrantes, em sua maioria do norte da África, foi a morte não acidental de dois adolescentes, que morreram eletrocutados ao entrar numa subestação de energia. Eles estavam tentando se esconder da polícia.

No dia 30/10, uma bomba de gás lacrimogêneo lançada pela  polícia entrou em uma mesquita da periferia durante um ritual religioso. A revolta teve início de maneira desordenada, mas foi se organizando à medida em que transcorreram as noites. A maior parte dos manifestantes tem entre 14 e 20 anos e são imigrantes africanos sem acesso aos estudos e ao mercado de trabalho. Até 8/11, mais de 6.000 veículos foram destruídos nos protestos, e um manifestante foi morto.

Seguindo o exemplo, e adotando os mesmos métodos, jovens da Alemanha e da Bélgica também começaram a se manifestar. A 9 de novembro, dez carros e uma motocicleta foram incendiados em Berlim e em Colônia (oeste da Alemanha), em um contágio dos “distúrbios” da França. Depois do rotundo não á Constituição (capitalista) da União Européia, nos recentes plebiscitos, que instalou a crise no projeto da UE, este foi o desdobramento político e social necessário. A crise “de cima” começa a se transformar em revolta “de baixo”. Os sintomas da revolução começam a se acumular no horizonte histórico do berço do capital (a Europa).[1]”
[1] Segundo Le Monde, “A onda de violência que atingiu a periferia parisiense suscita mais perguntas que respostas. Há versões que aludem a uma revolução social em marcha. Outras atribuem os confrontos a vandalismo organizado e ao abandono do governo, mas, acima de tudo, predomina a sensação de que a questão da guerrilha urbana se apóia nas incertezas de um modelo de integração falido” (grifo nosso).
Veja mais em: A revolta da juventude na França
Bons filmes e reflexões !!!

Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sobre a direção de Antônio Benega.

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