quarta-feira, 11 de abril de 2012

Araguaia: história submersa




Nas duas colunas anteriores, abordamos dois aspectos diferentes sobre as vozes do silêncio. Na verdade, apontamos gêneros literários que trazem em seu bojo as vozes antes sufocadas pela ditadura militar brasileira. No texto de 29 de fevereiro, além de introduzir o assunto, comentamos o romance de Luiz Fernando Emediato, Verdes Anos, falamos sobre a dificuldade da pesquisa, certa desatenção para a temática (que nem é tão grande; ainda falarei sobre isso neste espaço), a dificuldade de encontrar materiais etc. No segundo texto, publicado em 21 de março, sobre a literatura infantil, ou mais especificamente sobre a Coleção Taba – Histórias e canções brasileiras, destacamos o fato de nem mesmo a literatura para crianças ter passado sem se aperceber da realidade histórica circudante, pelo contrário, ter se tornado instrumento de combate (ou de modo mais ameno, de reflexão sobre a matéria bruta da história).

Hoje, optei por sair um pouco da representação simbólica (arte, literatura, etc) para indicar aos leitores outro meio como o silêncio tem se expressado, como os interditos encontram frinchas para dizer. Especialmente no que se refere à “página infeliz de nossa história” ou ainda sobre os rodapés desta página. Existem vários documentários a respeito do recorte histórico 64-84/5. A lista passa dos 50. Se incluirmos os vídeos amadores postados no youtube e os vídeos da “verdade sufocada”, devemos ultrapassar 200.


Um dos vídeos não-profissionais (mas nem tão amador) que acho valer a pena assistir foi feito por Roger Turchetti e tem por título: “Ditadura Miltar no Brasil onde tudo começou?”. No próprio youtube consta o resumo que transcrevo aqui: “Matéria que fala sobre este triste período da história de nosso país. Através do olhar de Roniwalter Jatobá (jornalista/ escritor), que trabalhou numa das principais revistas que era contra este regime militar. E Brenno Silveira (Ex-Hippie), que foi Hippie. Contam como foi o regime Militar com os presidentes da época, milagre econômico, censura, movimentos revolucionários e muito mais”. Um documentário também pertinente e que assistido logo após o anterior funcionaria como um caminho didático para quem ingressa na temática e também como cronologia é: “O dia que durou 21 anos”, produzido pela TV Brasil. Nele, sabemos como ocorreu o golpe, quais os interesses e motivações, mas principalmente como foi a participação do E.U.A. na “contra-revolução”. Seguindo esta ordem, creio que o documentário seguinte seria “Tempo de Resistência” de Leopoldo Paulino (há também um livro com o mesmo título) e depois “AI 5: o dia que não existiu". Após assistir esses quatro documentários, o neófito no assunto estará de vez dentro do furacão (para usar uma expressão comum para se referir aos piores anos dos piores anos do Brasil recente).

Além desses, e para se aproximar mais ainda de um canto de grilo, de canto sussurrado de grilo, sugiro que se assista a documentários sobre a Guerrilha do Araguaia. Um deles produzido pela TV Brasil para o Caminhos da Reportagem e disponível no canal da emissora no youtube. Ainda é um documentário bastante higienizado, cheio de dedos, como se diz. Ou seja, documenta, expõe, tomando muitos cuidados, restrito a uma parcialidade que beira a estereotipia, mas que serve como introdução ao assunto. Se a ditadura no Brasil ainda carece de vozes, se ainda necessita de relatos, seja para a conciliação nacional, seja para o trabalho de luto. (E aqui está um dos fulcros do problema.) A Guerrilha do Araguaia é um episódio da história que está ainda mais submerso. Nisso, também a região está no atraso. Ainda um clima de Idade Média, ainda um receio de falar, ainda vozes silenciadas.

Daí a importante de um documentário como Araguaia: campo sagrado, realizado pela produtora Labor Filmes, resultado de um projeto organizado pelo professor Evandro Medeiros, na época em que estava lotado no Campus da UFPa. O documentário traz “relatos de camponeses, ex-mateiros e ex-soldados que testemunharam e foram vítimas das ações do exército durante o período da Guerrilha do Araguaia”. Chama a atenção não apenas pelo fato de fugir a certa “cleanização” dos fatos, mas também pela organização, seleção, encadeamento da narrativa. Destaque ainda precisa ser dado ao discurso do discurso. Mateiros, camponeses, viúvas, ex-militares, etc. não só falam sobre os fatos, mas revelam uma consciência histórica muito forte. Eles falam sobre os discursos gerados sobre a Guerrilha, sobre o fato de os brasileiros não fazerem a mínima ideia do que ocorreu e também para a dificuldade de trazer à tona a verdade. (veja um trecho do documentário em: http://www.youtube.com/watch?v=rmukVH8H77c)

Quando li que os mortos da guerrilha começariam ser desenterrados, pensei comigo: daí virão muitas narrativas. Os mortos falam, os cadáveres falam. No Araguaia, entretanto, o silêncio perdura, não há cadáveres, os mortos nada dizem e os vivos dizem muito pouco. A história da guerrilha do Araguaia continua, e ainda continuará (não há perspectivas de que isso mude) por algum tempo, submersa, sagrada, imperscrutável.


Abilio Pacheco é professor universitário, escritor e organizador de antologias. Três livros publicados. É membro correspondente da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense (com sede em Marabá), integra o conselho de redacção da Revista EisFluências, de Portugal, é Cônsul dos Poetas Del Mundo para o Estado do Pará e é Embaixador da Paz pelo Cercle Universal des Ambassadeurs de la Pax (Genebra-Suiça). Site: www.abiliopacheco.com.br.


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