sábado, 12 de maio de 2012

As três mulheres do sabonete Araxá





         Hoje é um daqueles dias em que sabemos que nossa vida exige um pouco mais de poesia. Afirmação abrangente como essa pode nos levar a milhões de postulações e questionamentos, mas, simplesmente, para mim, neste dia sinto-me impelido a mergulhar na obra poética de um poeta brasileiro tão conhecido e que merece mais atenção. Manuel Bandeira. Não nos embrenhando tanto na vida e história deste autor, nos deixemos levar por alguns poemas que fazem parte do rol daqueles de que mais gosto (Os interessados em saber sobre esse poeta, acessem aqui).

Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
(BANDEIRA, 1985, p. 208)

       Sabem aquelas impressões de leitura que temos à primeira vez que lemos algo que nos toca? Quando li esse poema aos 16 anos fiquei impressionado com a amizade entre o menino e o porquinho, mas o último verso me deixou muito curioso. Como assim, primeira namorada? Só, anos depois desta primeira leitura, voltei ao poema e comecei a perceber que esse poema é uma rememoração do eu lírico quanto ao momento da infância em que ele dedicava todo seu afeto a um animalzinho de estimação, tão arredio. O último verso surge com um tom cômico, no qual alguém relembra a infância e os amores que ali surgiram.
Outro poema que me deixa sempre muito apaixonado é “Irene no Céu”:

Irene no céu

Irene preta

Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
(BANDEIRA, 1985, p. 220).


          Esse poema também lido, primeiramente aos 16 anos, me deixou um pouco triste na primeira vez que com ele travei contato. Pensava nas muitas Irenes que há pelo mundo, tantas mulheres boas, bem humorada que possam a vida a cuidar dos filhos dos outros. Essas memória do eu lírico fizeram com que diretamente eu descobrisse as minhas próprias. Bem lembrei de tantas pessoas que conheci de bem com a vida e sempre de bom humor, todas capazes de chagar ao céu e pedir licença a São Pedro, bem como Irene faria.
O último poema que destacarei hoje também marca essa minha primeira leitura de Manuel Bandeira, em uma época que eu ainda nem imaginava me embrenhar pelos campos da literatura, mas que com certeza, a leitura dos versos deste grande artista contribuíram, e muito, para minhas escolhas, neste caso, profissionais e pessoais.

Balada das Três Mulheres do Sabonete Araxá 

As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam.
Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!

Que outros, não eu, a pedra cortem
Para brutais vos adorarem,
Ó brancaranas azedas,
Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata
Ou celestes africanas:
Que eu vivo, padeço e morro só pelas três mulheres do sabonete Araxá!
São amigas, são irmãs, são amantes as três mulheres do sabonete Araxá?

São prostitutas, são declamadoras, são acrobatas?
São as três Marias?

Meu Deus, serão as três Marias?

A mais nua é doirada borboleta.
Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, dava pra beber e nunca mais telefonava.
Mas se a terceira morresse…Oh, então, nunca mais a minha vida outrora teria sido um festim!

Se me perguntassem: queres ser estrela? queres ser rei?
queres uma ilha no Pacífico? Um bangalô em Copacabana?
Eu responderia: Não quero nada disso, tetrarca. Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá:
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!
(BANDEIRA, 1985, p. 228).

           Este último poema de M. Bandeira eu deixou para que cada leitor possa degustar e, se puder, compartilhar conosco as suas próprias impressões de leituras nos comentários. Eu só digo que daria “O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá”.

Referência :
BANDEIRA, Manuel.Poesia Completa e prosa. Volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1985.

Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.

1 comentários:

Regina Dutra disse...

"Irene no céu ...
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
(BANDEIRA, 1985, p. 220)." Um dos poemas mais belos de BANDEIRA... traz-me recordações da infância, onde ainda era hábito das famílias ter babás e amas de leite, sempre negras. Lindas criaturas, dóceis, sábias,amorosas.Por elas sempre tive um respeito imenso. Minha tia recitava esse poema, sempre para homenagear ZUZU, esse era seu apelido (mas seu nome não era Irene),babá e ama de leite de seus filhos. E tanto ela como seu marido a chamada de irmã... sim, ZUZU era a irmã do coração, e os filhos tomavam-lhe a benção. Sem preconceitos tolos. Lembro-me que ela andava descalça, sabia de rezas e ervas que curavam tudo... grande ZUZU, tenho certeza que São Pedro, bonachão, não só abriu-lhe as portas do céu mas as entregou a você.

18 de maio de 2012 às 02:32

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