sexta-feira, 11 de maio de 2012

Beto Brant em Eu receberia as Piores Notícias... : corpos que se amam numa trama de sexo, amor e Brasis....

Beto Brant faz cinema como quem cria poesia. Sua estética cinematográfica vem da observação do caos das grandes cidades, de suas perversões e amores vivenciadas num mundo fragmentado de luzes, cores e sons. Os faróis dos carros, as luzes das baladas, os totens luminosos, fachadas de bares, são delineados por sons de buzinas, pneus que rolam no asfalto e que se mesclam aos sons musicais de rock, de música eletrônica e de rap. 
Beto Brant
Neste universo de Brant também coexiste o espaço interno, entre quatro paredes as ardentes relações amorosas desvelam personagens enigmáticos que intercalam; silêncio, conversas filosóficas com transas ardentes. Em sua verve poética evidencia planos seqüências, enquadramentos fechados e pausas para contemplar.  Solto e enigmático, ele se dá luxo de desbravar o íntimo dos personagens, faz isso como ninguém. Tem a seu favor, a capacidade de ser gentil com os atores, dando-lhes espaço para discutirem e criarem a corporalidade dos personagens em cena; olhares, vozes, sussurros e movimentos.
Marçal Aquino

Não é à toa que o diretor tem como parceiros o escritor e roteirista Marçal Aquino e Renato Ciasta, na maioria de suas produções, exaltando a poesia via mazelas e amores humanos. Os eixos dramáticos de seus filmes, perpassam por questões políticas e sociais nas quais expõe, entre outras coisas, a sobrevivência humana no submundo urbano. Denuncia de forma escancarada a impunidade e a violência nestes Brasis de meu deus, fortalecidas pelo descaso das autoridades.
Camila Pitanga 
Em seus últimos filmes, Brant se rende as relações amorosas extremas, mais intimistas com paixões intensas vividas até as últimas conseqüências.  Em Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios, especificamente, propõe um pensamento mais direcionado ao Estado do Pará, expondo, como pano de fundo, o desmatamento, o abandono do poder público e a religião, estruturarando um triângulo amoroso que tem a personagem Lavínia como pivô.
Corpos suados, nus, entregues aos desejos mais nobres e devassos do amor; bocas, lábios e pernas que se enroscam entre peitos, cabelos e mãos. 

Imagens do filme Eu Reberia as Piores Notícias ...
Essas que percorrem caminhos  inusitados de prazer num ambiente fechado, constante, como em um ninho de amor cercado por tintas, câmeras, telas... A arte presente. Câmeras fotográficas, quadros, poesia, teatro; a metalinguagem  é o combustível de Brant para discutir a arte e a vida, a paixão e o desejo.
Beto Brant percorreu um caminho de sucesso e prêmios em suas produções audiovisuais, que vão desde videoclipes de músicas dos Titãs, como todas do álbum Titanomaquia, 1993, passando pelo curta , 1993, ganhador do prêmio de melhor curta-metragem no Festival de Havana e aportando nos seus três primeiros longas: Os Matadores, 1997, Ação entre Amigos, 1998, e O Invasor, 2001, que registram cenas de violência urbana e política. Filmes também premiados em Festivais, como por exemplo O Invasor , que foi premiado como: melhor diretor, melhor trilha sonora e melhor ator revelação para Paulo Miklos, do Titãs, no Festival de Brasília. 
Cão sem Dono
Crime Delicado
Num segundo momento, Brant se empenhou em realizar filmes mais poéticos e intimistas: Crime Delicado, 2005, Cão sem Dono, 2007, O Amor Segundo B. Schianberg, 2009 e Eu Receberia as Piores Notícias dois seus Lindos Lábios, 2011, e é exatamente nestes que o diretor se deleita entre poesia, corpos e arte....
Na mistura de violência e paixão, os filmes traçam caminhos que, delicadamente levam o espectador a adentrarem num universo claustrofóbico, às vezes circular, de corpos que sentem e falam. Corpos que sentem e pensam, falam e interagem com este pensamento, como num círculo que retoma ao seu ponto inicial, voltando-se sempre para o corpo.
Eu Receberia as piores Notícias dos seus Lindos Lábios, foi inspirado no livro homônimo de Marçal Aquino, publicado pela Companhia das Letras, 2005. Aquino já foi parceiro de Brant em outros filmes e a boa química da dupla pode ser conferida, por exemplo, em: O Amor Segundo B. Schianberg e Cão sem Dono.
A história do triângulo amoroso entre a inquietante e sensual Lavínia ( Camila Pitanga), o pastor Ernani (Zé Carlos Machado) e o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado)  reafirma a fase do diretor em focar suas atenções nas relações complexas e inquietantes. A fotografia compõe o eixo artístico e temático do filme. O amor de Cauby por Lavínia perpassa pelo olhar da objetiva. Fotos de Lavínia povoam a casa do fotógrafo e os olhos dele são os da própria objetiva da câmera. Como em Crime Delicado, em que o pintor necessita das  tintas e telas para amar sua musa. Em Eu Receberia as Piores Notícias... Lavínia se deixa fotografar por Cauby e aceita seu fetiche posando para ele como uma musa eterna. Nada na relação dos dois faz algum sentido fora dos corpos que se procuram, se roçam e se amam. Seus diálogos são vazios e seus corpos ardentes. Há algo de lacônico em seus encontros. Com o decorrer do filme e alguns flashbacks depois, começamos a entender de onde veio Lavínia e entendermos a relação dela com o pastor Ernani. Neste filme os diálogos do casal são raros.


A falta de diálogo entre Lavínia e Cauby deixa um ar de mistério que se resolve, um pouco, com a amizade insólita que Cauby mantém com o jornalista,  Viktor Laurence, uma espécie de amigo que tem como intuito fazer o contraponto entre  poesia e a realidade, amizade e traição.
Em Eu Receberia as Piores Noticias de seus Lindos Lábios, o diretor articula de forma mais complexa a espacialidade fílmica intercalando tramas que ocorrem em espaços externos e internos. Neste, os espaços são mais trabalhados do que em seus outros filmes de amor. A atuação de Camila Pitanga, como Lavínia, ajuda a história deslanchar, mais pela beleza de seu corpo  e pertinência da atriz com o personagem do que pela atuação em si, mesmo assim, foi a melhor Camila Pitanga que já vi em cena. Gostei muito de rever  o ator Gero Camilo, diga-se de passagem pouco aproveitado na dramaturgia nacional, fazendo o papel do jornalista Viktor Laurence. Vi o Gero se formando na EAD – USP, há uns 7 anos atrás e depois o vi em Bicho de sete Cabeças e em outros filmes de Brant. Uma pena vê-lo tão pouco, ótimo ator. É incrível a cena da piscina em que Viktor contracena com Cauby, reparem.

Gero Camilo, impecável 

Vejam o trailer:


Ótimo filme, vale muito a pena conferir.


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.

1 comentários:

Gota disse...

Uma coisa me incomoda nos filmes brasileiros, essa ardência sexual sem necessidade de se construir um personagem.

Acredito que vivemos até hoje de pornoxanxada, seja no cinema, seja no funk, seja na tv (pânico e outros). Sinto falta de roteiro nos filmes brasileiros. Ninguém se dá ao luxo de construir um personagem com cuidado, tudo que temos é um vazio cheio de desejos sexuais. Quando muito, temos um ícone de pobreza, igualmente vazio, sofrendo em uma favela - aí, como não tem personagem, coloca favela e pobreza pra tapar o buraco.

Pode me chamar de chata, mas filme brasileiro me irrita muito, junto com as novelas, tirando algumas poucas exceções como Reflexões de um Liquidificador e Tropa de Elite. E, se é pra ser carnal, cá entre nós, que seja Amarelo Manga.

12 de maio de 2012 às 03:12

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