quinta-feira, 24 de maio de 2012

DEPOIS ou AGORA? A SAGA de ADRIENNE RICH


“É necessário que eu escreva
de modo tão indireto
sobre a situação?
É isso que vocês querem que eu faça?”
                                                     (Adrienne Rich – Then or Now)

Certamente era esse o desejo das estruturas de dominação que Adrienne Rich chamava de “patriarcais”: - que ela se calasse ou, na pior das hipóteses, tocasse na “situação” apenas de modo indireto e distante.

Em vez de silenciar ou tergiversar, como é comum hoje em dia, nesses tempos de medo e escuridão crítica, disfarçados de carnavalescas liberdades, a poeta, escritora e ativista norte-americana Adrienne Rich desafiou abertamente a ordem perversa de um mundo marcadamente masculino, fundado na divisão binária dos gêneros e, segundo ela, na “heterossexualidade compulsória”.

Nascida em plena crise do final dos anos vinte (Baltimore, 16-05-1929), Adrienne Rich viveu intensamente todas as grandes crises da segunda metade do século XX, sabendo conciliar, com extremo vigor e sensibilidade, vocações tidas em geral como diametralmente opostas, como a visão poética e a visão política da vida, a reflexão pessoal e a busca pela compreensão do plano coletivo e universal.

É a partir destas sínteses dialéticas que deve ser lida a sua vasta obra poética e literária: tudo que ela escreve está recheado de vívida paixão e crítica social contundente. Embora de uma transparência e clareza viscerais, seus textos – tanto os poéticos quanto os políticos –, recusam-se terminantemente a serem lidos apenas de modo formal, dentro de qualquer lógica retilínea e uniforme. Para mergulhar no que ela diz, é preciso deixar-se contaminar pela paixão com que ela viveu e defendeu a causa cardinal de sua vida: a dignidade do ser humano. “Ser humano”, livre de rótulos como gênero, raça e orientação sexual.

Casou-se, em 1953, com Alfred H. Conrad, professor de economia em Harvard, no rastro de fantasia do “sonho americano”, como ela própria disse, tendo com ele três filhos homens.
Em 1955, ao publicar seu segundo livro de poesia, The Diamond Cutters (Os cortadores de diamante) recebeu o seguinte comentário do crítico americano Randall Jarrell: "É impossível deixar de ver a poeta [por trás desses poemas] como uma espécie de princesa em um conto de fadas."

Contudo, muito cedo, Adrienne Rich descobriria a inoperância da sua entrega e subserviência a esse modelar “conto-de-fadas”, de ordem nitidamente masculina e “patriarcal”, para usar a própria terminologia que ela introduziu.

Ao longo da década de 1960, Rich escreveu diversos trabalhos poéticos, através dos quais ficou evidente as mudanças radicais que estavam em andamento no seu estilo de vida. Snapshots of a Daughter-in-Law (Fotos de uma Enteada, de 1963) e Leaflets (Folhetos, de 1969), revelam uma mulher crescentemente em confronto com os valores e formas tradicionais da sociedade, voltada para temas polêmicos e controversos, como racismo, o papel da mulher e a guerra do Vietnam.

Em 1970, Rich separa-se do marido, que acaba cometendo suicídio mais tarde, neste mesmo ano. Seis anos mais tarde, assume sua relação homoafetiva com Michelle Cliff, novelista de origem jamaicana, com quem vive até o final da vida, concomitantemente ao lançamento da obra Of Woman Born (Nascido[a] de Uma Mulher, de 1976).

A partir daí, sua vida pessoal passa a se confundir com sua própria obra , tornando-se o melhor testemunho da sua insurreição contra a ordem “patriarcal”, exaustivamente dissecada e denunciada nesta sua clássica prosa literária, uma aguda reflexão crítica sobre a maternidade e a condição da mulher, onde Rich incorpora, com notável habilidade intelectual, sua experiência de mãe e sua visceral militância feminista. Como ela disse em um depoimento de 2002, amadureceu para assumir "seu lesbianismo reprimido desde a adolescência". Este livro – pioneiro, sensível e corajoso - será sempre considerado um marco nos estudos sobre a condição da mulher na sociedade, como mãe, esposa, filha e, principalmente, como mulher.

Outro de seus trabalhos, considerado como um dos melhores,  é Mergulho no Naufrágio - uma história verdadeiramente estranha narrada por um explorador solitário que mergulha em águas profundas para descobrir algo terrível. Há muitas interpretações: seria uma história sobre sexo, é autobiográfico, é uma história sobre mitos ou sobre a morte do ego? Há uma grande releitura desse trabalho pela poeta Anne Waldman.

Adrienne Rich morreu no dia 27 de março deste ano, aos 82 anos, depois de viver o que se pode chamar de uma vida fértil e engajada com os mais importantes ideais que alimentaram os espíritos verdadeiramente livres de todos os tempos. Como mulher, seu legado será lembrado para sempre como um plantio fértil, que continua e ainda continuará dando frutos e sementes, a despeito das condições ainda tão hostis do terreno.

Para concluir, um pequeno poema de Rich, Women escrito em 1968, onde ela descreve com sensibilidade e inteligência, as mulheres mais próximas dela, suas três irmãs. A tradução, foi feita por mim, de forma livre.

Mulheres

Minhas três irmãs estão sentadas
em rochas negras de obsidiana.
Pela primeira vez, à esta luz,  posso ver quem elas são.


Minha primeira irmã está costurando seu traje para a procissão.
Ela está indo como a 'Senhora Transparente'
e todos os seus nervos ficarão visíveis.


Minha segunda irmã também está costurando,
uma costura sobre o coração, que nunca cicatrizou completamente.
Por fim, ela espera, este aperto no peito em breve vai passar.


Minha terceira irmã está olhando
para uma crosta vermelho-escura que se espalha para o oeste distante, para fora no mar.
Suas meias estão rasgadas mas ainda assim, ela é muito bela.

******

Texto principal: Geraldo Eustáquio de Souza*

Texto adicional: Izabel Liviski

*Geraldo Eustáquio de Souza (Letícia Lanz), é economista, tem mestrado em administração de empresas e  é psicanalista. Atualmente é mestrando em Sociologia pela UFPR. É também poeta, escritor e ensaista crítico, com diversos livros e artigos publicados.

Assista a um vídeo exclusivo sobre a trajetória de Adrienne Rich, autoria de Geraldo Eustáquio (Leticia Lanz):
http://www.leticialanz.org/

A seguir, a programação da Primeira Jornada de Pesquisa do Grupo "MULHERES E PRODUÇÃO CULTURAL", que terá lugar na UFPR, nos dias 25 e 26 de maio de 2012:

PROGRAMAÇÃO:
Coordenadora : Dra. Miriam Adelman, Programa de Pós-graduação em Sociologia, UFPR.
Vice coordenadora: Dra. Anna Beatriz Paula, SEPT, UFPR.

Sexta-feira, 25 de maio
Sessão 1: 9:00-12:00
Expositoras:
Cleusa Gomes, UNILA. “Gênero e práticas intersexuais no cinema latino americano”
Alexsandra Piasecka-Till, UFPR. “Atlas de bolso das mulheres” de Sylwia Chutnik: Intertextualidade, interdiscursividade e gênero social.”
Natália de Santana Guerellus, UFPR. “ Como um castelo de cartas: A construção da memória sobre a trajetória política de Rachel de Queiroz”
Daniele Shorne de Souza, UFPR. “A CIDADE DAS DAMAS E O SEU TESOURO: A PROBLEMATIZAÇÃO DA FEMINILIDADE POR CRISTINA DE PIZÁN NA FRANÇA DO INÍCIO DO SÉCULO XV
Joana Pupo, UEPG. “A INVISIBILIDADE DA AUTORIA FEMININA NO ROMANTISMO INGLÊS – A EXIGÊNCIA DE UMA MUDANÇA DE PARADIGMA”
Coordenadora da sessão: Ana Paula Vosne Martins, DEHIS/UFPR.

Sessão 2: 14:00hs.-16:00hs.

Flora Morena Maria Martini de Araújo. PARA ALÉM DE SOPHIE: A CONSTRUÇÃO DO MODELO FEMININO NAS OBRAS LES CONVERSATIONS D´EMILIE, DE MADAME D´ÉPINAY, E CORINNE, DE MADAME DE STAËL
Silvana Scarinci, PPGMúsica/UFPR. “Dido, Didon, Didone: três diferentes representações da personagem feminina de Virgílio em óperas do século XVII inglesa, francesa e italiana.”
Anadir dos Reis Miranda, DEHIS/UFPR. “Mary Wollstonecraft e a produção de romances sentimentais na Inglaterra Setecentista”
Coordenadora da sessão: Miriam Adelman, DECISO/UFPR.

Sessão 3:- 16:30hs.- 18:00hs.

Maria Josele Bucco-Coelho, UFPR “Entre lugares discursivos: a ressemantização do sujeito subalterno na ficção histórica contemporânea”.
Miriam Adelman, DECISO/UFPR e Renata Senna Garrafoni, DEHIS/UFPR. “Escritoras da Geração Beat”.
Milena Costa de Souza, FAP. “Encontros Teóricos e Prática Artística: as teorias feministas e pós-colonial e o desenvolvimento da poética de Kara Walker”.
Coordenadora da sessão: Anna Beatriz Paula (SEPT, UFPR)
Local de sessões 1, 2 e 3: Sala da Pós-graduação em Sociologia (Rua General Carneiro, 460 9 andar)

Evento cultural: Homenagem à escritora e poeta Adrienne Rich, com leitura bi-lingue de poesias e discussão sobre a obra da autora.
Dia 26/05- sexta-feira:
Horário: 19:00hs. – 21:00 hs.
Local: Bar Fidel- Rua: Jaime Reis, 320, Centro.

Sábado, 26 de maio
Mesa-Redonda: As Mulheres e a Produção Literária.
Local: Sala da Pós-graduação em História (Rua General Carneiro, 460, 6o andar)
Expositoras:
Beatriz Polidori Zechlinski, “Amizade e Criação Literária no Século XVII: Observações sobre os laços afectivos entre Madame de La Fayette e Gilles Ménage.”
Anna Beatriz Paula, “Exílio e deslocamentos em Fasting and Feasting, de Anita Desai”
Lucia Cherem, UFPR-Delin: "George Sand-Aurore Dupin: escritora, jornalista e mulher política (1804-1876)".
Coordenadora: Ana Paula Vosne Martins (DEHIS, UFPR)

Universidade Federal do Paraná: Rua XV de Novembro, 1299 -  Centro - CEP: 80.060-000 
Curitiba - PR - Brasil - Fone: (41) 3360-5000.



Izabel Liviski é Fotógrafa e Doutoranda em Sociologia pela UFPR.  Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e da Cultura e Antropologia Visual.  Escreve a coluna Incontros quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.





3 comentários:

Miriam Adelman disse...

Obrigada, Izabel e Geraldo! Só para avisar, uma correção na programação: Na mesa do sábado de manhã, teremos também a participação da professora Lucia Cherem,UFPR Delin " George Sand – Aurore Dupin: escritora, jornalista e mulher política (1804- 1876)"

24 de maio de 2012 às 09:49
Incontros- foto&texto disse...

Oi Miriam,

Já foi devidamente corrigido no texto, abraço.

25 de maio de 2012 às 11:32
Letícia Lanz disse...

Adrienne Rich faz parte daquele seleto grupo de pessoas capazes de inspirar grandes transformações na vida de tod@s que dela se aproximam. Obrigad@, Izabel, pela oportunidade de participar da elaboração desta matéria. Geraldo Eustáquio

28 de maio de 2012 às 18:37

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