terça-feira, 29 de maio de 2012




Numa  pequena cidade do interior de São Paulo, onde as pessoas frequentam a única escola, se casam com os vizinhos, e os cachorros ainda andam livremente pelas ruas (latindo atrás dos carros que passam), mora uma senhora que vive de sua costura.
Sua casa é muito simples e inacabada, como a da maioria dos brasileiros que vive em periferias; sempre com um cômodo por pintar, um quarto extra por construir quando alguém da família casa, ou algum filho nasce, sem contar quando chega mais um parente distante para morar, por prazo indeterminado. Em casa de pobre é assim, é só colocar mais água no feijão, ou estender um colchão no chão. Mas amigos e parentes são sempre bem recebidos.
Naquele terreno imenso, onde sua casa ficava ao centro, ainda existiam árvores antigas, pé de manga, pé de limão, além de muitas plantas e mato, que se espalhavam por todos os cantos, se encontrando e se confundindo, de forma que não sabíamos o que era jardim, ou o que era descaso.
Mas o que mais encantava, naquela casa modesta, eram os animais criados naquele grande quintal, que viviam solidariamente, sem problema algum. Tinha galo, galinhas, cachorros e gatos, e nas árvores tinha saguis, e na janela ainda vivia um papagaio.
Então, a costureira, que não tinha qualidade alguma, acabava sendo compensada pelo café quentinho, passado na hora que os clientes chegavam.
Como ela nunca conseguia terminar o serviço na hora marcada, vários clientes ficavam por ali sentados, dentro de sua oficina, ou embaixo da enorme mangueira, aguardando a costureira acabar o vestido, trocar aquele zíper, ou fazer aquela barra da calça nova.
Mas, ao mesmo tempo em que tudo ali era simples e arcaico, o calor humano era tão sofisticado, que pessoas de classes sociais bem distintas ali se encontravam, ali se relacionavam.
Quando a cachorra dava cria, os clientes passavam para conhecer os filhotes, mesmo que não tivessem costura para buscar.
Quando o galo ficara doente e parara de cantar, algumas clientes mais religiosas fizeram uma oração no local e, por coincidência ou não, o galo sarou.
O pior foi quando o papagaio sumiu. Ele voou até o outro lado da cidade. Manso como era, foi encontrado por moradores que começaram a discutir quem poderia ficar com aquele papagaio galante, e, como se ninguém quisesse abrir mão da ave colorida e falante, concluíram que o mais correto seria encaminhá-lo para o Ibama.
Os clientes da Tiana, a tal costureira de Louveira, fizeram uma passeata em frente à prefeitura quando o Ibama se negou a liberar o papagaio dela. E muitos rezaram. Sua filha chorava, pois sentia falta do Loro. E a sábia Tiana disse a ela para não chorar, porque nada no mundo é impossível.
Como que por encanto, o Ibama liberou o papagaio, ou talvez porque o prefeito tenha telefonado para o diretor, segundo boatos, pois a mulher do prefeito também era cliente da costureira. E o papagaio voltou.
Como a estória se espalhou rapidamente, no outro dia tocaram a campainha da casa daquela humilde costureira. Uma senhora, com um papagaio em punho – o Totó – lhe ofereceu a ave, pois soube o quanto ela tratava bem o papagaio sumido e reencontrado, e, já idosa, não tinha mais forças para cuidar do colorido bichinho.
Assim, Loro ganhou um amigo, o Totó. E os dois juntos subiam na mangueira enorme do quintal daquela casa.
Quando algum cliente lá chegava, os papagaios cantavam, desafinados, por certo, mas muito simpáticos. Um completava a frase do outro, até que a melodia do “atirei o pau no gato” entoava entre as aves e os humanos ali presentes. E dançavam, ou tentavam dançar, eu diria, pois mexiam a cabeça, como se estivessem com soluços, de um lado para o outro, no ritmo da música escolhida.
A própria mulher do prefeito adorava fazer o coro dos papagaios, e repetia o tô-tô-tô a cada vez que eles terminavam uma frase da música, como “mas o gato-to-to”.
E havia também os macaquinhos, que vinham em bando e rapidamente se espalhavam pelo telhado e pelas janelas quando alguém os chamava com comida. Cada vez que a pequena mamãe sagui aparecia com aquele minúsculo filhote agarrado em suas costas, as pessoas se deslumbravam com tamanha generosidade da natureza. E os mais corajosos ofereciam comida bem de perto, deixando os pequenos saguis segurarem seus dedos, com aquelas mãozinhas tão pequenas, mas que delicadamente puxavam o pedaço de pão.
Como todo mundo sabe, macaco gosta mesmo é de banana. E o show acontecia mesmo quando eles estavam se alimentando com pedacinhos de miolo de pão, e alguém aparecia com uma banana e começava a descascá-la lentamente para provocá-los. Os macaquinhos sentiam o cheiro de longe e, automaticamente, jogavam bem longe os pedacinhos de pão que tinham nas mãos ou nas pequenas bocas, deixando as mãozinhas desimpedidas para pegar um pedacinho de banana. Saia até briga entre eles. Qualquer falta de atenção, e um roubava a banana do outro. Mas a mãe, sempre preocupada, pegava um pedaço grande e corria para o galho mais alto da árvore, onde repartia com seu filhote.
Como as pessoas gostavam de desfrutar aqueles momentos de prazer, naquele quintal bagunçado, cheio de mato e animais que andavam livremente por ele.
Era uma verdadeira terapia, ninguém ali precisava ostentar títulos, tipos, ou sequer preocupar-se com a aparência. Ali a rainha era a simplicidade, o contato com a natureza,  o calor humano.
Por isso Tiana era uma costureira tão famosa, que tinha tantos clientes. Ela realmente nunca fora uma boa costureira, mas quem a procurava não estava preocupado com roupas, estava buscando um pouco de paz de espírito, e ali a encontrava; longe do luxo dos edifícios modernos, longe das pessoas mesquinhas, longe da competição no trabalho, longe do caos da vida moderna – tão luxuosa e tão vazia.






Simone Pedersen escreve contos, crônicas e poemas para adultos e crianças.

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