Numa pequena cidade do interior de São Paulo, onde as pessoas frequentam a única escola,
se casam com os vizinhos, e os cachorros ainda andam livremente pelas ruas (latindo
atrás dos carros que passam), mora uma senhora que vive de sua costura.
Sua
casa é muito simples e inacabada, como a da maioria dos brasileiros que vive em
periferias; sempre com um cômodo por pintar, um quarto extra por construir
quando alguém da família casa, ou algum filho nasce, sem contar quando chega
mais um parente distante para morar, por prazo indeterminado. Em casa de pobre
é assim, é só colocar mais água no feijão, ou estender um colchão no chão. Mas
amigos e parentes são sempre bem recebidos.
Naquele
terreno imenso, onde sua casa ficava ao centro, ainda existiam árvores antigas,
pé de manga, pé de limão, além de muitas plantas e mato, que se espalhavam por
todos os cantos, se encontrando e se confundindo, de forma que não sabíamos o
que era jardim, ou o que era descaso.
Mas
o que mais encantava, naquela casa modesta, eram os animais criados naquele
grande quintal, que viviam solidariamente, sem problema algum. Tinha galo,
galinhas, cachorros e gatos, e nas árvores tinha saguis, e na janela ainda
vivia um papagaio.
Então,
a costureira, que não tinha qualidade alguma, acabava sendo compensada pelo
café quentinho, passado na hora que os clientes chegavam.
Como
ela nunca conseguia terminar o serviço na hora marcada, vários clientes ficavam
por ali sentados, dentro de sua oficina, ou embaixo da enorme mangueira,
aguardando a costureira acabar o vestido, trocar aquele zíper, ou fazer aquela
barra da calça nova.
Mas,
ao mesmo tempo em que tudo ali era simples e arcaico, o calor humano era tão
sofisticado, que pessoas de classes sociais bem distintas ali se encontravam,
ali se relacionavam.
Quando
a cachorra dava cria, os clientes passavam para conhecer os filhotes, mesmo que
não tivessem costura para buscar.
Quando
o galo ficara doente e parara de cantar, algumas clientes mais religiosas fizeram
uma oração no local e, por coincidência ou não, o galo sarou.
O
pior foi quando o papagaio sumiu. Ele voou até o outro lado da cidade. Manso
como era, foi encontrado por moradores que começaram a discutir quem poderia
ficar com aquele papagaio galante, e, como se ninguém quisesse abrir mão da ave
colorida e falante, concluíram que o mais correto seria encaminhá-lo para o
Ibama.
Os
clientes da Tiana, a tal costureira de Louveira, fizeram uma passeata em frente
à prefeitura quando o Ibama se negou a liberar o papagaio dela. E muitos
rezaram. Sua filha chorava, pois sentia falta do Loro. E a sábia Tiana disse a
ela para não chorar, porque nada no mundo é impossível.
Como
que por encanto, o Ibama liberou o papagaio, ou talvez porque o prefeito tenha
telefonado para o diretor, segundo boatos, pois a mulher do prefeito também era
cliente da costureira. E o papagaio voltou.
Como
a estória se espalhou rapidamente, no outro dia tocaram a campainha da casa
daquela humilde costureira. Uma senhora, com um papagaio em punho – o Totó –
lhe ofereceu a ave, pois soube o quanto ela tratava bem o papagaio sumido e
reencontrado, e, já idosa, não tinha mais forças para cuidar do colorido
bichinho.
Assim,
Loro ganhou um amigo, o Totó. E os dois juntos subiam na mangueira enorme do
quintal daquela casa.
Quando
algum cliente lá chegava, os papagaios cantavam, desafinados, por certo, mas
muito simpáticos. Um completava a frase do outro, até que a melodia do “atirei
o pau no gato” entoava entre as aves e os humanos ali presentes. E dançavam, ou
tentavam dançar, eu diria, pois mexiam a cabeça, como se estivessem com
soluços, de um lado para o outro, no ritmo da música escolhida.
A
própria mulher do prefeito adorava fazer o coro dos papagaios, e repetia o
tô-tô-tô a cada vez que eles terminavam uma frase da música, como “mas o
gato-to-to”.
E
havia também os macaquinhos, que vinham em bando e rapidamente se espalhavam
pelo telhado e pelas janelas quando alguém os chamava com comida. Cada vez que
a pequena mamãe sagui aparecia com aquele minúsculo filhote agarrado em suas
costas, as pessoas se deslumbravam com tamanha generosidade da natureza. E os
mais corajosos ofereciam comida bem de perto, deixando os pequenos saguis
segurarem seus dedos, com aquelas mãozinhas tão pequenas, mas que delicadamente
puxavam o pedaço de pão.
Como
todo mundo sabe, macaco gosta mesmo é de banana. E o show acontecia mesmo
quando eles estavam se alimentando com pedacinhos de miolo de pão, e alguém
aparecia com uma banana e começava a descascá-la lentamente para provocá-los. Os
macaquinhos sentiam o cheiro de longe e, automaticamente, jogavam bem longe os
pedacinhos de pão que tinham nas mãos ou nas pequenas bocas, deixando as
mãozinhas desimpedidas para pegar um pedacinho de banana. Saia até briga entre
eles. Qualquer falta de atenção, e um roubava a banana do outro. Mas a mãe,
sempre preocupada, pegava um pedaço grande e corria para o galho mais alto da
árvore, onde repartia com seu filhote.
Como
as pessoas gostavam de desfrutar aqueles momentos de prazer, naquele quintal
bagunçado, cheio de mato e animais que andavam livremente por ele.
Era
uma verdadeira terapia, ninguém ali precisava ostentar títulos, tipos, ou
sequer preocupar-se com a aparência. Ali a rainha era a simplicidade, o contato
com a natureza, o calor humano.
Por
isso Tiana era uma costureira tão famosa, que tinha tantos clientes. Ela
realmente nunca fora uma boa costureira, mas quem a procurava não estava
preocupado com roupas, estava buscando um pouco de paz de espírito, e ali a encontrava;
longe do luxo dos edifícios modernos, longe das pessoas mesquinhas, longe da
competição no trabalho, longe do caos da vida moderna – tão luxuosa e tão vazia.
Simone Pedersen escreve contos, crônicas e poemas para adultos e crianças.
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