quinta-feira, 7 de junho de 2012

FOTOGRAFIA E LITERATURA: A ALQUIMIA de RODRIGO MACHADO



"Toda recepção de uma foto é uma interpretação; nisso a fotografia é parente do sonho" (F.S.)

À primeira vista, a literatura e a fotografia parecem não ter relações essenciais, tanto no nível histórico ( a primeira existe ao menos há três milênios, a segunda há apenas um século e meio), quanto no nível do modo de funcionamento (a primeira trabalha sobre a língua e a escrita, a segunda sobre a imagem, graças a um aparelho tecnologicamente complexo) ou da recepção cultural (a primeira é considerada como uma arte nobre, a segunda foi durante muito tempo considerada, como uma arte média e mesmo uma técnica para autodidatas em busca de emoções ilusóriamente estéticas).

Foi por essa razão que homens da escrita - escritores, dramaturgos, teóricos - criticaram a fotografia e às vezes se opuseram a ela e a seus pretensos efeitos, e isso frequentemente em nome da literatura.
Veja-se Brecht e Baudelaire, por exemplo, figuras célebres da literatura, que criticaram fotógrafos e a fotografia. Baudelaire chegou a dizer que "a fotografia é inimiga da poesia e do sonho: com ela, a técnica substitui a alma do homem".

Para o crítico François Soulages (2010), isso ocorria porque faltava à literatura enquanto tal encontrar a fotografia; e o encontro entre duas artes sempre demora para se realizar, pois envolve dialéticas entre essas artes. E esse mesmo crítico aposta em uma cocriação das mesmas, permitindo uma melhor compreensão de que a foto se situa na esfera de uma lógica próxima da poesia.

Para o convidado desta semana da coluna Incontros, essa alquimia já é conhecida e realizada desde há muito tempo. Vamos conhecê-lo melhor:
RODRIGO VASCONCELOS MACHADO, possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996), mestrado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000) e doutorado em Letras (Língua Espanhola e Literatura Espanhola e Hispano-Americana.) pela Universidade de São Paulo (2005). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literaturas Ibero-americanas, atuando principalmente nos seguintes temas: Ensaio Íbero-Americano; Literatura e Fotografia e Literaturas Espanhola e Hispano-americana.

P. Conte-nos um pouco da sua formação, da sua trajetória profissional na UFPR e antes dela.

R. A minha formação acadêmica contemplou uma dupla perspectiva, a saber, cursar letras e paralelamente algumas disciplinas da Escola de Belas Artes da UFMG. Dirigi o meu foco principalmente para matérias da área de fotografia. Além disso, fiz vários cursos de fotografia comercial e oficinas de atualização. Na UFPR enfoquei o meu trabalho para a relação interdisciplinar entre literatura e fotografia. Destarte, ministrei disciplinas contemplando a interface entre texto e imagem nos cursos de Letras, Design e Comunicação da UFPR. Tais disciplinas contemplavam a perspectiva criativa do aluno, isto é, diferente das disciplinas tradicionais, busquei direcionar o trabalho para a produção artística da fotografia. Os resultados foram exposições que registraram as possibilidades oferecidas pela relação interdisciplinar que pretendo publicar em breve.

P. Qual a ligação que você vê entre literatura e fotografia?

R.Quando a literatura se alia com outros sistemas semióticos temos como resultado, obras que requerem novas abordagens. Sabemos que recursos do cinema “contaminaram” a linguagem literária, como por exemplo, o uso do mecanismo do “flash back” que permite ao autor ir e voltar através da justaposição de “histórias”. A pintura também está presente em várias obras literárias, como nos romances de Em busca do tempo perdido, de Proust, onde os postulados do texto Ut pictura poesis, de Horácio, são verificados na narrativa. O fotógrafo húngaro BRASSAÏ levanta a presença da fotografia como um componente da práxis do escritor francês Marcel Proust no seu ensaio Proust e a fotografia. É claro que a presença física no interior do texto de uma imagem depende da qualidade da impressão, coisa que somente podia ser pensada a partir do século XX.

Temos alguns livros que se destacam como obras fotográficas, pois são narrativas ordenadas em sequências e que expressam uma realidade moldável em sua produção, fluída; como Paris by night, de BRASSAÏ. A noite na capital francesa é retratada com todos os elementos que fazem parte dela. As ruas vazias, os vultos na escuridão, a solidão, os mendigos, as prostitutas, enfim tudo que faz parte da noite de uma grande capital e que por extensão poderia ser pensado também para uma cidade como São Paulo ou Nova York. As imagens apresentadas permitem várias leituras e o leitor pode completar e preencher os espaços de significação.

Outra obra que também é somente composta de imagens, mas que é uma viagem ao coração dos Estados Unidos é The americans, de Robert Frank. As fotos de Frank mostram sem rodeios e criticamente o modo de viver dos norte-americanos. O impacto causado pela sua publicação na história da fotografia foi grande e pôde ser constatada pelo fato que veio a luz inicialmente fora dos Estados Unidos.
A partir das inferências ditas antes, foi possível nos meus cursos propor uma relação válida entre literatura e fotografia considerando a relação de interdependência entre ambas. Desse modo, o enfoque dado na criatividade fotográfica passava pelo potencial latente das imagens ficcionais como um dos elementos para alicerçar a construção imagética.

Finalmente, tanto a literatura e fotografia quando colocadas em conjunto oferecem novas possibilidades de significação para o seu leitor/vedor. A compreensão do funcionamento da intersecção das duas linguagens permitiu estabelecer novos caminhos de reflexão que apontem para um maior entendimento desse tipo de produção artística na atualidade, bem como propor uma nova possibilidade criativa.

Abaixo, alguns trabalhos de Rodrigo Machado, fotografias convertidas em cartazes para divulgação de exposições de alunos da UFPR, resultado de suas oficinas:


"Es indispensable bailar"


"Mis Gafas"


                                                                "Mineiros do Chile"

"Cartaz de Exposição"   

"Cartaz fotografias literárias"


Para concluir, Soulages nos afirma que quando há uma feliz cocriação entre literatura e fotografia, quando se opera a dialética entre o ver, o ler e a união dos dois, quando se unem fotografia e escrita, "são verdadeiros objetos, que por um momento, permitem pôr entre parênteses o mundo a fim de que sejamos mais deste mundo, isto é, que o sejamos de maneira crítica, estética e viva".

Referências:
Soulages, François: Estética da Fotografia, Editora Senac: 2010, S.Paulo.


Izabel Liviski é Fotógrafa e Professora de Sociologia, disciplina em que é Doutoranda pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e da Cultura, e Linguagens Visuais. Escreve a coluna INCONTROS quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.








1 comentários:

Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Fantástico como as palavras geram imagens diferentes em nossa mente. A matéria falava em 'literatura' e 'fotografia' e eu vinha pensando em duas artes diferentes e tentando ver como elas poderiam se comunicar. De repente o entrevistado fala em 'texto' e 'imagem'. Imediatamente desfaz-se a imagem que eu tinha e outra concepção completamente diferente se forma. Texto e Imagem me apareceram como a natureza dos fótons: ora são partículas e ora ondas, dependendo sempre do olhar do observador. Essa qualidade se apresenta também nessa aparente dualidade: quando olho de uma maneira, vejo as imagens como texto; olhando de outra maneira, vejo os textos como imagens. A diferença, como sempre (sic!), está no modo de olhar. Parabéns de novo.

8 de junho de 2012 às 17:03

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