quinta-feira, 12 de julho de 2012

Castelo de Areia



Eram dois corpos tão próximos e em estados tão diferentes, numa troca de calor e frio que com o tempo levaria ao equilíbrio e a sintonia; já não seriam mais dois, apenas um. Peter Pan com seu sorriso mágico e sua voz brincalhona encantava a garota de olhos negros e franja caída. Por um momento estavam ali, sozinh@s, desconectad@s do mundo, numa fantástica experiência juvenil. Entre medos e esperanças, olhavam-se com profundidade e declamavam versos românticos, faziam promessas, juras de amor eterno, sobre um vento cortante e o sol que irradiava majestosamente naquela manhã inesperada. Compartilhavam, gostos, gestos, hábitos, sensibilidades, olhares ... A mão era beijada enquanto o abraço fraterno aproximava os corações frágeis. Dois mundos que se cruzavam naquele instante, num eclipse de possibilidades, num encontro incomum. Haviam sinais de que era muito (im)perfeit@ para ser verdadeir@, mas as mentes estavam distantes, só restavam ali, corpos sedentos, carentes, belos, que se entendiam diante do canto, dos versos, dos sorrisos; não eram necessárias mais palavras, apenas sinais suaves e indizíveis, apenas sentir, e só naquele momento. Era um belo castelo de areia. Que numa miragem distante parecia tão sólido e seguro. Mas que num mero toque se desmanchou. 


Um dia você entende, que as aparências, os fenômenos, por mais belos que sejam, muitas vezes escondem um universo sombrio e perigoso. Que se proteger e saber se retirar no momento exato é tão importante quanto se entregar plenamente. Que embora as coisas ou pessoas pareçam muito diferentes, estão tod@s atreladas às estruturas físicas, sociais e espirituais, sem as quais são incapazes de operar; com as quais passam a ter inteligibilidade e garantem a existência e preservação.


Não, não se pode negar um olhar, não se deve esconder um sorriso, não é preciso negar a aproximação. Porém, as sutilezas do envolvimento, são capazes de nos embaraçar a visão e de repente, nos fazer transcender rapidamente a um estado de ilusão e loucura, de paixão e utopia, de sonho e liberdade criativa. Liberdade que será castigada, por não poder se ancorar na realidade que a circunscreve, por estar obscurecida pelas pulsões e desejos secretos e incontroláveis. 


E a bela taça de cristal reluzente e brilhante se quebra, por um toque que vai além do que é permitido, do possível, da capacidade de suportar a força e a profundidade das emoções mais puras, doces, sinceras e selvagens que habitam os seres humanos. Emoções que como um vulcão, devem permanecer adormecidas, caso não se queira correr o risco de ser tomad@ pela tempestade de enxofre. Que queima, derrete, petrifica, mata e destrói o belo jardim com flores douradas que perfumam o amanhecer.

O que resta, é apenas um profundo deserto, no qual a aridez e o silêncio tomam conta. Onde o castelo de areia, reside submerso em mágoas e incompreensões eternas. O vazio, o nada, a dificuldade de se olhar para trás por medo de sentir a devastação que tomou conta dos sonhos que se despedaçaram. a imobilidade que impede que se tome alguma ação para sair deste estado de transe.

E há quem diga que o que importa é o amor, mas as experiências nos mostram que o que realmente importa nunca está dado, terá que ser descoberto, decifrado. Nem sempre será conhecido, às vezes adormecerá em nossas vagas lembranças futuras e irá nos marcar de uma forma tão violenta, que teremos que nos reinventar para poder suportar ...

Tatyane Estrela é graduanda no Bacharelado em Ciências e Humanidades e no Bacharelado e Licenciatura em Filosofia na Universidade Federal do ABC. Integrante do grupo de pesquisa ABC das Diversidades. Bolsista de iniciação científica do CNPQ, no qual desenvolve pesquisa com o seguinte tema: Formação e atuação de entidades de representação LGBT no grande ABC: Impactos na formulação de políticas públicas.

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