O Brasil em Jorge de Sena
Jorge
de Sena foi poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e
professor universitário português. Ele fez frente ao regime ditador português,
conhecido como salazarismo, tendo participado de uma tentativa revolucionária
abortada em 12 de Março de 1959 que colocou-o em posição de
prisão eminente, no caso de algum dos conspiradores presos pela PIDE
(polícia política da ditadura em Portugal) denunciar os que ainda se
encontravam livres.
Em
agosto de 1959, ele viajou ao Brasil para participar do IV Colóquio Internacional
de Estudos Luso-brasileiros, promovido pela Universidade da Bahia e pelo
governo brasileiro. Nesta oportunidade, Jorge de Sena foi convidado para
lecionar como professor catedrático de Teoria da Literatura na Universidade
Estadual Paulista, campus de Assis. Ele
e família mudaram-se e, por motivos profissionais, adquiriram a nacionalidade
portuguesa.
Com
a instalação da ditadura política no Brasil em 1964 e o convite de ensinar
Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade de Wisconsin, o poeta em
questão mudou-se para os Estados Unidos da América, onde faleceu aos 58 anos.
Essa
introdução feita até o presente momento tem como objetivo não somente relatar a
vida de exílios e desilusões do poeta português, mas, principalmente, destacar
sua estadia no Brasil como um lugar que inspirou-lhe grandes e belíssimos
poemas, como exemplificaremos em “Vespertino do Rio de Janeiro”:
Vespertino do Rio de Janeiro
Na noite as luzes furam treva, não
para além dela, mas de mim com ela;
não sei se arranha-céus, ou se favelas
que lado a lado arranham morros para
sustento de miséria. Imenso mar,
de altíssimas sombrias transparências,
na noite em que perpasso qual silêncio.
Não sei se amor me evita ou me protege,
ou se é de amor que eu velo o brando
sono
ruidoso e povoado.
Meu coração é só de amor que sabe;
mas o que sabe, de saudoso esquece,
na angústia dúplice de não ter-te ao
lado.
(SENA, 1989, p. 35).
Podemos
destacar, após a leitura deste poema, o caráter paradoxal que envolve as ideias
expressas, uma vez que o eu lírico contrapõe sentidos contrários como em “Na
noite as luzes furam treva”, “altíssimas sombrias transparências”, “o brando
sono/ ruidoso e povoado”, “Meu coração só de amor que sabe;/ mas o que sabe, de
saudoso esquece”. A utilização de antíteses também caracteriza esse embate interior
do sujeito. Isso pode ser exemplificado pelas palavras arranha-céus e Favelas,
já que são espaços construídos e que abrigam pessoas de classes sociais
distintas, realidades totalmente diferentes em relação à vivência e experiência
de vida. O emprego de ideias e palavras de sentidos contrários evidencia um
sujeito confuso, em contradição consigo mesmo e com seus pensamentos/
sentimentos, um alguém que não compreende as disparidades ocorridas no mundo e
que também não se conforma com a realidade opressora.
O
sujeito poético é alguém que, ao observar o entardecer no Rio de Janeiro,
sente-se angustiado frente a uma realidade que o oprime ou ao menos torna
dúplice sua visão do mundo. Como nota-se no último parágrafo, as palavras são
dirigidas a um Outro que não está presente, causando uma angústia, medo, uma
vez que o “não ter ao lado” implica em dois sentimentos, o primeiro, medo de
não reencontrar o ente amado e, o segundo, em dor, causada pela distância que
por vezes causa o esquecimento. O ato de olvidar algo já implica em anulação,
negação, em morte e isso já afigura-se por demais frustrante e desesperador.
Jorge
de Sena, infelizmente, não tem sua obra poética publicada no Brasil, mesmo que
esse país tenha um lugar de destaque em suas composições líricas (alguns poemas
dele podem ser lidos aqui). Eu desejo que haja uma maior troca de boa
literatura entre os países lusófonos e que tenhamos acesso mais fácil e barato
aos escritos deste poeta, como a de muitos outros bons escritores que o mercado
editorial deixa de lado para publicar muitos outros livros de qualidade
duvidosa.
Referência Bibliográfica:
SENA, Jorge de. Poesia - III. Lisboa: Edições 70, 1989.
Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen
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