sábado, 18 de agosto de 2012

O Brasil em Jorge de Sena





Jorge de Sena foi poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português. Ele fez frente ao regime ditador português, conhecido como salazarismo, tendo participado de uma tentativa revolucionária abortada em 12 de Março de 1959 que colocou-o em posição de prisão eminente, no caso de algum dos conspiradores presos pela PIDE (polícia política da ditadura em Portugal) denunciar os que ainda se encontravam livres.

Em agosto de 1959, ele viajou ao Brasil para participar do IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-brasileiros, promovido pela Universidade da Bahia e pelo governo brasileiro. Nesta oportunidade, Jorge de Sena foi convidado para lecionar como professor catedrático de Teoria da Literatura na Universidade Estadual Paulista, campus de Assis. Ele e família mudaram-se e, por motivos profissionais, adquiriram a nacionalidade portuguesa.

Com a instalação da ditadura política no Brasil em 1964 e o convite de ensinar Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade de Wisconsin, o poeta em questão mudou-se para os Estados Unidos da América, onde faleceu aos 58 anos.

Essa introdução feita até o presente momento tem como objetivo não somente relatar a vida de exílios e desilusões do poeta português, mas, principalmente, destacar sua estadia no Brasil como um lugar que inspirou-lhe grandes e belíssimos poemas, como exemplificaremos em “Vespertino do Rio de Janeiro”:

Vespertino do Rio de Janeiro

Na noite as luzes furam treva, não
para além dela, mas de mim com ela;
não sei se arranha-céus, ou se favelas
que lado a lado arranham morros para sustento de miséria. Imenso mar,
de altíssimas sombrias transparências,
na noite em que perpasso qual silêncio.
Não sei se amor me evita ou me protege,
ou se é de amor que eu velo o brando sono
ruidoso e povoado.

Meu coração é só de amor que sabe;
mas o que sabe, de saudoso esquece,
na angústia dúplice de não ter-te ao lado.
(SENA, 1989, p. 35).

Podemos destacar, após a leitura deste poema, o caráter paradoxal que envolve as ideias expressas, uma vez que o eu lírico contrapõe sentidos contrários como em “Na noite as luzes furam treva”, “altíssimas sombrias transparências”, “o brando sono/ ruidoso e povoado”, “Meu coração só de amor que sabe;/ mas o que sabe, de saudoso esquece”. A utilização de antíteses também caracteriza esse embate interior do sujeito. Isso pode ser exemplificado pelas palavras arranha-céus e Favelas, já que são espaços construídos e que abrigam pessoas de classes sociais distintas, realidades totalmente diferentes em relação à vivência e experiência de vida. O emprego de ideias e palavras de sentidos contrários evidencia um sujeito confuso, em contradição consigo mesmo e com seus pensamentos/ sentimentos, um alguém que não compreende as disparidades ocorridas no mundo e que também não se conforma com a realidade opressora.

O sujeito poético é alguém que, ao observar o entardecer no Rio de Janeiro, sente-se angustiado frente a uma realidade que o oprime ou ao menos torna dúplice sua visão do mundo. Como nota-se no último parágrafo, as palavras são dirigidas a um Outro que não está presente, causando uma angústia, medo, uma vez que o “não ter ao lado” implica em dois sentimentos, o primeiro, medo de não reencontrar o ente amado e, o segundo, em dor, causada pela distância que por vezes causa o esquecimento. O ato de olvidar algo já implica em anulação, negação, em morte e isso já afigura-se por demais frustrante e desesperador.

Jorge de Sena, infelizmente, não tem sua obra poética publicada no Brasil, mesmo que esse país tenha um lugar de destaque em suas composições líricas (alguns poemas dele podem ser lidos aqui). Eu desejo que haja uma maior troca de boa literatura entre os países lusófonos e que tenhamos acesso mais fácil e barato aos escritos deste poeta, como a de muitos outros bons escritores que o mercado editorial deixa de lado para publicar muitos outros livros de qualidade duvidosa.

Referência Bibliográfica:
SENA, Jorge de. Poesia - III. Lisboa: Edições 70, 1989.



Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen

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