sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Bumba meu boi do Grupo Cupuaçu no Morro do Querosene, São Paulo: Anotações sobre a prática instrumental


Sempre é muito bom publicar os trabalhos realizados pelos alunos da Faculdade de Música da FAC FITO. Suas experimentações, indagações, trocas e aprendizado, na disciplina de Etnomusicologia, a qual ministro há 3 anos, tem trazido para o âmbito da Pesquisa de Campo Antropológica e Musical,  uma contribuição importantíssima e urgente, visto que estudar culturas diversas deste mundão de meu deus também inclui estudar nossa cultura em suas miscigenações e hibridismos.
É bem vindo lembrar das citações do argentino, que estuda culturas de fronteiras,  Néstor Canclini, para exemplificarmos como entendemos a cultura em nossas inquietantes conversas e debates que são propostas e desenvolvidas nas aulas:

" ler o mundo pela chave das conexões não elimina as distâncias geradas pelas diferenças nem as fraturas e feridas da desigualdade" 2004:79.

"interculturalidade remete à confrontação e ao entrelaçamento, ao que sucede quando os grupos entram em relações e intercâmbios". Multiculturalidade, diz ele, apenas " supõe a aceitação do heterogêneo; interculturalidade implica que os diferentes são o que são em relações de negociação, conflito e préstimos recíprocos"  (2004:15)

Quero agradecer a profa Dra. Neide Esperidião, coordenadora da Faculdade de Música da FAC FITO, pelo apoio e incentivo que tem dado à disciplina e também agradecer  aos queridos alunos Emersom Gomes, Marcio Gomes, Paulo da Silva Martins e Paulo Roberto B. Oliveira pela séria pesquisa realizada no Morro do Querosene em São Paulo. Um importante panorama da cultura trazida do Maranhão e ressignificada por Tião Carvalho e por todos os personagens que como co-autores propõem novos olhares e imbricações à cultura e prática do Boi.

Katia Peixoto dos Santos 

Bumba meu Boi do Grupo Cupuaçu no Morro do Querosene, São Paulo:  Anotações sobre a prática instrumental 


Emersom Gomes
Márcio Gomes
Paulo da Silva Martins
Paulo Roberto B. Oliveira

A festa do Bumba meu boi realizada no Morro do Querosene, no bairro do Butantã, na cidade de São Paulo, é uma reprodução do bailado popular a maneira do povo maranhense. O Bumba meu boi é largamente praticado em todo o Brasil com suas variantes regionais, mas tendo em comum um enredo de muita simplicidade onde personagens arquetípicos dançam e cantam em torno de um boi que morre e ressuscita, animal este que para alguns autores é um elemento totêmico.
No Morro do Querosene a festa é hoje promovida pelo Grupo Cupuaçu que comemorou seus 25 anos nesta edição da festa em 23 de outubro de 2011, este grupo foi criado por Tião Carvalho, importante artista popular maranhense, a partir das aulas de dança popular que ministrava.
O universo do Bumba meu boi engloba além das danças, adereços e indumentárias confeccionados de maneira tradicional com bordados esmerados, há uma culinária associada à festa e uma parte musical que procuraremos abordar com mais destaque neste pequeno estudo.

Toadas e instrumentação:


O enredo e as danças são conduzidos por toadas puxadas pelo “cantador de boi”. São melodias que lembram lamentos, as letras se repetem e são cantadas de forma responsorial pelo cantador e o grupo. Construídas principalmente com notas longas, que contrastam com as divisões rítmicas da percussão, encontramos nelas melodias criadas no modo mixolídio, em tons maiores e utilizando pentatônicas menores.
O “cantador de boi” age como um mestre. Além do canto, apoia-se num maracá de metal (fig.1) para criar uma referência rítmica e de andamento para os outros instrumentistas, utiliza também um apito que sinaliza o inicio e o final das toadas.

Maracá
 Os membranofônios são os instrumentos fundamentais no Bumba meu boi: O “Onça” (Fig. 2), uma cuíca de grande porte, de timbre grave, que se encarrega de um papel de marcação, como se fosse um surdo, é executada com a fricção de um pano umedecido em uma haste presa à membrana de couro deste tambor.

Tambor Onça
Os “pandeirões” (Fig. 3) completam esta seção de instrumentos de pele estendida. São 
tambores rasos, com aros idealmente de madeira de jenipapo, de diâmetros que variam de 14 a 22 polegadas, não possuem tarraxas para a afinação da pele, para isso são esticados pelo calor de uma pequena fogueira que permanece acesa durante toda a festa. São percutidos com uma das mãos enquanto segurados com a outra. Há três sons básicos que combinados formam os “toques”: uma batida aberta que é o som principal do “pandeirão”, uma batida abafada e um tapa estalado. Os “pandeirões” têm liberdade para executar variações rítmicas nos toques principais (sotaques) e é comum perceber entre os muitos executantes diálogos e rítmicas diversas convivendo simultaneamente.

Aquecendo os pandeirões 

As “matracas” (Fig. 4), finalmente, providenciam os timbres mais agudos da rítmica do Bumba meu boi, são duas placas de madeira semelhantes a tacos, variando ligeiramente de tamanho e consequentemente de timbre. Percutidas uma contra a outra, com a função principal de marcar o tempo, ora de maneira binária ora ternária e eventualmente com as duas células rítmicas combinadas simultaneamente, mas nunca se afastando dessa função.

Matracas 
Dois sotaques (maneiras diferentes de executar os toques) se alternam durante a festa. O “Sotaque da Baixada” ou “Pindaré” caracteriza-se pela maneira de segurar o pandeirão, tocado “em baixo”. As matracas mantem a marcação binária do tempo e o andamento é um pouco mais lento. No “Sotaque da Ilha” os pandeirões são tocados “no alto”, as rítmicas são mais complexas. Percebem-se polimetrias nas células das “matracas” e dos “pandeirões”. O andamento é mais acelerado. (anexo 2)

Pandeirões no sotaque da baixada ou Pindaré 
Bandeirões com sotaque da ilha
Estas práticas instrumentais, no Maranhão, originalmente são passadas de geração a geração, como relatou Tião Carvalho a partir da sua própria experiência pessoal. A tradição do Boi naquele estado do Nordeste remonta a tempos passados, existem grupos com mais de 150 anos de atuação. Apesar de afastado dessa realidade o Grupo Cupuaçu mantém, ainda assim, a oralidade e o aprendizado empírico como forma de transmissão de conhecimento. Esta dinâmica de transformação tão afeita à cultura popular é expressa pelas palavras de Tião Carvalho: “... de alguma forma todos nós estamos num momento de aprendizado”.




Video realizado pelos alunos  - Entrevista com Tião Carvalho / Grupo Cupuaçu - Morro do Querosene, São Paulo

Referências bibliográficas


Versão em vídeo de “Bumba meu boi” do Grupo Cupuaçu. Anotações sobre a prática instrumental. São Paulo. 2011. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=w3_996gUMy4>. Acesso em 2 nov. 2011.
Integra da entrevista em vídeo com Tião Carvalho. São Paulo. 2011. Disponível em< http://www.youtube.com/watch?v=sdArzcM9RVI&feature=youtu.be > Acesso em 18 de novembro de 2011.
Íntegra da entrevista em vídeo com Cezinha, percussionista do Grupo Cupuaçu. São Paulo. 2011. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=uSkqTdswgx4 > Acesso em 18 de novembro de 2011.

Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.

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