Fotografia para conservar no tempo, relicários como medicina anti esvaziamento.
Fotografia, subjetividade, memória.
Em suma, é essa
obsessão que faz de qualquer foto o equivalente visual exato da lembrança. Uma foto é sempre uma imagem mental. Ou,
em outras palavras, nossa memória só é feita de fotografias (DUBOIS, 2007, p.
314).
Acredita-se que a
fotografia, o retrato em particular, possua a capacidade de “vivificar”[1]
ou manter viva a pessoa retratada, criando a sensação de acesso àquele momento
particular de vida, da pessoa retratada. Com a imagem uma série de outras
recordações são a ela associadas e configuram um quadro geral de memórias,
caracteristicamente visuais, que compõem um arcabouço sensível. Assim a
apropriação e uso feitos da fotografia pelo homem denotam também uma tentativa
de incorporar não apenas o recurso técnico advindo com a modernidade, mas,
também de preservar simbolicamente para a memória[2],
parcelas efêmeras de vida, colocadas em evidencia com a era industrial.
O homem que percebe a si próprio como um ser finito, fadado ao desaparecimento, como uma imagem que se cancela da memória com o passar do tempo, este homem de existência efêmera e casca frágil em um mundo marcado pela velocidade busca, justamente na imagem, uma forma de fixação no tempo e no espaço. É assim que a fotografia surge para a manifestação de sua presença no mundo, ao ratificar a existência do retratado, ao autenticar o momento vivido como real. Momento esvaído, mas conservado no suporte fotográfico. Portanto, a fotografia funciona também como veiculo condutor entre as diversas temporalidades conectando, “memória, presente e tensão para o futuro”, conforme diria Didi Huberman (2009) no capítulo “ser escavação”. O autor (1991 apud Medeiros, pg. 37) conecta o nascimento do retrato, com a função intrínseca de gerar outra forma material que represente o homem que se deteriora com o tempo. É a percepção de finitude que impulsiona o ser humano à busca de soluções que aplaquem esta sujeição às leis ocultas da natureza: “A questão do retrato começa talvez no dia em que o rosto diante de mim começa a não estar mais diante de mim porque a terra começou, a devorá-lo”.
O trabalho da artista
portuguesa Maria Sasseti apresenta 7 caixas de madeira envelhecidas por
diferentes processos e propõe a exposição de um conjunto de memórias íntimas do
âmbito doméstico da artista. A artista propõe alude a divinização como
referência aos relicários religiosos que contêm restos de santos ou mártires.
A fotografia antes de
ser imagem tomada de alguém ou alguma coisa: “é essencialmente, da ordem da
impressão, do traço, da marca e do registro (...)” pertencendo, portando a uma
categoria de signos. O signo por sua vez, seria algo que substitui ou representa
as coisas. Segundo Blikstein (1990, p. 20), “o signo seria afinal, algo que
substitui ou representa as coisas, isto é, a realidade.” um conceito a uma
imagem o que também facilita a compreensão da fotografia como signo que permite
a associação de um conteúdo à imagem representada. Com isso a fotografia assume
um duplo papel de apresentação e de representação das coisas ausentes, podendo
ser ela própria um tipo de relicário. Com o trabalho Relícários, a autora
apresenta fotografias em formato 2x2 cm, acondicionadas em cápsulas de gelatina
que induzem a reflexão sobre memória e esquecimento, tendo na fotografia uma
forma de medicina anti perdas.
REFERÊNCIAS
CALVIN
O, Italo. A aventura de um fotógrafo. In: Amores Dificeis.
Tradução Raquel Ramalhete. São Paulo: Companhia das letras, 1992.
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BLIKSTEIN, Izidoro. Kaspar Hauser ou a fabricação da realidade.
São Paulo, Cultrix, 1990.
São Paulo, Cultrix, 1990.
DIDI-
HUBERMAN. Georges. O que vemos o que nos
olha. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 1998.
MEDEIROS,
Margarida. Fotografia e Narcismo: O
auto-retrato contemporâneo. Lisboa: Assírio e Alvim, 2000.
[1] Segundo BARTHES (1984), a fotografia é a imagem viva de
uma coisa morta, pois segundo ele o instante da foto não se repetirá jamais.
[2] Pode-se pensar a fotografia como aliada da memória a
partir do esquecimento como afirma MONEGO (2012, p.1): “Fotografar seria o
primeiro movimento no sentido de esquecer, uma vez que fotografado um momento,
podemos liberar nossa memória da obrigação de retê-la.” Cf. CALVINO (1992).
Daniele Borges BEZERRA é Mestranda em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Especialista em Saúde Mental Coletiva, Sanitarista e Artista Plástica, atua em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) pela Prefeitura Municipal de Pelotas. Contato: danieleborgesbezerra@yahoo.com.br
Tatiana Bolivar LEBEDEFF Doutora em Psicologia do Desenvolvimento, Professora Adjunta da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Professora do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da UFPel. Contato: tblebedeff@gmail.com;
A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
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