quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

HÁ SEMPRE ALGO DE AUSENTE QUE ME ATORMENTA - PARTE II

         

“Esta não é, nem será, uma revolução de veludo. A paisagem humana da libertação feminina está repleta de cadáveres de vidas destruídas, como acontece em todas as verdadeiras revoluções. Entretanto, apesar da violência do conflito, a mudança da conscientização da mulher e dos valores sociais, que ocorreu em menos de três décadas em quase todas as sociedades, é impressionante e traz consequências fundamentais para toda a experiência humana, desde o poder político até à estrutura da personalidade.” (Manuel Castells)

      Camille Claudel pode ser considerada uma dessas "mártires" do preconceito histórico contra as mulheres,  principalmente, contra as mulheres-artistas. A escultora francesa, nasceu em Villeneuve-sur-Fère, na região de Champanhe, no sul da França. Ali, entre brincadeiras e pequenas aventuras ao lado de Paul, Camille foi uma criança fora dos padrões e alheia ao que se esperava de uma menina no século 19. Numa época em que as mulheres eram criadas para afazeres domésticos, ela estava sempre suja de barro e descabelada. Ela e o irmão caçula fugiam de casa para se aventurar nas montanhas que cercavam a aldeia.

Retrato de Camille, por Malleray.
Paul Claudel, que mais tarde se tornaria um dos grandes escritores da França, descreveu o cenário de sua infância no livro Mémoires Improvisés (“Memórias Improvisadas”, sem versão em português), de 1954: “Vivíamos em terra agreste e selvagem, uma paisagem extremamente austera, com ventos e chuvas freqüentes”. Para o desespero da mãe e orgulho do pai, Camille descobriu cedo o gosto pela escultura. Começou moldando argila, quase como uma brincadeira. Eram figuras inspiradas em Napoleão, Davi e Golias, além de membros da família. Na adolescência, um de seus professores foi o escultor Alfred Boucher. Foi ele que sugeriu ao pai de Camille, Luis-Prosper Claudel, que levasse a menina a Paris, onde ela poderia participar de grandes salões de arte e conhecer a 'nata'  intelectual e artística da época. 
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O pai de Camille acreditava na vocação da filha. E, apesar dos gastos que isso representava, em 1881 levou toda a família para Paris. Eles chegaram em uma charrete emprestada por um vizinho. “Todos estavam exaustos, apenas Camille, então com 17 anos, e a empregada Eugènie irradiavam alegria”, escreveu a francesa Anne Delbée, no livro Camille Claudel, Uma Mulher, biografia publicada na França em 1982.  Mas em Paris as dificuldades eram enormes para uma jovem artista. A escultura, além de ser uma atividade prioritariamente masculina, exigia materiais caríssimos como o mármore e o bronze. E mais: era preciso pagar um espaço relativamente amplo – os aluguéis em Paris, já naquela época estavam entre os mais caros do mundo – e o salário do trabalho de fundidores, auxiliares e modelos. 

Camille alugou um ateliê com mais três jovens artistas, todas inglesas. Uma delas, Jessie Lipscomb, tornou-se sua amiga para o resto da vida e uma das poucas pessoas que a visitariam no hospício. Elas dividiam também os pagamentos para o professor Alfred Boucher, que as orientava de vez em quando. Foi numa dessas visitas que Boucher apresentou o trabalho de Camille para Paul Dubois, diretor da Escola Nacional de Belas-Artes. Dubois notou a semelhança da obra da jovem com a de outro artista, que começava a despontar para a fama. “A senhorita já teve aulas com Auguste Rodin?” Camille nunca tinha ouvido falar no sujeito. 
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“Na época, Rodin ainda não era famoso, mas já iniciara a experimentação conceitual e estilística que viria a caracterizar sua forma inusual de esculpir. Por isso, era odiado pelos críticos e amado pela vanguarda de Paris, ou seja, os impressionistas”, diz Jacques Vilain, historiador do Museu Rodin e co-autor de Rodin: A Magnificent Obsession (“Rodin: Uma Magnífica Obsessão”, inédito no Brasil). Se Camille ficou curiosa para conhecer o tal que esculpia igual a ela, esse sentimento durou pouco. 

“Apenas algumas semanas depois, Boucher viajou à Itália e pediu para um amigo assumir suas aulas particulares. Assim, numa tarde de maio de 1883, Rodin batia às portas das jovens escultoras”, diz Vilain. Camille tinha 19 anos. Rodin, 45. Segudo Reine-Marie, Rodin teria entrado cheio de si no ateliê e não fez um só elogio sobre as obras expostas. Muito pelo contrário: apontou defeitos.  Mas ele gostou do que viu. Tanto que passou a freqüentar o local e, depois de dois anos, chamou Camille para trabalhar com ele. 

O convite coincidiu com um momento particularmente importante na carreira de Rodin. “Ele acabara de receber uma encomenda do governo francês para fazer As Portas do Inferno e Os Burgueses de Calais, obras de grande porte que precisariam de ajudantes para ser feitas”, afirma Vilain. “Camille era uma artesã habilidosa e por isso ficou incumbida de fazer os pés e as mãos das estátuas. Além disso, dava opiniões e discutia idéias sobre as obras com Rodin.” 
 Não se sabe quando a convivência entre o mestre e a aluna se tornou um caso de amor, mas as cartas que trocavam em 1886 são reveladoras da paixão e do ciúme que Camille, desde o início, já sentia. “Minha Camille, esteja segura de que não tenho nenhuma outra amiga e toda minha alma lhe pertence”, escreve Rodin. Camille responde: “Deito-me nua para imaginar que está ao meu lado, mas quando acordo já não é a mesma coisa”.  

Rodin não estava sendo sincero. Nessa época, ele já vivia com Rose Beuret, com quem tinha um filho. Além disso, ostentava a fama de mulherengo. Mas Camille estava apaixonada e, em 1888, deixou a casa dos pais e passou a viver numa casa alugada por Rodin, que eles chamavam de “retiro pagão”. “Eles passam a freqüentar lugares públicos, tornando-se amantes assumidos. O que era um escândalo para a época”, afirma Liliana Wahba, psicóloga brasileira autora de Camille Claudel: Criação e Locura. Essa fase da vida de ambos é marcada por obras de intensa sensualidade.

No entanto, com o tempo, Camille passou a se sentir sozinha. Vivia à espera de Rodin, que nem sempre aparecia. O relacionamento começou a deixá-la deprimida. Ela queria que Rodin se casasse com ela. Mas ele nunca chegou a deixar Rose. Jurava amor a Camille, mas dizia que não podia abandonar a mulher que havia estado ao seu lado nos momentos difíceis. Para a historiadora Monique Laurent, ex-diretora do Museu Rodin, em Paris, no entanto, isso não passava de uma desculpa. “Ele tinha medo de Camille. Sua inteligência e talento faziam dela uma artista que poderia suplantá-lo.”
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Depois que A Idade Madura, considerada sua obra mais autobiográfica, foi recusada pela Exposição Universal de 1900, Camille, com 36 anos, passou a achar que havia um complô de Rodin contra ela. Mas, apesar das suspeitas, ele continuava a intervir por ela, assegurando-lhe novas encomendas. Mas Camille foge de todos. Prefere viver sozinha, no silêncio e na escuridão. Sua última escultura é de 1906. Depois desse ano, destrói tudo o que esculpe. Os moldes de gesso ela joga no rio Sena ou os enterra, e proíbe que vejam o que faz. “A partir de então, suas angústias se tornam ideias fixas, até instalar-se a psicose”, diz Liliana.
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Camille Claudel morreu em 1943, aos 79 anos de idade, pobre, sozinha numa cama de hospício, onde ficou por mais de 30 anos esquecida do mundo. Morreu sem glória, sendo enterrada, anonimamente, em uma vala comum. Em vida, ela foi atormentada por um amor impossível, pelos preconceitos da sociedade francesa do século 19 e pela doença que a levou ao isolamento. A própria família a renegou. 
A sobrinha-neta de Camille, Reine-Marie Paris, autora de uma tese sobre a vida da artista (Camille Claudel, de 1984), conta que brincava entre as esculturas guardadas na casa do avô, Paul, irmão de Camille. “Até pouco tempo atrás, a família tinha vergonha da escultora e o nome de Camille sequer era pronunciado”, diz. Mas o que essa artista brilhante fez de tão grave? Por que suas obras ficaram escondidas e esquecidas por tanto anos?
Estas respostas podem ser facilmente respondidas por quem acompanhou o processo do feminismo no mundo, e os avanços sociais e políticos das mulheres na atualidade, conquistas que nunca foram fáceis, em uma revolução que jamais “foi de veludo”.

Nos últimos anos, foram múltiplos os estudos e as obras que refletiram sobre a presença das mulheres no meio artístico, assunto sempre presente na obra “reivindicativa” das Guerrilla Girls, como ficou patente na Bienal de Veneza de 2005, considerada pela imprensa especializada, como a primeira bienal feminista.
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Fizemos aqui apenas um resumo de uma história longa, intensa e cheia de detalhes de Camille Claudel, nas imagens, suas principais obras cheias de movimento e sensualidade.Vale a pena ler o livro “Camille Claudel: criação e loucura” de Liliana Wahba e também assistir o filme de Bruno Nuytten “Camille Claudel” de 1988 (foto ao lado).
Há um novo filme sobre a vida da artista, a ser lançado no ano que vem: "Camille Claudel, 1915",  Lançamento: 13 março, 2013 (França).

Sinopse: Inverno de 1915. Confinado por sua família a um asilo no sul da França - onde ela nunca vai esculpir novamente - a crônica da vida reclusa de Camille Claudel, e como ela aguarda a visita de seu irmão, Paul Claudel. 
Diretor: Bruno Dumont Escritor: Bruno Dumont. Elenco:  Juliette Binoche 
-->Referências:Manuel Castells, O Poder da identidade, A era da informação: economia, sociedade e cultura, volume II, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003, p. 169.
Esta matéria foi feita a quatro mãos: Mônica Munhoz Pereira* e **Izabel Liviski**
* Professora, Socióloga, é especialista em Cinema e Educação pela FAP (Faculdade de Artes do Paraná)
** Socióloga, Fotógrafa, é doutoranda em Sociologia pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).
A coluna Incontros vai ao ar quinzenalmente, às quintas-feiras na Revista ContemporArtes.

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