sábado, 1 de dezembro de 2012

Sobre nosso humor




Coisa engraçada, dia desses peguei uma televisão emprestada com um amigo por que eu iria receber algumas visitas que não ficavam sem isso. Como as visitas não vinham (e não vieram até hoje), num certo dia, liguei o aparelho. Qual não foi meu susto assistir ao programa “Zorra total”. Fiquei pasmada, boquiaberta e pensei comigo: o que é isso? Estou exagerando? Talvez. Certo é que sem o aparelho há quase dois anos, acabei me desacostumando dele: deu nisso. Lógico que nesse tempo vi que muita coisa estranha (ou previsível) ainda acontecia nos “bastidores” televisivos. Tenho e-mails do Yahoo, site que sempre faz questão de me deixar a par dos “babados”. Além dos vários amigos do facebook, que além de não me deixarem esquecer que a sexta está próxima, ou que infelizmente já é segunda, ou que ainda o feriado não durou o suficiente, também me fazem saber de Carminhas e Ninas. Enfim! Fiquei pensando o que teria acontecido para chegarmos ao nível de um programa como o Zorra total ser exibido em rede nacional. Ora, não vou ser hipócrita para falar que nunca assisti programas idiotas na (da) TV. Alguém já disse que todo mundo precisa de um momento de alienação e eu, particularmente, adoro essa deixa. Gostava muito dos programas e desenhos infantis, como Caverna do Dragão (clássico!), Cavaleiros do Zodíaco, Cocoricó (qual marmanjo nunca cantou numa bateria ou guitarra invisível: “o Júlio na gaita e a bicharada no vocal, fazendo rock rural, cocoricó”?), Castelo Rá-tim-bum, Sítio do pica-pau amarelo, Os trapalhões... Fui seguidora assídua de algumas novelas, como Roque Santeiro, por exemplo. Mas algo mudou. Seria o humor ou o nosso humor? Corrijam-me, por favor, se eu estiver errada, mas acredito piamente que algo mudou. Eu me divertia tanto com Mussum e Zacarias, mas sequer consigo ouvir por um minuto aquele programa novo do Didi. E o esporte atual? Uma coisa é fazer um programa esportivo um pouco menos técnico, menos “duro”, outra coisa é achar que somos idiotas para assistir piadinhas idiotas, ideológicas e sem motivos esportivos (ou talvez sejamos mesmo idiotas). Nem vou entrar na questão de programas como Pânico na TV porque isso já é vergonhoso demais para mim.
Adelaide – personagem do Zorra Total

Falando sério, sempre me considerei uma pessoa otimista e não sou dessas que dizem “antigamente era melhor”, até por que meu antigamente é bem recente e é isso que me assusta. Gostava de fazer comparações do tipo: pelo menos hoje, nós mulher, podemos lutar pelos nossos direitos e não sermos queimadas em praça pública (pelo menos em alguns países). Podemos mandar a polícia, a religião, os políticos, e cia. Ltda. pra onde quisermos, pelo menos por palavras. Sim, doce ilusão essa tal liberdade. Mas estou sendo sincera, é o que eu pensava. Hoje, penso numa temível teoria: será que atingimos em algum momento um ápice na escala evolucionista e agora estamos em decadência? Será que a raça humana está próxima à sua extinção e seres mais evoluídos tomaram nosso espaço? Então, ao pensar assim, chego a uma conclusão: não.
Máscara da comédia grega. Por volta de 350 a.C

Somos uma raça muito estranha, mas sempre fomos. Somos capazes de produzir a nona sinfonia e o holocausto; sete ou oito peças para um ballet e as bombas nucleares; doze girassóis numa jarra e a chacina da Candelária; a Vênus de Milo e o genocídio ruandês; Hamlet e o apartheid, Dom Quixote e Chernobyl, Ladrões de bicicleta e o Holodomor, etc., etc., etc.. Sempre fomos assim. Mas será que precisamos continuar sendo? Precisamos continuar aceitando programas como Zorra total de braços abertos e nos obrigando a rir disso? Precisamos procurar a graça onde ela não está?
Sorriso de Sheldon Cooper

Faço uma confissão que muito me magoa: tenho consumido excessivamente cultura estadunidense, principalmente em se tratando de comédias. Gosto de assistir a The Big Bang Theory e Community, várias vezes. E o pior, não me canso. Rio infinitas vezes do sorriso medonho de Sheldon Cooper e das bizarrices do Señor Chang, mas só consigo sentir vergonha naquele quadro do metrô do já citado programa global. Julguem-me, apontem-me críticas nas comédias que eu citei. Mostrem-me nelas preconceitos escondidos (ou não), ideologias capitalistas, nazistas, fascista, o que for. Por favor, eu peço isso, pois tenho sido alienada nesse ponto. Existe o preconceituoso Pierce em Community: ninguém ri de suas piadas, riem dele, por ser preconceituoso. No Zorra total riem de tudo (que não tem graça) e riem de nós, pretos, brancos, homossexuais, bissexuais, transexuais, heterossexuais, mulheres feias, mulheres loiras, mulheres “gostosas”, mulheres banguelas, etc. Tudo se torna motivo de riso onde falta humor. E vejam que não estou falando de humor bom e humor ruim, que isso não existe. Bakhtin acreditava que o caráter crítico e autocrítico, um dos componentes principais do romance, gênero moderno por excelência, só poderia ter vindo do riso, do riso que familiariza objeto e ser para que este possa examiná-lo de perto, revirá-lo, desmembrá-lo. Onde ficou esse riso? Enfim, há tempos não vejo humor no Brasil e o fato de que não tinha televisão não é o motivo. Que me perdoem, de todo o coração, os que ainda o fazem, mas, o que tenho visto hoje, no humor brasileiro, aproxima-se mais do horror. Aquele horror sussurrado pelo coronel Kurtz. 


Ana Luíza Duarte de B. Drummond nasceu em Ferros, Minas Gerais, em 1988. Atualmente cursa Bacharelado em Estudos Literários e Licenciatura em Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Ouro Preto. Publicou recentemente o conto “O pio da coã”, na antologia de contos fantásticos Fantasiando. Possui artigos publicados na área de Educação e Literatura. e-mail: analuizadrummond@yahoo.com.br





A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.

0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.