‘César deve morrer’, filme dos irmãos Taviani leva Shakespeare para penitenciária de Roma
A dupla de cineastas italianos ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2012 pelo filme ‘Cesar deve morrer’. Diretores octogenários que viveram na época do neorrealismo italiano, recorrem às nuances desse tão consagrado estilo para construírem filmes que nascem na tênue e muitas vezes indefinível linha que separa a vida da arte. Nesta 'montagem' de Shakespeare para o cinema, os irmãos Paolo e Vittorio Taviani buscam soluções na cadência dos múltiplos tempos que se intercalam para trazer à tona ‘Júlio César’ de Shakespeare, um docudrama encenado por alguns detentos da prisão de segurança máxima de Rebibba em Roma.
Dupla de cineastas, os irmãos Taviani |
Após seis meses de ensaios, com a colaboração do diretor teatral Fabio Cavalli, os detentos interpretam a peça para um público reservado dentro do presídio onde cumprem pena, processo que foi todo filmado. Vale ressaltar que os Taviani conseguiram a proeza de comporem quatro tempos distintos dentro do filme. Ao meu ver esse foi o grande plus, a montagem. Para conceber esses tempos, utilizaram como recurso cenas em preto e branco e coloridas, com tons e matizes especificas identificando cada momento. O Flashback foi utilizado para orientar o espectador.
Os detentos fazendo teste para atores |
Ao espectador da telona cabe o primeiro tempo, que é o do filme propriamente dito, editado e montado. Mas ele é composto por mais três tempos distintos: o momento da realidade (documentário), que contempla a escolha dos atores - presidiários, e outras cenas do dia-a-dia do cárcere (cenas coloridas com ênfase em tons e matizes de amarelos); o momento do teatro (ficção) que corresponde à peça de Shakespeare em que os personagens (detentos no tempo do documentário) atuam no ensaio (preto e branco) e o momento final (ficção mais realidade) em que a peça está sendo encenada no palco para um público do teatro
(colorido na penumbra com tons fortes de vermelho).
(colorido na penumbra com tons fortes de vermelho).
Momento da realidade: a filmagem do documentário - cenas do cotidiano do presídio |
Momento do teatro-ensaio: ficção encenada pelos detentos |
Momento do teatro- final : ficção na realidade |
Momento do teatro- final : ficção na realidade |
Belo filme que me fez repensar nas relações de poder retratadas pela eterna e sagaz percepção shakespeariana. São valores, são amizades, são traições, são certezas e incertezas que permeiam o ser. Como clássicas que são, as histórias de Shakespeare, contadas de várias formas, sempre acabam contemporâneas porque mostram a humanidade carregando seus arquétipos repletos de soluções, dissoluções, sabores e dissabores, para uma suposta eternidade.
Gostei das inesquecíveis performances de Salvatore Striano, como Brutus, Cosimo Rega, como Cássio, e Giovanni Arcuri, como César, alguns mafiosos, traficantes, assassinos, mas que possuem o outro lado da moeda, ou outros lados.... a tal da dialética humana que acaba um pouco com a imagem de vilões e mocinhos que vivem em mundos separados e inatingíveis.
Com o nome original de ‘Cesare Deve Morire’ o filme chega acanhado em São Paulo, com exibição no Reserva Cultural em um curtíssimo período, mas para os amantes de Shakespeare e do cinema italiano vale a pena esperar para comprar o DVD e assistir calmamente em casa com os amigos.
Vale muito a pena se emocionar, mais uma vez, com os comoventes dramas shakespearianos que sempre nos surpreende em suas incansáveis montagens e adaptações.
Ótimo filme!!!!
Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.
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