segunda-feira, 15 de abril de 2013

Algumas palavras sobre Dona Benta Encerrabodes de Oliveira

     



Há algum tempo atrás me vi pensativa acerca da sabedoria das pessoas idosas, bem como as relações entre avós e netos nos dias de hoje. Pensei o quanto essas pessoas de idade senil podem nos transferir conhecimento. E veio à minha mente uma ilustre personagem da Literatura infantil brasileira: Dona Benta Encerrabodes de Oliveira.

O sucesso de Monteiro Lobato perante o público infanto-juvenil não foi imediato, mas gradativo e o leitor atento à sua arte literária pode identificar além da evolução na escrita do escritor, diferenças evidentes entre as suas várias versões, como é o caso das obras A Menina do Narizinho Arrebitado (1.ª ed. 1921) e Reinações de Narizinho (reedição de 1931). Nelas, a estudiosa Nelly Novaes Coelho observou que
D. Benta que surge como uma “triste velha”, “trêmula e catacega” (mais parecendo uma bruxa das estórias clássicas), passa a ser uma “velha de mais de 60 anos”, muito ativa com suas costuras e “óculos de ouro na ponta do nariz” (COELHO, 1982, p. 361)
Em muitas de suas aventuras, Monteiro Lobato retrata a vida no Sítio do Picapau Amarelo, um ambiente encantado. Nesse espaço, o que há de real e fantástico parece fundir-se e as grandes complicações parecem extintas. Não é fortuitamente que Tatiana Belinky, uma especialista lobatiana, expressa que
Os adultos não pressionam nem atrapalham, porque a autoridade no sítio não é pai nem mãe, e sim a avó. E as relações entre avós e netos são afetuosas e descontraídas. Especialmente no caso de uma avó como Dona Benta Encerrabodes de Oliveira, inteligente e culta, enérgica e compreensiva, sensata e carinhosa, realista, mas capaz de topar as mais fantásticas brincadeiras. (...) É a autoridade máxima, tácita e livremente aceita, com amor e respeito, sem qualquer receio ou tensão. (BELINKY apud COELHO, 1982, p. 371, grifos da autora)
Monteiro Lobato foi brilhante na criação dos personagens que compõem o sítio do Picapau Amarelo. Dona Benta, senhora bastante simpática, é um arquétipo. Ela mostra verdadeiro afeto pelos netos e além de ativa em costuras e com perfil de avó ideal, surpreende mostrando-se sempre atualizada sobre o que acontece no Brasil e no Mundo.

Em Memórias da Emília (1981), por exemplo, há várias passagens que apontam a figura dessa boa senhora como informada, culta e inteligente. Monteiro Lobato dá início ao capítulo V, intitulado “O almirante assombra-se com o que vê”, da seguinte forma: “Lá na sua salinha Dona Benta conversava com o Almirante Brown sobre a política do Império Britânico” (1981, p. 40). Ainda neste capítulo, ela caracteriza o burro falante como um filósofo estóico e, diz ainda, “Costumo ler-lhe trechos das ‘Meditações’ de Marco Aurélio. Os comentários que ele faz mereciam ser escritos e publicados” (1981, p. 44). Nessa passagem Dona Benta faz alusão a escritos pessoais do imperador romano Marco Aurélio, em que ele apresenta suas idéias sobre a filosofia estóica.

No último capítulo, a falante bonequinha Emília deixa suas últimas impressões e ideias sobre pessoas e coisas do Sítio. E diz: “Quando ouvi Dona Benta contar a história de D.Quixote, meu coração doeu várias vezes, porque aquele homem ficou louco apenas por excesso de bondade” (1981, p. 96). E mais a frente afirma,
Tenho de dizer umas palavras sobre esta senhora. Dona Benta é uma criatura boa até ali. Só isso de me aturar, quanto não vale? O que mais gosto nela é o seu modo de ensinar, de explicar qualquer coisa. Fica tudo claro como água. E como sabe coisas, a diaba! De tanto ler aqueles livros lá do quarto, ficou que até brincando bate o Visconde em ciência. (LOBATO, 1981, p. 98)
Logo se vê pela qualidade das leituras de Dona Benta que ela é a representação de uma pessoa muitíssimo instruída, que mais do que acesso à educação apresenta alto grau de um conhecimento considerado erudito. Interessante também é a forma como ela transmite todo o seu saber aos netos e demais personagens do sítio do Pica-Pau Amarelo.



Referências Bibliográficas

COELHO, Nelly Novaes. A literatura infantil: história, teoria e análise. São Paulo: Quíron/Global, 1982.
 LOBATO, Monteiro. A Menina do Narizinho Arrebitado. São Paulo: editora Monteiro Lobato, 1a edição, 1920.
 LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. São Paulo: editora brasiliense, 21ª edição, 1981.
 LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. São Paulo: editora brasiliense, 1971.


Maikely Teixeira Colombini, mestranda em Letras com ênfase em Estudos Literários pela Universidade Federal de Viçosa e Licenciada em Letras com Licenciatura em Português e Literaturas de Língua Portuguesa por esta mesma instituição. Atualmente está pesquisando os Espaços íntimos e espaços públicos na narrativa de Joaquim Manuel de Macedo. Áreas de interesse: Linguística, Letras e Artes, e mais especificamente, Literatura Brasileira.
E-mail: maikelycolombini@ig.com.br

A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.

0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.