Algumas palavras sobre Dona Benta Encerrabodes de Oliveira
Há algum tempo atrás me vi pensativa acerca da sabedoria das pessoas
idosas, bem como as relações entre avós e netos nos dias de hoje. Pensei o
quanto essas pessoas de idade senil podem nos transferir conhecimento. E veio à
minha mente uma ilustre personagem da Literatura infantil brasileira: Dona
Benta Encerrabodes de Oliveira.
O sucesso de Monteiro Lobato
perante o público infanto-juvenil não foi imediato, mas gradativo e o leitor
atento à sua arte literária pode identificar além da evolução na escrita do
escritor, diferenças evidentes entre as suas várias versões, como é o caso das
obras A Menina do Narizinho Arrebitado (1.ª
ed. 1921) e Reinações de Narizinho (reedição
de 1931). Nelas, a estudiosa Nelly Novaes Coelho observou que
D. Benta que surge como uma “triste velha”,
“trêmula e catacega” (mais parecendo uma bruxa das estórias clássicas), passa a
ser uma “velha de mais de 60 anos”, muito ativa com suas costuras e “óculos de
ouro na ponta do nariz” (COELHO, 1982, p. 361)
Em muitas de suas aventuras,
Monteiro Lobato retrata a vida no Sítio do Picapau Amarelo, um ambiente
encantado. Nesse espaço, o que há de real e fantástico parece fundir-se e as
grandes complicações parecem extintas. Não é fortuitamente que Tatiana Belinky,
uma especialista lobatiana, expressa que
Os
adultos não pressionam nem atrapalham, porque a autoridade no sítio não é pai nem mãe, e sim a avó. E as
relações entre avós e netos são afetuosas e descontraídas. Especialmente no
caso de uma avó como Dona Benta Encerrabodes de Oliveira, inteligente e culta,
enérgica e compreensiva, sensata e carinhosa, realista, mas capaz de topar as
mais fantásticas brincadeiras. (...) É a autoridade máxima, tácita e livremente
aceita, com amor e respeito, sem qualquer receio ou tensão. (BELINKY apud COELHO,
1982, p. 371, grifos da autora)
Monteiro Lobato foi brilhante na criação dos personagens que compõem o sítio
do Picapau Amarelo. Dona Benta, senhora bastante simpática, é um arquétipo. Ela
mostra verdadeiro afeto pelos netos e além de ativa em costuras e com perfil de
avó ideal, surpreende mostrando-se sempre atualizada sobre o que acontece no
Brasil e no Mundo.
Em Memórias da Emília (1981),
por exemplo, há várias passagens que apontam a figura dessa boa senhora como
informada, culta e inteligente. Monteiro Lobato dá início ao capítulo V, intitulado
“O almirante assombra-se com o que vê”, da seguinte forma: “Lá na sua salinha
Dona Benta conversava com o Almirante Brown sobre a política do Império
Britânico” (1981, p. 40). Ainda neste capítulo, ela caracteriza o burro falante
como um filósofo estóico e, diz ainda, “Costumo ler-lhe trechos das
‘Meditações’ de Marco Aurélio. Os comentários que ele faz mereciam ser escritos
e publicados” (1981, p. 44). Nessa passagem Dona Benta faz alusão a escritos pessoais do imperador romano
Marco Aurélio, em que ele apresenta suas idéias sobre a filosofia estóica.
No último capítulo, a falante
bonequinha Emília deixa suas últimas impressões e ideias sobre pessoas e coisas
do Sítio. E diz: “Quando ouvi Dona Benta contar a história de D.Quixote, meu
coração doeu várias vezes, porque aquele homem ficou louco apenas por excesso
de bondade” (1981, p. 96). E
mais a frente afirma,
Tenho de dizer umas palavras sobre esta senhora.
Dona Benta é uma criatura boa até ali. Só isso de me aturar, quanto não vale? O
que mais gosto nela é o seu modo de ensinar, de explicar qualquer coisa. Fica
tudo claro como água. E como sabe coisas, a diaba! De tanto ler aqueles livros
lá do quarto, ficou que até brincando bate o Visconde em ciência. (LOBATO,
1981, p. 98)
Logo se vê pela qualidade das
leituras de Dona Benta que ela é a representação de uma pessoa muitíssimo
instruída, que mais do que acesso à educação apresenta alto grau de um conhecimento
considerado erudito. Interessante também é a forma como ela transmite todo o
seu saber aos netos e demais personagens do sítio do Pica-Pau Amarelo.
Referências Bibliográficas
COELHO, Nelly Novaes. A literatura infantil: história, teoria e
análise. São Paulo: Quíron/Global, 1982.
E-mail:
maikelycolombini@ig.com.br
A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.
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