A Ilha Grande por detrás da Ilha: os meninos da vida.
Várias vezes, se procurado, seria
encontrado plantado em alguma pizzaria da Torpignattara, da borgata Alessandrina, da Torre Maura ou de
Pietralata, enquanto em uma folha de papel anoto expressões idiomáticas, pontos
expressivos ou vivazes, gírias ouvidas em primeira mão da boca dos “falantes”
feitos falar de propósito. Isto, naturalmente, acontece em ocasiões
específicas. Por exemplo, a um certo ponto da narrativa, uma das minhas
personagens rouba uma pasta ou alguma bolsa: existe uma gíria para indicar
pasta ou bolsa? Como não! Pasta se diz cricca,
bolsa campana: A negação em geral, além de morto, se diz riboncia etc. (Ao invés de dizer etc, ou coisas do gênero, no meu romance
colocarei sempre e tanti benedetti,
quando um não menos vivaz e tante belle cose).Nem
sempre esse material instrumental em nível baixíssimo e particularíssimo
transcrevo diretamente: O faço somente nos casos nos quais me apresente uma
dificuldade ou uma necessidade estilística na mesa, enquanto escrevo tudo
sozinho. (PASOLINI, 1983, p. 212).
Um
menino de aproximadamente seis anos estava sozinho comprando pão na padaria
para ele e sua mãe. Ele tinha dinheiro suficiente para os pães mas na vitrine o
pão comum, àquele que o menino precisava e tinha de comprar, nem estava lá. Na
vitrine, se oferecendo com persuasão estavam
doces coloridos e sedutores, doutro lado salgados, lustrosos, dourados, salgados e
gordurosos. O menino, sem dinheiro e sem
permissão da mãe para comprá-los não teve dúvida pediu para uma cliente alguns salgados, pondo rapidamente uma carinha de coitado. A mulher calmamente respondeu: Você mora perto? Então vá a
sua casa e peça permissão à sua mãe, se ela permitir eu compro. O menino, talvez
já sabendo que não poderia fazer aquilo, desistiu dos doces e salgados e levou os pães
de sal para ele e a mãe. O caixa da padaria comentou: É assim todos os dias......
Noutro
dia, nas imediações da padaria do primeiro menino, na porta de um mercado, vi uma mãe com três
filhos, parada e olhando um deles se estrebuchar no chão
fazendo birra para que ela comprasse coisas e mais coisas gostosas de comer. Do
outro lado, avistei alguns garotos que comemoravam ao anoitecer o fim das
aulas e o inicio das férias. Ainda com mochilas nas costas, eles pulavam e se jogavam na areia com
tranquilidade sujando, sem pudores e culpas,
as roupas e calçados escolares.
Estava
em Ilha Grande, lindo lugar localizado em Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Sua
beleza é evidentemente por conta da natureza exuberante e que, aparentemente,
ainda está conservada. Como deve ser para esses meninos da ilha viverem com
essa invasão, aparentemente necessária, de turistas que consomem tudo aquilo
que eles não possuem mas que de várias formas estão escancarados em seus olhos e
narinas.... ? Ver tantas coisas gostosas e fascinantes como comidas, roupas,
lanchas? Como vivem com o estrangeirismo?
Uma canoa largada na praia.... |
Uma lancha trabalha no mar... |
Evidente
, o que ocorre na Ilha Grande acontece todos os dias por esse mundão de meu
deus em inúmeros lugares distintos, esses meninos que fazem o cenário como figurantes existem além da
peça teatral ou fílmica, eles vivem às dores e os anseios de serem de onde são e de serem o que são em
suas entranhas maléficas, carentes e bondosas.... Além do vento do mar, da areia da praia eles existem e estão lá escondidos e desapercebidos por todos. Quando todos se vão eles ficam para
recolherem o que sobrou e ansiarem com a volta “deles”, os estranhos, ex acústicos
e encantadores: outros....
Eu
estava lá na categoria de “outros”, turista, e como tal me encantei
com o lugar e também nada fiz para que qualquer coisa ali mudasse,
pois todos nós sabemos que a maior parte de todo aquele capital acumulado e conseguido na
ilha não reverte aos moradores e sim serve para dar lucro aos donos das pousadas, dos iates, das lanchas, dos barcos e que, em sua maioria são estrangeiros que resolveram morar no Brasil para abrirem seus negócios. E também sabemos que políticos
corruptos e bicheiros usam a ilha para desfrutarem e ao mesmo tempo se escondem sem se preocuparem nem um pouco com esses meninos. Nada contra os estrangeiros que agora são moradores da Ilha e que impulsionaram o turismo local, pieguices à parte mas o modelo social do Brasil é uma merda.... Quanto desse capital deveria ir para a
educação, saúde, moradia, saneamento básico, não só da Ilha mas de todo o
Brasil? Quanto desse capital deveria ser investido em pesquisas nas Universidades vislumbrando soluções de problemas da biodiversidade e afins?
Não
estou aqui para contar a história da Ilha Grande, recheada de tristezas e desgraças
pois não me julgo competente para tal, já que não sou historiadora mas o
cotidiano do lugar está à vista de todos, todos os dias.
Tudo isso me faz lembrar do livro “Meninos da vida” de Pier Paolo Pasolini nos becos escuros em que aconteciam a vida... a vida lado B mas que na
verdade é a vida vida, corrida, cotidiana, intensa, fluídica, necessária, óbvia
e muitas vezes com encantos imperceptíveis ....
Embarcações da Ilha |
Um menino que se tornou homem
Pará pilotando a lancha |
Pará,
foi assim que ele se apresentou e reafirmou: podem me chamar de
Pará ... ele pilotou com carinho, amor e abnegação a lancha que fez a meia
volta na Ilha e à ele que eu humildemente dedico essa coluna de hoje. Num
momento do lindo passeio ele disse: Eu moro ali, perto da Lagoa Azul apontando com o dedo, alguns que estavam na lancha disseram: nossa, que lindo você deve desfrutar dessa paisagem paradisíaca todos
os dias quando chega à sua casa, Pará respondeu de forma rápida e eloquente: Todos os
dias quando chego em casa já é noite e tão cansado estou que não vejo nada
apenas quero dormir.
Obrigada
Pará por seu carinho, amor e atenção e por ter me proporcionado um dos dias
mais lindos de minha vida.... que paguei com dinheiro, mesmo consciente de que
muito pouco daquilo ficaria para os meninos da Ilha....
Pará, vive e trabalha em Ilha grande, RJ |
Num súbito instante o comum, cotidiano pode se tornar inusitado.... |
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