sábado, 30 de novembro de 2013

Jornal “Alvorada”: uma autêntica rede social, de papel e interpessoal



Num momento em que muito se fala em redes sociais (virtuais) e participação da população nos debates públicos da nação é bom atentar-se, também, para o passado – ente renegado pela verborragia de alguns arautos das novas tecnologias. Então, que tal falar de um jornal comunitário chamado “Alvorada”, da prelazia de São Félix do Araguaia (MT), existente desde a década de 70, que começou como informativo frente e verso, de periodicidade irregular, chegou a ser feito à mão, depois modernizou processo de confecção, porém durante toda a sua história pautou-se pela relação direta entre seus “fazedores” e os anseios que envolvem a população que circunda o município citado?

 Essa trajetória é contada no livro “Práticas midiáticas e cidadania no Araguaia – o jornal Alvorada”, publicado em 2012 pela editora KCM, de Cuiabá, como resultado da dissertação de mestrado de Marluce de Oliveira Machado Scaloppe. Concerne a uma parcela importante da história do Brasil, vez que remonta a atuação da ala progressista da igreja católica, por meio da Teologia da Libertação, em luta direta contra a ditadura. (As imagens expostas aqui foram copiadas via scanner do próprio livro).

Houve apreensão de edições, perseguição de lideranças religiosas, leigos engajados e representantes de movimentos sociais. As repercussões geradas pelo “Alvorada”, a partir de seus conteúdos e das reações à sua existência, estenderam-se pelo país e para fora do Brasil, vez que o jornal comunitário mantinha laços de correspondência com entidades e ongs de cunho internacionalista pautadas pela solidariedade de classe e contra a opressão SCALOPPE (2012).

Foi o “Alvorada” que jogou luz sobre a atuação do bispo dom Pedro Casaldáliga, hoje ainda na região, na condição de emérito. Era a partir do jornal que ele fazia denúncias acerca da força do latifúndio e estimulava trabalhadores rurais a se organizarem em sindicados para exercerem o “profetismo protagônico dos pequenos”. Isso é algo bastante percebido na educação popular, que parte da curiosidade ingênua para a epistemológica, alimentando-se dos múltiplos saberes cotidianos dos mais diversos grupos e segmentos marginalizados da sociedade (FREIRE, 1998).
Além desse assunto, com apoio de grupos de redação formados nas comunidades passaram pelo impresso questões indígenas, notícias sobre as paróquias, lideranças da Teologia da Libertação, reclamações quanto às situações econômica e política.

Foi também o pequeno “Alvorada” que auxiliou na alfabetização de inúmeros adultos e idosos em São Félix do Araguaia e municípios vizinhos, posto que era comum, depois da ansiedade da espera, juntar familiares e amigos para uma leitura coletiva, tendo o alfabetizado a responsabilidade de “anunciar” o conteúdo do impresso, para em seguida se fazer uma análise crítica acerca dos acontecimentos.

O “Alvorada” relaciona-se ao modelo de imprensa alternativa, que “Possui conteúdo crítico-emancipador e reivindicativo e tem o ‘povo’ como protagonista principal, o que a torna um processo democrático e educativo” (PERUZZO, 2006, p. 4).      

Não se quer com essa menção ao “Alvorada” divinizar um modelo guerrilheiro de comunicação, apesar de que sua lembrança faz importante ponte com o ethos jornalístico, de compreensão da profissão enquanto “missão”, não mera ação de panfletagem política, contudo algo constatado antropologicamente (LAGO, 2003).
Também não se quer anular os benefícios gerados pela popularização do acesso à rede, como a possibilidade de ampliar rol de fontes de informação e troca de saberes, via cibercultura e convergência digital (LÉVY, 1999; JENKINS, 2008).

Nem isso nos dá o direito de compreender que na contemporaneidade tudo é novo e, sobretudo, as novidades são mais inovadoras. É preciso perceber que boa parte do que desponta como descoberta ou genuíno corresponde a uma versão atualizada de fenômenos há muito vivenciados, o que não garante melhoria essencial de qualidade.
 
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Tradução: Susana Alexandria. São Paulo:
Aleph, 2008.
 LAGO, Cláudia. Reflexões sobre antropologia e comunicação: ethos romântico do
jornalismo enquanto estudo de caso. In: Travancas, Isabel e Farias, Patrícia (orgs).
Antropologia e Comunicação. Rio de Janeiro, Garamond, 2003.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999;
PERUZZO, Cecília Maria Krohling. Revisando os conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária. Brasília: Intercom, 2006.
SCALOPPE, Marluce de Oliveira Machado. Práticas midiáticas e cidadania no Araguaia – o jornal Alvorada. Cuiabá: KCM, 2012.






Gibran Luis Lachowski, 35 anos, jornalista e professor do curso de Comunicação Social da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat)\campus de Alto Araguaia. Graduado em Comunicação Social (habilitação Jornalismo) pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)\campus de Cuiabá e mestre em Estudos de Linguagem pela mesma instituição. Militante do movimento pela democratização da comunicação.

Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.

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