domingo, 30 de março de 2014

A RECEITA DO BOLO




“O teatro é o último fórum onde o idealismo ainda é uma questão aberta.” (Peter Brook). 

Lembro de quando era aluno do Curso Permanente de Teatro e a Nitiz Jacon trouxe a Curitiba seu espetáculo “Transgreunte” e eu fiquei chapado! No dia seguinte fomos para a aula e o professor (não digo o nome!) saiu-se com “Aquilo que vocês viram é Artaud!” Eu, invocado por natureza, me queimei na parada imediatamente. Não que eu discordasse, mas discordava da afirmação do professor; e rebati: “Não, professor! Aquilo é o que o senhor entende como Artaud! É única e exclusivamente a sua opinião!” 


Retrato de Artaud, feita por Man Ray.

A minha lógica era simples: nem o professor, nem eu, nem a Nitiz Jacon, nem ninguém naquela sala tínhamos conhecido pessoalmente Artaud ou sequer visto uma peça sua, então o que sabíamos dele era o que estava nos livros (dois ou três) e ainda mais, em seu carro chefe, “O Teatro e Seu Duplo”. Os livros estavam à disposição de quem quisesse lê-los e interpretá-los à sua maneira, sem que a interpretação pudesse ser confirmada ou rebatida pelo próprio Artaud. Pois é, talvez um dos maiores equívocos dos nossos tempos é o de lermos ideias e interpretarmos como receitas. 


   Figurino desenhado por Antonin Artaud para “O Fogo” (1922)

“O Teatro e Seu Duplo”, do Artaud, “Mais Além das Ilhas Flutuantes”, do Eugenio Barba, “A Porta Aberta” do Peter Brook e “Teatro Pós-Dramático” do Hans-Thies Lehmann são livros de ideias, não são livros de receitas. Não contém “dicas” (e agora me vêm à mente a Dona Edith, do Luis Miranda na “Terça Insana”, dando dicas de como educar um filho na favela para não comer tudo que encontra pela frente!). Mas a pior de todas as distorções, ainda em minha opinião, é a de lermos os mestres e adaptarmos suas palavras à nossa maneira de ver a arte, por exemplo. 


Peça "As Mariposas"

Uma atitude mais ingênua do que cabotina, mas ainda assim fajuta porque dá a impressão de estarmos fazendo uma coisa que não estamos fazendo. Deveríamos aprender a falar e discorrer apenas sobre aquilo que, de verdade, conhecemos. Se um sujeito nunca em sua vida viu uma encenação de Peter Brook, por exemplo, nunca deveria falar sobre ele. Deveria, no máximo, ter a humildade de refletir sobre o que diz Peter Brook em seus livros e a sua própria experiência artística. Mas boa parte da “inteligenzia” lê “A Porta Aberta” e começa a dizer que Peter Brook é isso e Peter Brook é aquilo. 


Peter Brook em ação, dirigindo atores.

A experiência de presenciar uma obra artística é definitiva e só dela se pode tirar conclusões sobre artistas. Mais ainda os mestres. Apesar de toda a fortuna crítica, que está à disposição de qualquer um que esteja disposto a estudá-la. Nelson Rodrigues dizia que nós, os brasileiros, temos um tal “complexo de vira-latas”... Talvez... E talvez seja este complexo que faz com que tenhamos a sensação de estar fazendo uma determinada obra, apenas porque lemos um livro e nos sentimos íntimos e os únicos que compreendem o autor.





Edson Bueno é diretor, dramaturgo, roteirista e ator. Em mais de 30 anos de carreira participou de 77 peças, sendo 45 de sua autoria. Ganhou o Troféu Gralha Azul  e também o Troféu Poty Lazarotto como Melhor Diretor de Teatro do Paraná por diversos anos.

http://grupodeliriociadeteatro.blogspot.com.br/p/edson-bueno-e-diretor-dramaturgo.html

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