quarta-feira, 12 de março de 2014

MADE IN OSAKA 2




Dando sequência à série que apresenta “osaquenses” ilustres, nesta coluna gostaria de falar um pouco sobre a vida e a obra de mais um cidadão “made in Osaka”. Como mencionei na última coluna, trata-se do arquiteto Tadao Ando (1941). No entanto, quando nos referimos aos arquitetos nipônicos, o primeiro nome que nos ocorre é o do também “osaquense” Kenzo Tange (1913-2005), a quem, por ser uma referência mundial, podemos considerar o “Oscar Niemeyer japonês”.  Duas trajetórias de vida e estilos diferentes de arquitetura, mas com a mesma origem, Osaka.
 No caso de Ando san, as opiniões sobre a estética das suas obras (essencialmente aço+concreto+vidro) divergem: alguns “entendidos” as acham sóbrias (feias?) demais, outros as consideram funcionais, representantes do ethos nipônico, em suas linhas, e apropriadas ao modus vivendi japonês. Estas divergências, porém, não são o principal ponto que gostaria de apresentar, e sim a interessante trajetória de vida de Ando san e como suas obras interagem no universo urbano de Osaka. Para ser sincero, quando iniciei o rascunho desta coluna havia visto, in loco, apenas uma obra de Ando san por aqui, o Suntory Museum, inaugurado em 1994, próximo ao Kayukan (Aquário de Osaka, um dos maiores do Japão). Não entramos no museu, pois nosso interesse era o aquário, depois li que o museu havia encerrado suas atividades completamente em dezembro de 2010. Triste, não? No interior da obra de Ando san, funcionavam, além das galerias de arte,  um restaurante, um cinema e lojas. Na área de Tempozan (Baía de Osaka), a estrutura cônica criada por Ando san perdeu sua funcionalidade, mas continua inspirando arquitetos pela sua estética em forma de cone.
Aqui perto de casa, na cidade de Ibaraki, encontra-se uma das obras icônicas de Ando san,  a “Igreja da Luz” ( jap. 茨木春日丘教会, ingl. Ibaraki Kasugaoka Church), igreja protestante inaugurada em 1989. A obra pode ser considerada uma representação ideal da estética do arquiteto japonês: sóbria, funcional, retílinea, toda em concreto, uma igreja em forma de “caixa”. A grande sacada é o “crucifixo” no altar, criado a partir de duas aberturas (ou feixes) que se cruzam, possibilitando a entrada de luz natural, de modo a enformar uma “cruz de luz”, o que resulta numa atmosfera muito mais de contemplação do que celebração. A comparação dessa imagem com a de uma câmara escura (fotográfica) é imediata! Uma pena que, para visitar a “Igreja da Luz”, deve-se marcar hora com antecedência e preencher um formulário (chotto mendokusai...), pois o local não é considerado “turístico”,  mas sim um local de culto religioso.


No site sobre os ganhadores do prêmio Pritzker, há uma breve e interessante autobiografia do arquiteto, onde descobri que Ando san nunca se considerou um bom estudante, preferindo aprender sozinho, observando e analisando as coisas que lhe interessavam, ao invés de ficar assistindo a aulas. Na adolescência, desenvolveu suas habilidades em carpintaria, trabalhou como motorista e foi aspirante a lutador de boxe profissional, logo depois de terminar o ensino formal, aos dezoito anos. Nessa mesma época, ele começou a visitar periodicamente casas de chá, templos budistas e santuários xintoístas na área de Kansai, especialmente em Quioto e Nara, analisando suas linhas tradicionais e lendo muito sobre arquitetura:

“During my school days I wasn’t a good student. I always preferred learning things on my own outside of class. When I was about 18, I started to visit temples, shrines and tea houses in Kyoto and Nara. There's a lot of great traditional architecture in the area. I was studying architecture by going to see actual building, and reading books about them.”

Um fato deveras interessante: o jovem Ando descobriu, em um sebo no centro de Osaka, um livro sobre o arquiteto francês (e gênio) Le Corbusier, após algum tempo economizando dinheiro para comprar a tão desejada obra, Ando san devorou o opúsculo, que veio a se tornar sua referência inicial e inspiração para seus futuros projetos. O arquiteto assim se recorda destes anos de formação:

“I traced the drawings of his early period so many times that all the pages turned black. In my mind, I quite often wonder how Le Corbusier would have thought about this project or that.”

Movido por essa grande inspiração europeia, pelo universo arquitetônico tradicional japonês e pelo desejo de ser arquiteto, Ando san passou a fazer, por correspondência, cursos de desenho de interiores e assistir a classes noturnas de desenho técnico, mas sem jamais cursar uma universidade de Arquitetura. Juntou uma “grana” e foi para a Europa, visitar in loco as obras que tanto admirava e lhe serviam de inspiração. Em 1968 voltou ao Japão e, no ano seguinte, abriu seu próprio escritório de arquitetura. O resto são histórias...


Ando san alcançou fama mundial na década de 1990 ao receber o renomado prêmio Pritzker (1995), passando a produzir obras fora do território japonês e a receber vários outros prêmios e títulos. Alguns sites creditam o projeto (design) original da Skytree de Tóquio - desde 2012 a mais alta torre do mundo - a Ando san; no entanto, seu nome não aparece nos créditos finais da obra... Desde 2003 ele é professor emérito da prestigiadíssima Universidade de Tóquio. Nada mal para alguém que construiu sua carreira profissional fora dos muros da Academia, não?

Mata ne!!  Até mais!

  
Todas as imagens publicadas na coluna possuem direitos autorais:  Copyright ©2014AkitiDezem

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Rogerio Akiti Dezem é professor visitante de língua portuguesa e cultura brasileira da Universidade de Osaka, no Japão. Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Matizes do Amarelo - A gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (Humanitas, 2005) entre outros livros. Além da História, sua outra grande paixão é a Fotografia: http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/



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