quarta-feira, 19 de março de 2014

VIVIAN MAIER: UMA FOTÓGRAFA ANÔNIMA...



“Os escritos de uma mulher são sempre femininos; não podem deixar de sê-lo; quanto melhor, mais feminino; a única dificuldade é definir o que entendemos por feminino”.  (Virginia Woolf)

Parafraseando Woolf, podemos dizer que a imagética de uma mulher é sempre feminina. A forma como vai fotografar, os temas que ela vai escolher, a estética, enfim que vai formar o seu corpus fotográfico, vai depender de seu repertório cultural, do contexto histórico e social em que vive.

A fotografia, como campo profissional e artístico, sempre foi muito mais resistente que outros que abrangem atividades consideradas como “mais femininas”. Deve-se a isso, o fato de terem existido pouquíssimas fotógrafas no início do século, e as que existiam, na sua maioria, dedicavam-se a fotografias feitas em seus estúdios, ou em locais fechados como a casa dos retratados ou pátios e salas de aulas de escolas em que atuavam, raramente optando por desenvolver o trabalho em espaços abertos.

Vivian Maier, auto-retrato.

Pode-se questionar se um dos motivos da falta de informação e divulgação da participação feminina na fotografia pode ser em função de uma suposta prática entre os historiadores, acostumados a registrar os feitos masculinos em detrimento aos femininos, relegando a mulher a um segundo plano. Como afirma Rosenblum, poderia ser o valor predominante em uma cultura na qual era esperado do homem um papel mais ativo, ao mesmo tempo em que se esperava da mulher um papel de “apoio”.


Reflexos em Nova York
Assim, muitas vezes as mulheres entravam no mundo da fotografia como retocadoras, fotocopiadoras ou assistentes, atuando principalmente nas atividades de laboratoristas e na montagem das fotografias nos mais diversos tipos de suportes e estojos.  Uma razão para a escassez de material histórico sobre mulheres é que sempre foi difícil de ser encontrado. Frequentemente as próprias mulheres, refletindo as atitudes das épocas em que viviam, não consideravam as suas imagens como suficientemente importantes para serem catalogadas e arquivadas.


Brincadeira de criança
A menos que fossem guardadas em segurança por seus descendentes, as fotografias de mulheres eram sempre descartadas, jogadas no sótão ou mantidas em uma lata embolorada na associação de história local. Também June E. Hahner corrobora com esta hipótese. Como historiadora que se dedicou ao exame dos movimentos pelos direitos da mulher e do movimento sufragista no Brasil, ela alerta para pontos importantes no seu estudo sobre assuntos relacionados à mulher, considerando que a desatenção ou negligência para com o sexo feminino é motivada pela história tradicional e por aqueles que a escreveram.


Homeless

A fotógrafa norte-americana Vivian Maier (1926-2009), foi comparada ao pintor Van Gogh, pois foi “descoberta” apenas depois de seu falecimento. A saida de Maier do anonimato, se deve a que um colecionador que pesquisava sobre a cidade de Chicago, arrematou em um leilão, em 2007, uma série de negativos por 400 dólares que traziam imagens antigas da cidade. Ao revelá-los, se deu conta de que aquelas fotos não eram apenas fotografias comuns, mas um trabalho impregnado de veia artística que documentava de forma excepcional a vida na cidade nos anos 50. Descobriu então que a autoria das fotos era de Vivian Maier, uma americana que trabalhou durante toda sua vida como baby-siter.


A tristeza do palhaço
Esse colecionador ficou fascinado com a “Mary Poppins” da vida real, e começou, então, a realizar um vasto trabalho de pesquisa sobre Vivian, que faleceu aos 83 anos, em 2009, deixando cerca de 100.000 negativos, nos quais encontram-se fotos de Chicago, Nova Iorque e fotografias tiradas em viagens pelo mundo. Sua câmera, uma Rolleiflex, registrou cenas cotidianas da vida urbana: crianças brincando, moradores de rua, senhoras fazendo compras, homens conversando, e outras imagens do cotidiano.


Pássaros
Foi realizado então, um documentário, utilizando entrevistas com as poucas pessoas com quem ela tinha contato, seus patrões e as crianças, agora adultas, de quem ela cuidou.   Através desses relatos,  tomou-se contato com a vida desta fotógrafa, onde quase todos a descrevem como uma pessoa excêntrica e muito reservada, vestindo-se de forma um pouco “masculinizada”. Era feminista, socialista e crítica de cinema. Ninguém nunca soube de seu hobby, os únicos indícios eram as caixas de negativos que trazia consigo. O documentário chama-se “Finding Vivian Maier”.


Shadows

Referências:
ROSENBLUM, Naomi – A history of women photographers, Abbeville Press, London, 2000.
HAHNER, June E. – Emancipação do sexo femino: A luta pelos direitos da mulher no Brasil- Editora EDUNISC, 1978.



What's on? (Foto: Vivian Maier)




IZABEL LIVISKI, é fotógrafa e doutoranda em Sociologia pela UFPR. Edita quinzenalmente a coluna INCONTROS, escrevendo sobre fotografia e artes visuais.
E-mail para contato: izabel.liviski@gmail.com




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