Inês de Castro, Inês de Manto
Inês
de Castro, para o leitor desavisado, é conhecido como um dos maiores mitos
amorosos no imaginário e literatura portuguesa . Muito superficialmente,
trata-se da história de amor entre D Pedro “o cru” de Portugal e Inês Pires de
Castro – dama de companhia de D. Constança, primeira esposa de D Pedro. Esse amor,
que a história e o mito marcaram com uma imensidade nunca antes vista, termina
de maneira trágica, quando o rei D. Afonso IV, aconselhado pelos seus súditos
resolve matar Inês para frear o amor e, principalmente, evitar que seu filho,
D. Pedro, entre numa disputa, em Castela, pelo reinado. Disputa essa encabeçada
pelos irmãos de Inês.
Depois
de se tornar rei, D Pedro vinga a morte de Inês naqueles que julgava serem os
culpados por tais aconselhamentos a seu pai. As histórias buscam retirar de D.
Afonso IV qualquer culpa pela morte de Inês, mas bem sabemos que nada se
passava sem o aceite real. D. Pedro, cujo amor não arrefece nem com a morte da
amada, manda construir para ela um túmulo no mosteiro de Alcobaça, onde os reis
eram enterrados, e, ao lado do dela, o seu próprio. Ele faz uma transladação
dos restos mortais da amada de Coimbra para tal mosteiro e, após morta, Inês é
coroada rainha de Portugal.
Fernão
Lopes refere-se a esse amor da seguinte maneira: “Por que semelhante amor, qual
ElRei Dom Pedro ouve a Dona Enes, raramente he achado em alguma pessoa”
(Crónica do Senhor Rei Dom Pedro). Camões, aquele que possui toda sua escrita
movida pelo amor, não esquece-se de Inês de Castro e canta “O caso triste, e
dino da memória/ Que do sepulcro os homens desenterra,/ Aconteceu da mísera e
mesquinha/ Que depois de morta foi rainha” (Os Lusíadas, Canto III).
A
história não nos importa muito. Até porque são tantas as versões que não
saberíamos qual a mais verdadeira ou se essa veracidade realmente importaria,
uma vez que, ao deixar o terreno do histórico e encontrar o mítico, Inês de
Castro e D. Pedro acenderam o imaginário literário e cultural, fazendo com que
essa história, ocorrida em 1355, seja e esteja, ainda hoje, viva em muitas e
muitas histórias. Eis a definição de mito elaborada por Pessoa:
O mito é o nada
que é tudo.
O mesmo sol que
abre os céus
É um mito
brilhante e mudo -
O corpo morto de
Deus,
Vivo e desnudo.
(Mensagem)
Como
eu disse, são vários os registros literários desse amor de entre Inês e Pedro,
o qual ultrapassa a morte, ou vence-lhe para alcançar a eternidade no
imaginário mítico-cultural. Como nos diz Herberto Helder, no conto Teorema,
Inês, Pedro e os algozes que conjuraram a morte dela driblam a mortalidade que
Deus concedeu aos homens, ficando para sempre imortais através do amor. Um amor
diabólico. É certo. Por manter, fazer nascer e crescer cada vez mais a
crueldade como arma de defesa.
E
assim, gostaria, pois, de apresentar a vocês o belíssimo poema, escrito por
Fiama Hasse Pais Brandão, “Inês de Manto”:
INÊS DE MANTO
Teceram-lhe o
manto
para ser de
morta
assim como o
pranto
se tece na roca
Assim como o
trono
e como o espaldar
foi igual o modo
de a chorar
Só a morte
trouxe
todo o veludo
no corte da
roupa
no cinto justo
Também com o
choro
lhe deram um
estrado
um firmal de
ouro
o corpo exumado
O vestido dado
como a choravam
era de brocado
não era
escarlata
Também de pranto
a vestiram toda
era como um
manto
mais
fino que roupa
Esse poema acaba por
relacionar as lágrimas choradas, séculos e séculos, pela morte de Inês e o
manto que foi construído com todo esse choro. É interessante notar somente que
a percepção lacrimal que Fiama acaba por nos apresentar remete-nos claramente à
ideia de um amor que ultrapassou tempos, culturas, preconceitos e, principalmente,
a própria morte. Que você, leitor, releia o poema, com ele se delicie e procure
mais sentidos para esse amor imenso é o que desejo.
Rodrigo Corrêa Machado é colunista da ContemporARTES desde 2009, quando a revista foi criada. Juntamente com Ana Dietrich é coordenador desse periódico. Ele é professor substituto de literatura portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorando em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e licenciado em Letras por esta mesma instituição. Seus interesses perpassem a Literatura em geral e, com ênfase especial na poesia portuguesa contemporânea.
1 comentários:
Maravilhoso texto, coberto como chocolate, entre o cacau e a história vivida pela literatura, que através da pesquisa, revolve o amor trágico e contemporâneo. Viva o amor.
16 de abril de 2014 às 23:39Postar um comentário
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