segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A CIDADE DE SENTO-SÉ E A CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DO SOBRADINHO: MEMÓRIA E TERRITORIALIDADE NA LUTA DOS ATINGIDOS (1970-1980)





         O objeto de estudo, que vem sendo analisado neste artigo, fundamenta-se na análise dos desdobramentos e efeitos no tecido social da região atingida pela Barragem do Sobradinho, Baixo Médio São Francisco, Nordeste brasileiro. A partir deste objeto vem sendo identificado os conflitos sociais e interesses existentes, no que se referem as tensões nas relações sociais provocadas pela relocação da população atingida pela barragem e a Companhia Hidrelétrica do Rio São Francisco, responsável pela obra. A pesquisa tem como foco, para a compreensão de sua problemática, os efeitos desta barragem em uma dos cinco principais cidades atingidas: A cidade de Sento-Sé. Isto por meio de fontes orais, documentais e iconográficas. A fim de trazer não só a perspectiva dos conflitos sociais e das relações com o território por meio da analise historiográfica e sociológica, como também da perspectiva da história oral, perpassando pelas construções da memória, dos traumas, das identidades e dos saberes na cidade, desses sujeitos impactados pelo processo de implementação do Projeto Sobradinho.

A história de Sento-Sé, cidade de clima semiárido, pertencente a zona do Baixo Médio São Francisco, desde a década de 40, entrelaça-se com a de uma família, cuja linhagem teve origem neste local. A família Sento-Sé, mesmo nome da cidade em que governavam estes indivíduos, já possuía o nome forte e de governança, a mais de três gerações. A senhora Vera Rita Sento-Sé representa, dentre essas, a sexta geração de uma família histórica, que até os dias atuais é parte da identidade da cidade. Neste dia a colaboradora Vera Rita Sento-Sé foi entrevistada em sua casa no bairro da Pituba, na cidade do Salvador, estado da Bahia. A entrevistada mostrava-se bastante saudosa ao relembrar aqueles momentos do seu passado. Por diversas vezes, revelou a tristeza da população ao ver suas casas inundadas, pela ocasião da construção de uma barragem que iria mudar drasticamente o curso de vida não só desta família como de todos que viviam as margens do Rio São Francisco.
Este evento relata pela colaboradora Vera Rita Sento-Sé se trata da construção da Barragem do Sobradinho que no ano de 1977 realocou a cidade de Sento-Sé e mais quatro cidades: Remanso, Casa Nova, Pilão Arcado e Xique Xique. Essas cidades sofreram em seus territórios mudanças que afetaram as relações sociais dessas cidades. O enfoque deste artigo, entretanto, são os conflitos sociais gerados em Sento-Sé resultados da realocação desta cidade para a construção de Sobradinho.

As da realocação a cidade de Sento-Sé localizava-se ao norte pelo município de Casa Nova, ao sul pelos municípios de Jussara e Morro do Chapéu, a leste pelos municípios de Remanso, Pilão Arcado e Xique- Xique (HIDROSERVICE, 1973), como mostra a figura abaixo:


Figura 1: demarcação territorial da cidade de Sento-Sé antes da construção da Barragem do Sobradinho. (HIDROSERVICE, 1973).


Na figura 1 a cidade de Sento-Sé pode ser vista em sua extensão territorial (marcada de listrado) em um mapa cartográfico. O nome da cidade encontra-se em destaque na cor vermelha. Após a realocação, devido a construção de Sobradinho, Sento-Sé passou a ocupar o território que de acordo com os relatórios da CHESF se localiza:

“(...) entre as elevações que compõem a Serra dos Limpos e a atual estrada que liga o povoado de Tombador aos núcleos de Tapera e Limoeiro (...) proximidade da indústria de mineração COMINAG, que lhe dará apoio econômico pela facilidade de integração funcional (...)”. (HIDROSERVICE, 1973, p. 231).  


Isso significa que, como mostra o mapa, Sento-Sé encontrava-se mais próxima aos grandes centros urbanos da região: a cidade de Juazeiro, no estado da Bahia, e a Petrolina (um dos centros urbanos de Pernambuco), cidade que faz divisa entre os estados de Pernambuco e Bahia. Após a construção de Sobradinho a cidade de Sento-Sé, que incluía todo o núcleo urbano e parte do núcleo rural que ficava ás margens do Rio São Francisco, foi realocada devido a construção de Sobradinho.

A população de Sento-Sé foi então para uma localidade próxima a Serra do Ramalho, no município (ou fazenda, como era mais conhecida) de Castela. (HIDROSERVICE, 1973). É importante ressaltar que não foi toda a população da cidade de Sento-Sé que acabou sendo atingida por Sobradinho, mas somente 43% dela. O que não diminui os impactos causados, já que Sobradinho atingiria a maior parte de Sento-Sé:

“(...) ou a parte mais dinâmica, onde se desenrolam as principais atividades econômicas: a calcinação da Magnesita pela COMINAG, os cultivos de subsistência e comerciais, o apascentamento dos rebanhos no período de seca e o comércio.” (HIDROSERVICE,1973, p.77)

Esses 43% da população, ou “a parte mais dinâmica”, como se refere o relatório da HIDROSERVICE (empresa contrata pela CHESF para realizar o levantamento do território a ser atingido por Sobradinho, inclusive de Sento-Sé), representava a zona urbana da cidade em sua totalidade mais uma parte do núcleo rural. No total, segundo a HIDROSERVICE,

“(...) a nova sede, de acordo com os estudos realizados, deverá atender aos moradores da atual (sede), ao pessoal a ser empregado na mineração e aos residentes de Tombador, que decidiram morar na nova cidade. Dessa forma, o contingente populacional da nova cidade será de 4.000 habitantes. (...)”. (HIDROSERVICE, 1973, p 234).

Os demais municípios afetados foram transferidos pela CHESF para um projeto denominado como “PEC Serra do Ramalho”. (JORNAL DA BAHIA, 1977). A localização territorial de Sento-Sé pode ser vista, após a realocação, da seguinte forma:

Figura 2: Barragem do Sobradinho e cidades atingidas. (Arquivo Sindicato dos Trabalhadores de Sento-Sé, 1977).

Antes de pontuar as mudanças  e os conflitos causados pela realocação de Sento-Sé por Sobradinho, entretanto, é importante compreender o período histórico de  construção da Barragem do Sobradinho, 1973 a 1990. Sobradinho foi um projeto do governo brasileiro cujo regime era o da ditadura militar. O presidente que autorizou o projeto da construção da barragem, em 1973, foi o Senhor Emilio Garrastazu Médici. A obra foi concedida aos cuidados da Companhia Hidrelétrica do Rio São Francisco (CHESF), como já mencionado. Neste ano se iniciou as investigações e os levantamentos na região que seria atingida para a construção. Até a abertura das comportas da barragem passaram-se cinco anos. O que só ocorreu em 1977, já no governo ditatorial do Senhor Ernest Geisel.
Nas perspectivas do governo federal o pacote de obras públicas que incluía o projeto de Sobradinho fazia parte do Plano de Desenvolvimento Nacional (que se estendeu de 1969 a 1973). Plano que compreendeu uma tentativa do governo de promover o crescimento econômico no Brasil e reduzir a inflação, conhecido como Nacional Desenvolvimentismo. 
O produto interno bruto (PIB) brasileiro, ao longo da aplicação do plano nacional desenvolvimentista , no inicio, cresceu na média anual de 11,2% para 13% (até 1973) e a inflação média anual não passou de 18%. (BENINCÁ, 2011).

“(...) O acesso facilitado a empréstimos do exterior, o investimento do capital internacional no Brasil, o aumento das exportações e as taxas de inflação relativamente baixas desencadearam o chamado “milagre” econômico. Esse fenômeno ocorreu durante o governo do Presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), quando o Produto Interno Bruto (PIB) “cresceu na média anual, 11,2%, tendo seu pico em 1973 com uma variação de 13%. A Inflação média anual não passou de 18%. Isso parecia de fato um milagre” (Fausto, 1997, p. 485). No período, o governo investiu muito na indústria pesada – siderurgia, petroquímica, construção naval e hidroeletricidade. (...) A busca deliberada por financiamento externo fez crescer de modo exorbitante a dívida e tornou o país cada vez mais reféns das políticas internacionais, em especial das normas ditadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). (...) A crise afetou de modo drástico o Brasil que importava mais de 80% do total de seu consumo. Preocupado com o problema energético, o governo Geisel lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). (...)” ( BENINCÁ, 2011, pp. 70-71)

Essa média de crescimento, entretanto, não pode ser mantida, abrindo caminho para aumento da inflação e da dívida externa. Desse quadro de instabilidade econômica surgiu a necessidade de investir no crescimento interno para buscar alternativas para amenizar a inflação.  Esta perspectiva incluía maior incentivo à indústria nacional o que gerou um maior consumo de energia.

“Por conta da implantação da indústria, aumentou também o consumo de energia. Para combater a crise do petróleo, em 1975 o governo criou o Programa Nacional do Álcool (Pró – Álcool), estimulando a substituição do petróleo pelo álcool etílico. Igualmente, intensificou a construção de grandes centrais hidrelétricas a partir de três regiões: Nordeste, Sul e Norte. Na região Nordeste, construiu a barragem de Sobradinho e depois de Itaparica. (...)” (BENINCÁ, 2011, p. 72)


Esse quadro de investimento no mercado interno e no desenvolvimento brasileiro foi o “pano de fundo” para justificar a construção de Sobradinho, tendo como consequência o alagamento de parte da cidade de Sento-Sé. A execução do “PROJETO SOBRADINHO” foi decidida em 1971, porém os serviços de construção da barragem só foram iniciados em Junho de 1973.

A inundação de fato iniciou-se em fevereiro de 1977, sendo que o represamento total começou no dia quatro de Dezembro de 1977, enquanto o processo de execução completo de abertura das comportas iniciou-se no dia dois de Julho de 1978. Neste ano a barragem atingia sua cota máxima.

“A água tem inúmeras utilizações e abarca múltiplos significados. Pode ser vista como símbolo de vida ou sinal de perigo e morte. Tomá-la-ei aqui como expressão de ameaça e causa de expulsão de milhares de pessoas em face da construção de barragens, empreendimentos estes que vêm se multiplicando por toda parte.” (BENINCÁ, 2001, p. 69).

A construção de barragens acarreta múltiplos e complexos problemas de ordem socioeconômica, sociopolítica e socioambiental, além de compor o cenário nacional e mundial na atualidade (BENINCÁ, 2001). O foco desta pesquisa é a análise dos conflitos sociais gerados pela construção da Barragem do Sobradinho na cidade de Sento-Sé no Nordeste brasileiro na década de 1970.

A Barragem de Sobradinho se localiza na região do Baixo Médio São Francisco, semiárido, com exponenciais de caatinga. Para a construção desta barragem cinco cidades tiveram que se deslocar espacialmente a fim de possibilitar a chegada das águas do Rio São Francisco: Remanso, Casa Nova, Pilão Arcado, Xique Xique e Sento-Sé. 

O eixo temporal investigado, necessário à compreensão dos conflitos, vai desde o inicio do Projeto Sobradinho, no ano de 1973, até os desdobramentos ocasionados pela barragem após a abertura das comportas, especificamente até o ano de 1980. Os atores envolvidos nesta análise são: o Governo da época da construção da Barragem (Federal, Estadual e Municipal), a concessionária estatal responsável pela obra de Sobradinho, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), os agricultores da cidade de Sento-Sé e a elite local.

A identificação desses atores ajudará na compreensão da análise das heranças históricas que existiam em Sento-Sé antes da construção de Sobradinho. Este contexto sociopolítico e econômico pré-existente é fundamental para identificar quais estruturas sociais a Barragem do Sobradinho irá impactar, ocasionando alterações nas relações entre o poder local (elite de Sento-Sé) e os agricultores por meio da realocação da cidade para um novo território.

A pesquisa proposta neste Mestrado segue a linha de investigação que toca nas relações do sujeito com o território em que vive tanto do ponto de vista econômico-social, quanto no referente às suas raízes culturais e tradições face aos impactos causados pela chegada do “progresso das hidrelétricas” em suas vidas.

Três eixos de análise serão abordados na pesquisa de modo a tratarmos da problemática dos conflitos sociais gerados por Sobradinho em Sento-Sé.
1- As discussões a cerca do território.
2- A identificação de quais tipos de conflitos sociais são gerados ao longo do processo de construção de hidrelétricas e de barragens.
3- Quais as heranças históricas que delimitam o contexto sociopolítico, econômico e regional que norteia a cidade de Sento-Sé.

Ana Catarina Sento-Sé Martinelli Braga é graduada em História Licenciatura e Bacharelado (Universidade Católica do Salvador- UCSAL-BA) e mestranda em Planejamento e Gestão do Território (Universidade Federal do ABC – UFABC) com orientação da Profa. Dra. Silvia Helena Passarelli.

1 comentários:

Soraia O Costa disse...

Parabéns pelo trabalho!
Agora é cuidar para concluir com êxito a finalização desta pesquisa...

13 de outubro de 2014 às 22:34

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