A CIDADE DE SENTO-SÉ E A CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DO SOBRADINHO: MEMÓRIA E TERRITORIALIDADE NA LUTA DOS ATINGIDOS (1970-1980)
O objeto de estudo, que
vem sendo analisado neste artigo, fundamenta-se na análise dos desdobramentos e
efeitos no tecido social da região atingida pela Barragem do Sobradinho, Baixo
Médio São Francisco, Nordeste brasileiro. A partir deste objeto vem sendo
identificado os conflitos sociais e interesses existentes, no que se referem as
tensões nas relações sociais provocadas pela relocação da população atingida
pela barragem e a Companhia Hidrelétrica do Rio São Francisco, responsável pela
obra. A pesquisa tem como foco, para a compreensão de sua problemática, os
efeitos desta barragem em uma dos cinco principais cidades atingidas: A cidade
de Sento-Sé. Isto por meio de fontes orais, documentais e iconográficas. A fim
de trazer não só a perspectiva dos conflitos sociais e das relações com o
território por meio da analise historiográfica e sociológica, como também da
perspectiva da história oral, perpassando pelas construções da memória, dos
traumas, das identidades e dos saberes na cidade, desses sujeitos impactados
pelo processo de implementação do Projeto Sobradinho.
A história de Sento-Sé, cidade de clima
semiárido, pertencente a zona do Baixo Médio São Francisco, desde a década de
40, entrelaça-se com a de uma família, cuja linhagem teve origem neste local. A
família Sento-Sé, mesmo nome da cidade em que governavam estes indivíduos, já
possuía o nome forte e de governança, a mais de três gerações. A senhora Vera
Rita Sento-Sé representa, dentre essas, a sexta geração de uma família
histórica, que até os dias atuais é parte da identidade da cidade. Neste dia a
colaboradora Vera Rita Sento-Sé foi entrevistada em sua casa no bairro da
Pituba, na cidade do Salvador, estado da Bahia. A entrevistada mostrava-se
bastante saudosa ao relembrar aqueles momentos do seu passado. Por diversas
vezes, revelou a tristeza da população ao ver suas casas inundadas, pela ocasião
da construção de uma barragem que iria mudar drasticamente o curso de vida não
só desta família como de todos que viviam as margens do Rio São Francisco.
Este evento relata pela colaboradora Vera
Rita Sento-Sé se trata da construção da Barragem do Sobradinho que no ano de
1977 realocou a cidade de Sento-Sé e mais quatro cidades: Remanso, Casa Nova,
Pilão Arcado e Xique Xique. Essas cidades sofreram em seus territórios mudanças
que afetaram as relações sociais dessas cidades. O enfoque deste artigo,
entretanto, são os conflitos sociais gerados em Sento-Sé resultados da
realocação desta cidade para a construção de Sobradinho.
As da realocação a cidade de Sento-Sé
localizava-se ao norte pelo município de Casa Nova, ao sul pelos municípios de
Jussara e Morro do Chapéu, a leste pelos municípios de Remanso, Pilão Arcado e
Xique- Xique (HIDROSERVICE, 1973), como mostra a figura abaixo:
Figura 1: demarcação
territorial da cidade de Sento-Sé antes da construção da Barragem do
Sobradinho. (HIDROSERVICE, 1973).
Na figura
1 a cidade de Sento-Sé pode ser vista em sua extensão territorial (marcada
de listrado) em um mapa cartográfico. O nome da cidade encontra-se em destaque
na cor vermelha. Após a realocação, devido a construção de Sobradinho, Sento-Sé
passou a ocupar o território que de acordo com os relatórios da CHESF se
localiza:
“(...)
entre as elevações que compõem a Serra dos Limpos e a atual estrada que liga o
povoado de Tombador aos núcleos de Tapera e Limoeiro (...) proximidade da
indústria de mineração COMINAG, que lhe dará apoio econômico pela facilidade de
integração funcional (...)”. (HIDROSERVICE, 1973, p. 231).
Isso significa que, como mostra o mapa, Sento-Sé
encontrava-se mais próxima aos grandes centros urbanos da região: a cidade de
Juazeiro, no estado da Bahia, e a Petrolina (um dos centros urbanos de
Pernambuco), cidade que faz divisa entre os estados de Pernambuco e Bahia. Após
a construção de Sobradinho a cidade de Sento-Sé, que incluía todo o núcleo
urbano e parte do núcleo rural que ficava ás margens do Rio São Francisco, foi
realocada devido a construção de Sobradinho.
A população de Sento-Sé
foi então para uma localidade próxima a Serra do Ramalho, no município (ou
fazenda, como era mais conhecida) de Castela. (HIDROSERVICE, 1973). É
importante ressaltar que não foi toda a população da cidade de Sento-Sé que
acabou sendo atingida por Sobradinho, mas somente 43% dela. O que não diminui
os impactos causados, já que Sobradinho atingiria a maior parte de Sento-Sé:
“(...)
ou a parte mais dinâmica, onde se desenrolam as principais atividades
econômicas: a calcinação da Magnesita pela COMINAG, os cultivos de subsistência
e comerciais, o apascentamento dos rebanhos no período de seca e o comércio.”
(HIDROSERVICE,1973, p.77)
Esses
43% da população, ou “a parte mais dinâmica”, como se refere o relatório da
HIDROSERVICE (empresa contrata pela CHESF para realizar o levantamento do
território a ser atingido por Sobradinho, inclusive de Sento-Sé), representava
a zona urbana da cidade em sua totalidade mais uma parte do núcleo rural. No
total, segundo a HIDROSERVICE,
“(...)
a nova sede, de acordo com os estudos realizados, deverá atender aos moradores
da atual (sede), ao pessoal a ser empregado na mineração e aos residentes de
Tombador, que decidiram morar na nova cidade. Dessa forma, o contingente
populacional da nova cidade será de 4.000 habitantes. (...)”. (HIDROSERVICE,
1973, p 234).
Os
demais municípios afetados foram transferidos pela CHESF para um projeto
denominado como “PEC Serra do Ramalho”. (JORNAL DA BAHIA, 1977). A localização
territorial de Sento-Sé pode ser vista, após a realocação, da seguinte forma:
Figura 2: Barragem do Sobradinho e
cidades atingidas. (Arquivo Sindicato dos Trabalhadores de Sento-Sé, 1977).
Antes de pontuar as mudanças
e os conflitos causados pela realocação de Sento-Sé por Sobradinho,
entretanto, é importante compreender o período histórico de construção da Barragem do Sobradinho, 1973 a
1990. Sobradinho foi um projeto do governo brasileiro cujo regime era o da
ditadura militar. O presidente que autorizou o projeto da construção da
barragem, em 1973, foi o Senhor Emilio Garrastazu Médici. A obra foi concedida
aos cuidados da Companhia Hidrelétrica do Rio São Francisco (CHESF), como já
mencionado. Neste ano se iniciou as investigações e os levantamentos na região
que seria atingida para a construção. Até a abertura das comportas da barragem
passaram-se cinco anos. O que só ocorreu em 1977, já no governo ditatorial do
Senhor Ernest Geisel.
Nas perspectivas do governo federal o
pacote de obras públicas que incluía o projeto de Sobradinho fazia parte do
Plano de Desenvolvimento Nacional (que se estendeu de 1969 a 1973). Plano que
compreendeu uma tentativa do governo de promover o crescimento econômico no
Brasil e reduzir a inflação, conhecido como Nacional Desenvolvimentismo.
O produto interno bruto (PIB) brasileiro, ao
longo da aplicação do plano nacional desenvolvimentista , no inicio, cresceu na
média anual de 11,2% para 13% (até 1973) e a inflação média anual não passou de
18%. (BENINCÁ, 2011).
“(...) O acesso facilitado a
empréstimos do exterior, o investimento do capital internacional no Brasil, o
aumento das exportações e as taxas de inflação relativamente baixas
desencadearam o chamado “milagre” econômico. Esse fenômeno ocorreu durante o
governo do Presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), quando o Produto
Interno Bruto (PIB) “cresceu na média anual, 11,2%, tendo seu pico em 1973 com
uma variação de 13%. A Inflação média anual não passou de 18%. Isso parecia de
fato um milagre” (Fausto, 1997, p. 485). No período, o governo investiu muito
na indústria pesada – siderurgia, petroquímica, construção naval e
hidroeletricidade. (...) A busca deliberada por financiamento externo fez
crescer de modo exorbitante a dívida e tornou o país cada vez mais reféns das
políticas internacionais, em especial das normas ditadas pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI). (...) A crise afetou de modo drástico o Brasil que
importava mais de 80% do total de seu consumo. Preocupado com o problema
energético, o governo Geisel lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento
(PND). (...)” ( BENINCÁ, 2011, pp. 70-71)
Essa média de crescimento, entretanto, não pode ser mantida,
abrindo caminho para aumento da inflação e da dívida externa. Desse quadro de
instabilidade econômica surgiu a necessidade de investir no crescimento interno
para buscar alternativas para amenizar a inflação. Esta perspectiva incluía maior incentivo à
indústria nacional o que gerou um maior consumo de energia.
“Por conta da implantação da
indústria, aumentou também o consumo de energia. Para combater a crise do
petróleo, em 1975 o governo criou o Programa Nacional do Álcool (Pró – Álcool),
estimulando a substituição do petróleo pelo álcool etílico. Igualmente,
intensificou a construção de grandes centrais hidrelétricas a partir de três
regiões: Nordeste, Sul e Norte. Na região Nordeste, construiu a barragem de
Sobradinho e depois de Itaparica. (...)” (BENINCÁ, 2011, p. 72)
Esse quadro de investimento no mercado interno e no
desenvolvimento brasileiro foi o “pano de fundo” para justificar a construção
de Sobradinho, tendo como consequência o alagamento de parte da cidade de
Sento-Sé. A execução do “PROJETO SOBRADINHO” foi decidida em 1971, porém os
serviços de construção da barragem só foram iniciados em Junho de 1973.
A inundação de fato
iniciou-se em fevereiro de 1977, sendo que o represamento total começou no dia
quatro de Dezembro de 1977, enquanto o processo de execução completo de
abertura das comportas iniciou-se no dia dois de Julho de 1978. Neste ano a
barragem atingia sua cota máxima.
“A
água tem inúmeras utilizações e abarca múltiplos significados. Pode ser vista
como símbolo de vida ou sinal de perigo e morte. Tomá-la-ei aqui como expressão
de ameaça e causa de expulsão de milhares de pessoas em face da construção de
barragens, empreendimentos estes que vêm se multiplicando por toda parte.”
(BENINCÁ, 2001, p. 69).
A
construção de barragens acarreta múltiplos e complexos problemas de ordem
socioeconômica, sociopolítica e socioambiental, além de compor o cenário
nacional e mundial na atualidade (BENINCÁ, 2001). O foco desta pesquisa é a
análise dos conflitos sociais gerados pela construção da Barragem do Sobradinho
na cidade de Sento-Sé no Nordeste brasileiro na década de 1970.
A
Barragem de Sobradinho se localiza na região do Baixo Médio São Francisco,
semiárido, com exponenciais de caatinga. Para a construção desta barragem cinco
cidades tiveram que se deslocar espacialmente a fim de possibilitar a chegada
das águas do Rio São Francisco: Remanso, Casa Nova, Pilão Arcado, Xique Xique e
Sento-Sé.
O
eixo temporal investigado, necessário à compreensão dos conflitos, vai desde o
inicio do Projeto Sobradinho, no ano de 1973, até os desdobramentos ocasionados
pela barragem após a abertura das comportas, especificamente até o ano de 1980.
Os atores envolvidos nesta análise são: o Governo da época da construção da
Barragem (Federal, Estadual e Municipal), a concessionária estatal responsável
pela obra de Sobradinho, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), os
agricultores da cidade de Sento-Sé e a elite local.
A
identificação desses atores ajudará na compreensão da análise das heranças
históricas que existiam em Sento-Sé antes da construção de Sobradinho. Este
contexto sociopolítico e econômico pré-existente é fundamental para identificar
quais estruturas sociais a Barragem do Sobradinho irá impactar, ocasionando
alterações nas relações entre o poder local (elite de Sento-Sé) e os
agricultores por meio da realocação da cidade para um novo território.
A pesquisa proposta neste
Mestrado segue a linha de investigação que toca nas relações do sujeito com o
território em que vive tanto do ponto de vista econômico-social, quanto no
referente às suas raízes culturais e tradições face aos impactos causados pela
chegada do “progresso das hidrelétricas” em suas vidas.
Três eixos de análise
serão abordados na pesquisa de modo a tratarmos da problemática dos conflitos
sociais gerados por Sobradinho em Sento-Sé.
1- As discussões a cerca
do território.
2- A identificação de
quais tipos de conflitos sociais são gerados ao longo do processo de construção
de hidrelétricas e de barragens.
3- Quais as heranças
históricas que delimitam o contexto sociopolítico, econômico e regional que
norteia a cidade de Sento-Sé.
Ana Catarina Sento-Sé Martinelli Braga é graduada em História Licenciatura e Bacharelado (Universidade
Católica do Salvador- UCSAL-BA) e mestranda em Planejamento e Gestão do
Território (Universidade Federal do ABC – UFABC) com orientação da Profa. Dra. Silvia Helena Passarelli.
1 comentários:
Parabéns pelo trabalho!
13 de outubro de 2014 às 22:34Agora é cuidar para concluir com êxito a finalização desta pesquisa...
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