AS VÁRIAS FACES DE JOÃO BAPTISTA GROFF...
É
o retrato de dono de um butéco
Roupa
folgada, barrigudo, suado...
Onde
ele está – é o que fala, o que faz eco!
Ele
é o que sabe mais... está acabado.
Já
foi tudo. Só santo ainda não foi
Hoje
é ilustre pintor de meia-tigela!
Pinta
um cáco de vidro e diz que
Confunde melancia com berinjela!
Qual Nizio, qual Viaro, qual de Bona.
Essa gente está superada!
Do pincel – não há aqui dono nem dona.
Ele é o tal! O sucesso do salão.
Também tem da rua XV na calçada.
Sempre algum quadro em exposição!¹
Confunde melancia com berinjela!
Qual Nizio, qual Viaro, qual de Bona.
Essa gente está superada!
Do pincel – não há aqui dono nem dona.
Ele é o tal! O sucesso do salão.
Também tem da rua XV na calçada.
Sempre algum quadro em exposição!¹
Em minha dissertação de
Mestrado em Sociologia (2007), escolhi como tema
central, a análise do trabalho
fotográfico de João Baptista Groff (1897-1970).
Esse corpus fotográfico foi
tomado como documento e expressão
imagética da urbanização e da construção da
identidade paranaense, durante
o período de 1920 a 1940. Em minha
pesquisa, tentei responder à algumas
questões, entre elas, que leituras sociológicas as imagens desse
fotógrafo possibilitavam?
Assim,
as fotografias de Groff, não somente indicavam as transformações da urbanização
e modernização da cidade de Curitiba como também revelavam relações sociais
específicas existentes naquele período. Um
dos aspectos mais interessante da pesquisa, foi o contato com a família do
fotógrafo, no caso seus filhos, já em idade avançada, o que se constituiu em
uma experiência com a história oral e
possibilitou a obtenção de dados muito importantes para elaborar a trajetória
do meu personagem.
Groff, como marinheiro, juntamente com os pais e a irmã |
“Quando
eu tinha 7 anos, fui para a escola; a
professora fez uma pesquisa com cada aluno, no item a profissão do meu pai,
respondi que ele era ‘fiteiro’, com surpresa ela falou: explique-se melhor...
então eu disse, 'meu pai faz fita de cinema'. Na
realidade meu pai durante sua vida fez muitas coisas, e eu não posso definir
qual foi na realidade sua profissão. Mesmo hoje continuo a não
saber.
Ele foi fotógrafo, cinegrafista, jornalista, dono de loja de material
fotográfico, escritor de lendas e rádio-novelas, editor de revista, ecologista,
amigo e mecenas de artistas plásticos, proprietário de cinema, artista
plástico, e teve ainda negócios no ramo imobiliário.
JBG aos vinte e um anos de idade |
Em
minha adolescência, sempre senti verdadeira fascinação por meu pai. Não pelo
pai que educa, ensina e aconselha e gera, mas aquele que para mim foi mais
amigo e companheiro do que pai. Pois era eu quem cuidava dele quando saíamos, apesar
de ser 32 anos mais velho do que eu. Meu pai era meio ‘desligado’, e não via
perigo em nada, era muito otimista e eu sou pessimista, já que “pessimista é um
otimista com experiência”.
Vou
explicar melhor estas palavras, para que não me entendam mal. Na nossa casa
éramos: ele, minha mãe dona Leonilda, minha avó materna, os filhos Lais Primerose (1923),
Thelma (1927), João Maximiliano (1929) e Luiz (1936), além de uma empregada doméstica, portanto oito pessoas vivendo sob o
mesmo teto. Vivíamos numa verdadeira democracia espartana, sendo que ele era o
que menos mandava, cada um fazia o que bem queria, ele não se envolvia em
desentendimento e brigas de filhos, não tomava partido nenhum.
Groff e a esposa Leonilda |
Cada
um que resolvesse seus desentendimentos, porém longe dele. Não queria saber se
um filho gazeou a escola, se não fez os deveres escolares, ou alguma traquinagem
em casa ou na rua, essa tarefa era da nossa mãe, que era mais enérgica e
disciplinadora. Quando ele retornava à casa, e nossa mãe ia fazer algum relato sobre
nós, ele dizia: “não quero nem saber, isso é problema seu”. Como se pode ver,
numa casa onde vivem oito pessoas, sempre tem um que não obedece as regras
normais, na maioria das vezes era sempre ele o delinquente.
Nossa
mãe era disciplinada e organizada, em matéria de limpeza era o extremo, tinha
sempre um pano na cintura, e conforme ela ia passando ia removendo alguma
sujeira, e ainda mais queria tudo no seu devido lugar, e nós, os filhos tínhamos
que obedecer, já o nosso pai, era diferente. Sapatos num lugar, paletó em outro
e pertences por toda a casa, tudo fora do lugar, o que nossa mãe reclamava, mas
ele nem ligava, fazia de conta que não era com ele. Mamãe nos educou que quando
se usa um talher, copo ou qualquer outro utensílio, se lava e coloca no lugar,
o que nós obedecíamos... menos ele.
Residência dos Groff em Curitiba, com os irmãos Thelma e João |
Groff como pintor, quando já havia deixado de fotografar. |
Anos
mais tarde, quando eu já era adulto, e nós saíamos, ele para pintar e eu para
pescar e caçar, era eu quem cozinhava para nós, porque várias vezes acampávamos
em barracas. E
nessas andanças, era sempre ele que aprontava alguma coisa. Às vezes ao
chegarmos em casa mamãe perguntava, ‘o que é que teu pai aprontou dessa vez?’
Na
realidade não só eu como meus irmãos tínhamos que cuidar dele e não o
contrário, como seria de se esperar. Há alguns anos atrás, falei com meu irmão
mais moço, o Luiz, que escreve crônicas, ensaios e até dramaturgia, para que
ele fizesse uma biografia sobre papai, sendo que eu forneceria os dados já que
mantive mais contato com ele. A resposta dele: “João se eu contar as histórias
que sei do papai, ninguém vai acreditar, eu vou ter que mentir e fazer um
relato dele, igual ao que fazem na hora de sepultar alguém, o cidadão só tem
qualidades etc.”
Alguns artistas do círculo de Groff, tendo ao centro Lange de Morretes |
João Maximiliano com o cineasta Estevan Silvera na preparação do filme sobre JBG, 2010. |
¹Quando ele
completou 60 anos, um amigo seu, escritor e poeta (não identificado) fez este
soneto. Retirado do "Soneto irônico da Série dos Pintores n.1".
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Izabel Liviski, é fotógrafa e professora. Doutora em Sociologia pela UFPR, é pesquisadora de História da Arte, Fotografia, Literatura e
Artes Visuais. Escreve na revista ContemporArtes desde 2009, editando a coluna INCONTROS
quinzenalmente, e é também co-editora da revista.
Contato: <bel.photographia@gmail.com>
1 comentários:
Izabel, que história de vida! Só poderia ser um artista, pois esses geralmente vivem numa dimensão que não é a nossa. Para usar uma expressão de minha infância (já que tantas apareceram no texto), era o próprio "avoado".
1 de outubro de 2014 às 11:46Postar um comentário
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