Sapatinho na janela
Perguntinha mais batida que sino de Belém em tempo de Papai Noel. Eu sei. Mas vale a rabanada pensar nela – e não na resposta – nem que seja por um instante. Afinal, só o fato de ouvi-la já é um presentaço: a prova de que não estamos sozinhos no shopping (alguém está?), de que não sobramos no amigo oculto, de que uma criatura que não nós mesmos ou o Bom Velhinho se preocupa conosco a ponto de cogitar nos dar ao menos uma lembrancinha.
Temos andado – temos corrido os cem metros rasos, isso sim – tão focados e sufocados nos smartphones, tablets, games, tevês, cedês, devedês, sandálias, sapatos, perfumes, camisas, vestidos, bijus, brinquedos, livros, chocolates, panetones e outros mimos amarráveis com laço de fita, que mal conseguimos escutar o ho! ho! ho! de quem se dispõe a descer de sua chaminé para nos conceder duas castanhas de atenção.
Culpa do excesso de decibéis (jingoubéis?) da vida muderna, aparentemente em seu volume máximo: jingle all the way. De repente, é como se a Simone, acompanhada dos Canarinhos de Petrópolis, descesse de helicóptero bem no meio do Maraca e começasse a repetir discoarranhadamente “então é Natal e Ano Novo também” em nossos pobres aparelhos auriculares.
Parem o trenó que eu quero descer.
Pois desçamos dele por um instante: um instante e uma rabanada. Findo o primeiro e digerida a segunda – não necessariamente nessa ordem –, pensemos na resposta àquela perguntinha do início com cuidado, sem o corre-corre das últimas compras. Talvez eu pedisse uma realidade menos barulhenta, habitada por políticos menos odoricos, religiosos menos felicianos, celebridades menos bebebestas, manifestantes menos black blocs, jovens (e não tão jovens) menos selfies; gente, enfim, menos surdamente exibicionista, menos obcecada por uma vitrine, menos disposta a falar, falar, falar e impor sua voz a qualquer custo.
Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.
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